quinta-feira, 6 de outubro de 2011

PINDORAMA 10° 0' 0" S / 55° 0' 0" W. RIO, VOCÊ FOI FEITO PRA MIM - O DIA EM QUE ME CASEI NO CRISTO REDENTOR

Gilvania Ferreira

No próximo dia 12 de outubro, o Cristo Redentor completa 80 anos de idade. Em homenagem à data, como boa carioca de coração que sou, vou contar para vocês aqui como foi o dia em que me casei no Cristo Redentor.

Aquela sexta-feira 23 de outubro começou nublada, mas a previsão era de sol. Eu já estava no Rio há alguns dias. Acordei por volta das 7h, tomei o café de manhã e fui com minha mãe direto para o Galeão.

Por volta das 9h30 o restante da minha família ia chegar e isto significava dizer meu pai, meu irmão, minha cunhada, meus dois sobrinhos, um primo que foi criado como um irmão conosco, a esposa dele, a sogra do meu irmão e mais alguns amigos.

Um engarrafamento perto do aeroporto foi o sinal de que o trânsito naquele dia seria complicado. Por que eu não levei isso em consideração logo de cara? Não sei. O fato é que, quando avistei minha família e minha mãe notou a ausência das crianças, eu até tive esperanças de que elas poderiam estar sentadas em algum lugar longe de nossas vistas, mas a apreensão dos dias anteriores voltou com força total.

O impensável havia realmente acontecido.

“A GOL não deixou as crianças embarcarem”, contou-me uma das madrinhas de minha sobrinha.

Eu não acreditei, juro que não acreditei.

Mas meu irmão me confirmou e o chão sumiu debaixo dos meus pés.

Como não desmaiei ou desabei no choro, ainda não sei também.

Apesar de acompanhados do pai, da mãe, do avô paterno, da avó materna, de outros parentes, madrinhas e amigos, João e Clara tiveram que ficar em Recife.

Sem a certidão de nascimento original ou autenticada, eles não embarcariam. Sem tempo hábil para pegar o documento antes de todos embarcarem, minha cunhada ficou com meus sobrinhos para viajar somente às 12h e o casamento estava marcado para às 17h!!!

Eu sabia que eles atrasariam, eu soube disso na hora.

Realmente parecia que tudo conspirava para que o casamento não acontecesse e que eu estava sendo estúpida em manter aquela idéia (de sair de Pernambuco para casar no Rio de Janeiro).

Tinha uma convicção quase plena de que uma tragédia estava por vir.

Não contei isso para ninguém.

Era mais uma das coisas que só conversei comigo mesma.

Tranquilizei meu irmão, minha mãe e os demais, no entanto.

Sim, eu pensei em cancelar tudo.

Estava decidida que, se eles não chegassem a tempo, o casamento iria ser cancelado.

Não, eu não compartilhei isso também com ninguém.

Guardei para mim com a mesma fé de que Deus não me abandonaria.

Mas só ele mesmo sabe como passei todas aquelas horas.

Praticamente não almocei.

Não fui a cabeleireiro, manicure, maquiadora.

Nada.

Minha cabeça não estava mais no Rio.

Estava em Recife.

Em duas crianças que amo como a dois filhos e que choraram por não ter embarcado com a família para o casamento que eles tanto queriam ver.

Quando as vans para levar os convidados que estavam hospedados no flat chegaram às 15h30, liberei uma delas para que Expedito, meu noivo, fosse para o Cristo com a família e alguns de nossos amigos.

Mas o avião com minha cunhada e meus sobrinhos ainda não havia chegado no Rio.

Monitorei pela internet o site da Infraero, que dizia que ele já estava no pátio. Tentei convencer a todos que podiam embarcar na outra van e ir, mas ninguém quis arredar o pé. Convenci meu irmão a liberar a van, dizendo que eu, ele, Patrícia e os meninos iríamos de táxi.

E enquanto ele descia para falar com todos e eu ficava sozinha naquele quarto, um desespero quase devastador tomou conta de mim.

Acho que nunca vou esquecer o som da porta fechando e do pânico que ameaçou me dominar de uma vez por todas.

Eram quatro horas da tarde quando minha cunhada atendeu o celular e disse que estavam pegando um táxi no Galeão para ir ao flat em Copacabana.

Ainda sozinha no quarto naquele momento e, aliviada, chorei como há muito tempo não fazia.
Quando meu irmão reapareceu para dizer que todos iam me esperar e me viu chorando, quase ele mesmo chora antes mesmo de saber o que estava acontecendo.

Felizmente, eles tinham chegado.

Graças a Deus!

Mas o trânsito no Rio, naquela sexta-feira, já estava mais que caótico.

O Cristo Redentor sumira dentro de uma nuvem que eu sabia já não mais iria embora.

Mas isso não mais me importava.

Todos estavam bem e a caminho.

Quase quarenta minutos depois, os três chegaram no flat.

Agradeci tanto minha cunhada e beijei tantos meus sobrinhos que, por mim, mandava chamar o noivo, os outros convidados e o padre para casar na Praia de Copacabana e não mais no Corcovado.

Como não era possível e não havia mais tempo pra nada, minha cunhada passou o meu batom favorito na minha boca (eu tremia demais para isso), botou uma sombra qualquer em mim e me liberou pra ir pra van. Depois arrumou as crianças e se arrumou.

