Luiz Ruffato. Mamma, son tanto felice. Rio de Janeiro:
Record, 2005. (Tomo I da coleção Inferno Provisório.)
Resultado de um trabalho de 15 anos, os cinco volumes da
série Inferno Provisório estão agora à disposição dos admiradores desse
escritor de mil e um recursos. Ao primeiro título, o incrível Mamma, son tanto felice, seguem-se O mundo inimigo,
Vista parcial da noite,
O livro das impossibilidades e Domingos sem Deus.
O estilo de Ruffato é bem conhecido, desde Eles eram muitos cavalos, seu primeiro
livro, versando sobre a cidade de São Paulo, que lhe valeu o prêmio APCA. O
moço começou como todo escritor gostaria de ter começado. E no seu caso, foi um
prêmio merecido.
O primeiro livro dessa coleção deixa a gente em cócegas para
conhecer os que vêm depois. É bem significativo o trecho do poeta Jorge de Lima
que anuncia como uma epígrafe este romance/narrativa de abertura da série:
Também há as naus que não chegam
mesmo sem ter naufragado:
não porque nunca tivessem
quem as guiasse no mar
ou não tivessem velame
ou leme ou âncora ou vento
ou porque se embebedassem
ou rotas se despregassem,
mas simplesmente porque
já estavam podres no tronco
da árvore de que as tiraram.
Ruffato escreve como quem está vivendo os fatos. Arrasta o
leitor para o ambiente da história, cerca-o de seus cenários, e tudo se torna
tão real que a própria linguagem fica dispensada de maiores perfeccionismos.
Não que ele escreva mal, nada disso. Muito ao contrário: Ruffato domina a
linguagem de tal maneira que consegue se comunicar por meio de frases incompletas,
sinais fora de lugar, tipologias misturadas. Se no primeiro romance ele se
expressava de modo “fragmentário e frenético”, como se anuncia na orelha de Mamma, essa continua sendo sua
estratégia (muito eficaz) para arrastar o leitor e situá-lo no cerne das ações
de que trata o livro – ações e acontecimentos capazes de nos afetar como se
fôssemos nós mesmos personagens da trama.
E essa narrativa não-linear, tumultuada como a história que
(não) narra, mas apresenta os fatos por assim dizer ao vivo, é, mais que um texto, uma espécie de
epifania envolvendo o leitor. E quando, chegando ao fim do romance, ou seja lá como se
possa caracterizar esse livro sui-generis,
tem-se a ilusão de entrar enfim em uma narrativa dotada de sequencialidade, logo se
perceberá que não é bem isso o que acontece.