sábado, 2 de julho de 2011

84, CHARING CROSS. DIÁRIO DE BORDO: JAPÃO

Carlos Frederico Abreu

Vou fazer uma rápida introdução à viagem propriamente dita, falando sobre outra, que começou bem antes, lá por volta do ano de 1973, e que teve como ponto de partida um aparelho de televisão.

Permitam-me então fazer uma homenagem aos meus heróis de infância, responsáveis pela formação do meu imaginário e também meus companheiros de viagem.

Creio que meu fascínio pelo Japão começou ali, na frente da telinha.



Descobrir um lugar onde criaturas monstruosas (com zíper nas costas) destruíam toda uma cidade e que, a despeito das bombas, tiros e disparos de armas atômicas, estava de pé no dia-capítulo seguinte (uma nota de admiração aos engenheiros e arquitetos), cativou-me definitivamente.

Algo bem diferente da entediante vida de um menino do subúrbio do Rio (Méier), as voltas com a escola e as intermináveis lições de casa, e nascido durante os anos da ditadura militar.

O que poderia ser melhor do que conviver com o fantástico? Heróis do espaço (kyodai), armas laser, discos voadores e monstros gigantes (kaiju eiga), repletos de efeitos especiais (tokusatsu), filmes da Toho Pictures, Toei, de Inoshiro Honda, Eiji Tsuburaya... e ao final, o mundo sendo salvo, por maior que fosse a ameaça.

Sem esquecer as belas e enigmáticas mulheres, que pareciam esculpidas em marfim, com seus longos cabelos negros e lisos.


Aquele povo pálido e de olhos puxados é que era feliz!

E, no imaginário ocidental, é impossível ir ao Japão e na volta não ouvir a pergunta: "E as gueixas?"


Nós alimentamos uma idéia errada do papel da gueixa, muito por conta dos estereótipos do cinema.

Antigamente, (põe antigamente nisso) lá pelo shogunato Tokugawa (1603-1868), algumas mulheres eram treinadas desde cedo, para entreter os homens importantes, através do canto, da dança, da habilidade com determinado instrumento musical, ou apenas como uma companhia agradável à mesa, durante uma refeição ou celebração.

Para a sociedade, era uma prova de sua sofisticação, o auge.

Para as meninas, era uma chance de ascender, não só financeiramente. Estas mulheres, chamadas gueixas ('pessoa das artes'), com o tempo assumiram um papel maior na vida econômica e política do reino.

Passou-se a permitir então, que qualquer pessoa, independente da seu status, pudesse ter este prazer, daí a proliferação dos distritos de gueixas em cada cidade.

Tóquio chegou a ter mais de uma dúzia deles, verdadeiros bairros, com restaurantes e casas de show e bares, casas de banho e de massagem.

É claro que com o passar do tempo, mesmo os japoneses começaram a desvirtuar a idéia original, pois no antigo sistema, a gueixa não ia para a cama com os clientes.

(Para um estrangeiro, a colocação do laço do quimono diz tudo, já que o laço feito à frente, caracteriza uma prostituta vestida como uma gueixa.)

Aos poucos também as escolas de gueixas (okiya), verdadeiros quartéis, começaram a desaparecer. Aquelas que ainda existem, se limitam ao ensino da profissão, pois uma gueixa de verdade (com licença para ser gueixa) atualmente não se difere de qualquer outra profissão.

Escolhem este trabalho voluntariamente e se aposentam quando querem.

Além disso, existe a exploração da imagem da gueixa, como aquelas que atendem à domicilio (instant geisha), através de agências de contato. Basta pegar o telefone:

Um jantar com os amigos do trabalho... Precisa de duas gueixas? Estamos enviando. Com notinha ou sem ?

Outra diferença é que um gueixa licenciada, trabalha até os 60, 70 anos, enquanto que uma 'gueixa instantânea', com seus 20 anos de idade, vende além da ilusão, sua juventude.

E uma consideração final sobre as diferenças entre Brasil e Japão - país que, de tão único, é quase outro planeta:

Eu conversava, por ocasião de um café da manhã típico japonês, com uma senhorinha (obachan), que falava um pouco de português, sobre a variedade de elementos servidos, que eu praticamente desconhecia.

Já havia me chamado a atenção, que dentro do copo de chá, um chá bem ralo, que ela chamou de ‘chá chinês’, havia um pedacinho de casca de madeira, menor que uma unha do dedo mindinho e uma finíssima e quase transparente metade de uma fatia de limão.

Por que metade? Pois foi o que eu perguntei.

Sua resposta econômica levava em consideração eu ser um estrangeiro, e resignada por compreender que eu não sabia o básico, foi mais ou menos assim:

"Se inteira seria demais, se não tivesse, faria falta."