Eram 17h quando saímos do flat. Hora na qual a cerimônia deveria estar começando. Com um trânsito bom, chegaríamos em 15... 20 minutos na estação do Cosme Velho.

Levamos duas horas.

A síndrome de pânico ameaçou me pegar novamente quando ficamos presos no Túnel Rebouças graças a um carro que se incendiara, mas, nervosa, e tentando mostrar um sentimento totalmente diferente, peguei meu celular que estava com alguém e comecei a buscar músicas de Elvis para ouvir.

Não consegui.

Minha mente estava ocupada demais com todas as preces que eu conhecia e com um sem número de promessas que precisei fazer.

Presos no Cristo Redentor com uma nuvem que atrapalhava o funcionamento correto do sinal dos celulares, Expedito, família e amigos tentavam se comunicar comigo com um telefone fixo da paróquia.

Conseguiram algumas vezes.

Na última, confirmaram que provavelmente o Trenzinho do Corcovado estaria fechado quando chegássemos lá.

E estava!

Até hoje imagino que, se tivéssemos contratado uma equipe para filmar, esta seria uma sequência de filme pastelão. Noiva, pais da noiva, padrinhos e convidados, todos arrumados correndo pelas ruas em busca da van que nos trouxera para subir o morro do Corcovado.

Em tese, tudo estaria resolvido, certo?

Errado.

Ainda faltava convencer o pessoal responsável pela liberação do público que sobe de carro até certo ponto que precisávamos subir até os pés da estátua.

Não conseguimos. E enquanto a van ficou no meio do caminho, meu irmão pagou para todos subirem nas vans do próprio consórcio que administra o transporte.

Burocracia, eu sei.

Mas vai dizer isso para uma noiva atrasada duas horas, atravessando a Floresta da Tijuca, já no escuro, em meio a uma imensa nuvem densa, em uma estrada totalmente sinuosa!

Lembram daquele medo de que uma tragédia aconteceria?

Pois é, ele voltou enquanto eu imaginava como iríamos descer com todo aquele cenário de filme de terror ao nosso redor.

Quando saímos do elevador que dá acesso às escadas rolantes do Cristo Redentor, estava tão nublado que eu sequer enxergava minha mão diante do meu rosto. Tentei ver alguma coisa por ali e, juro, achei que haviam mandado retirar os restaurantezinhos e lanchonetes daquele área, pois não os via.

Também não vi ninguém, a não ser o padre e Expedito quando, finalmente, cheguei em frente à entrada da pequena capela de Nossa Senhora Aparecida.

Como se tivesse passado por uma das maiores batalhas da minha vida, o alívio novamente me levou às lágrimas.

Até meu irmão chorou, mas isso eu só soube depois.

Estava ainda tão assustada e ao mesmo tempo tão feliz que foi como se meu corpo e minha alma tivessem se separado enquanto o padre nos abençoava e fazia todos os ritos do casamento. O corpo estava ali, mas a alma parecia entorpecida.

Mal ouvia o que ele falava.

Mal percebia que o fotógrafo, contratado e levado de Abreu e Lima para o Rio especialmente para registrar aquele momento, estava tentando nos guiar para fazer o serviço que, afinal, ele acabou fazendo com maestria.

Com aquela nuvem nos isolando do mundo lá fora, era como se estivéssemos em outra dimensão.

Onde nada mais podia dar errado. E, pensando bem agora, nada, de fato, deu errado.

Expedito me emocionou beijando as alianças como, acho, que ele jamais havia feito.

Era como se tudo o que havia acontecido tivesse sido mais uma forma de reafirmarmos para Deus que aquilo era realmente o que queríamos: ficar juntos, com a benção Dele.

Não foi fácil, mas nós conseguimos!

Ainda estava com o coração apertado na hora de descer o morro do Corcovado, fiz questão de ser a última a sair de lá para que ninguém fosse deixado para trás.

nuvem dominando o ambiente no Cristo Redentor

O que me fez lembrar de algo no qual eu havia esquecido completamente de pensar naquele dia: o bolo!

É, amigo (a) leitor (a), se você pensa que ele ficou imune a tanta confusão está completamente enganado (a)!

Até mesmo o bolo sofreu com as forças do mal que tentaram atrapalhar nossa felicidade.

Acreditem: o ar condicionado do carro onde ele estava sendo transportado não deu vencimento no meio do mesmo trânsito caótico.

Resultado: a cobertura dele desmoronou e precisou ser refeita. Levando-se em conta que era um bolo pintado, vocês imaginam o quanto foi até bom tudo ter atrasado ou chegaríamos no Zozô, o restaurante onde o jantar de casamento ocorreu, com a boleira literalmente com a mão na massa.

No restaurate Zozô, já no jantar pós-cerimônia

Mas quando todos me contaram o que havia acontecido, o pior já tinha passado e já era hora, literalmente, da festa!

E aproveita-la era preciso!

Ou vocês acham que eu não iria rir de tudo depois de tanto abacaxi descascado?

É, amigos, casar não é fácil.

Mas é inesquecível!

O nosso, então, ficará na memória de todos.

No dia seguinte, voltamos para tirar as fotos
que não conseguimos no dia mesmo do casamento.

Se você quiser ver as fotos, é só clicar aqui