domingo, 17 de julho de 2011

SENHORA DO TEMPO

MENSAGEIROS, PORTADORES, CELULARES


Por Vera Guimarães






Acabei de comprar um iPhone. Digo isso sem um pingo de deslumbramento. E sem pretender ser blasée também. O sentimento que me domina é de uma ligeira contrariedade. Contrariedade por abandonar o meu celular, por ter que aprender coisas novas, por ter que gastar um tanto do meu tempo transferindo minha agenda para o novo aparelho, por saber que vou apanhar da nova tecnologia, por ... etc etc etc.
Não sou muito ligada em novidades tecnológicas. Por mim, o celular antigo estava ótimo. Bem, tenho que reconhecer que... em termos. Fora do Brasil, recentemente, ao passar de um país para outro, tive que acionar o serviço da operadora aqui no Brasil. Quando a moça perguntou o modelo do meu aparelho, houve aquele silencio e um “Ah... bem, vamos tentar o seguinte: a senhora...” Entendi, da mesma forma que, com o aparelho anterior ao penúltimo, entendi por que, viajando da minha cidade para Minas, ao transpor a fronteira entre os estados, o relógio sumia, meus dados desapareciam, a bateria se esgotava em segundos. Entendi e comprei outro. Entendi que, embora eu esteja satisfeita com a função faz/recebe ligações, a tecnologia que chega e se instala inutiliza e mata a anterior. Inspira, dona Vera, expira, inspira... e encaremos o novo.
Vários fatores da vida moderna exigem que dois velhinhos na casa dos setenta se mantenham conectados o tempo todo, razão por que estamos com celulares providos de serviço de mensagem, internet, até GPS. Nem sempre foi assim. Podíamos esperar. Por notícias boas. Por notícias ruins. Hoje é tudo em tempo real, documentado com fotos e vídeos.  
Na minha infância conheci a figura do portador. Portador era aquela pessoa que trazia uma encomenda, uma carta, um recado. Ele vinha das fazendas dos tios com uma peça de carne. Ele levava para uma das primas o vestido feito pela minha irmã. Ele nos entregava uma carta com notícias de longe. Vinham nas jardineiras, nas carroças, nas charretes, nos trens, às vezes eram os próprios motoristas ou cobradores de veículos como essa jardineira abaixo:

Entre os mensageiros mais famosos da história, sem falar em Hermes, o mensageiro dos deuses, assunto de Marli de Tolosa Blog da Maliu , destacam-se os Pony Express http://pt.wikipedia.org/wiki/Pony_Express . Consta que o serviço, atravessando a pradaria dos Estados Unidos do século XIX, era tão perigoso que os escolhidos deveriam ser, não apenas leves, para poderem galopar 16 km sem interrupção e sem matar o cavalo, mas também sozinhos, sem família que pudesse reclamar a eventual e bastante comum perda da vida deles.
Na minha cidade, de médio porte nas décadas de 1940/1950, havia os Correios, assim, com maiúscula, serviço decente e respeitado. A agência funcionava num prédio erguido para aquela finalidade, uma construção de dois pavimentos, em linhas modernas, instalações amplas e limpas. Era lá que eu ia buscar o jornal de domingo, dia em que ele não era distribuído nas casas. Era lá que eu, menina de recados, ia postar cartas das irmãs e meus cartões de boas festas nos fins de ano.
Trocávamos cartas, que os Correios levavam para lá e traziam para cá. E faziam isso de forma rápida, barata e confiável. Certamente uma exceção que confirma a regra, no caso a regra da confiabilidade, havia uma funcionária numa cidadezinha perto da nossa, onde tínhamos parentes, que sistematicamente abria a correspondência antes do destinatário, tornando-se leitora privilegiada de nossas mensagens e eventuais segredos.   
Na década de 1960 mantive um namoro por cartas por cima do oceano Atlântico. Vendo os atuais preços do serviço dito expresso e os inúmeros relatos de atrasos e perdas de encomendas, custo a acreditar que naquele tempo nossas cartas cruzavam o mar em dois, três dias.
Relembremos, pois, a magia das cartas, na voz de Isaurinha Garcia:
http://www.youtube.com/watch?v=peA5LzKIDJw
Por essa época, telefonar era algo impensável. Nem em casas ricas tinha telefone. Em algumas fazendas próximas à cidade havia um serviço precário de telecomunicação. O que existia mesmo era um posto telefônico, uma construção com uma sala de espera, cabines com telefones fixos na parede, balcão de atendimento, lá dentro a central telefônica, com mesas enormes, cheias de fios. Somente em casos de urgência urgentíssima utilizava-se esse serviço. Se algum parente nos chamasse, seguia-se este roteiro: a ligação caia na central, a telefonista anotava nosso nome e endereço, marcava com quem chamou uma determinada hora para ela ligar de volta, acionava-se um mensageiro, ele ia à nossa casa, íamos à central, a telefonista começava a série de tentativas para nos conectar, aí quando quem queria falar conosco estivesse na linha a telefonista nos mandava para uma das cabines e nos passava a ligação. Que nem sempre se completava. Ou se se completava, o som era péssimo, muita estática, e tínhamos que gritar. 
Adeus, privacidade!
Em meados da década 1950 foi criada a telefônica da cidade, iniciativa de industriais e comerciantes locais, que faziam de casa em casa o trabalho de convencimento de possíveis acionistas. Minha mãe, mesmo que não tivesse recursos para algo supostamente supérfluo, era progressista e aderiu prontamente à iniciativa modernizante.
Eu me deslumbrei com esse telefone em casa, confesso. Ligar para amigas, paquerar, passar trote (céus, que coisa mais brega!, ainda bem que nunca fui boa nisso e logo desisti), pedir música na Rádio Cultura..., muita novidade e pouca utilidade numa cidade em que tudo se alcançava a pé.
Até que chegaram os celulares. Agora nos ligamos a todas as pessoas, informamos nossos passos, sabemos do roteiro de todo mundo, agendamos nossa vida, conversamos por telefone até com quem está perto de nós. Vários enredos de romances, contos e novelas que dependiam de carta e portador hoje não funcionariam.
E veio a internet. Estamos agora a um clique do inimaginável. Alcançamos qualquer pessoa a qualquer hora. Mas temos que correr atrás das inovações. Ou esperar inutilmente por resposta de minhas netas a meus e-mails. Descubro depois que elas nem mais olham a caixa de entrada do provedor. Estão no twitter, no facebook, no Messenger. “E-mail é coisa de velho, vó!”