quarta-feira, 20 de julho de 2011

84 CHARING CROSS - DIÁRIO DE BORDO: PARIS, MAIS QUE UMA CIDADE, É UM ESTADO DE ESPÍRITO

Gisela Deschamps

Sempre que falo que morei muitos anos em Paris a reação das pessoas é a mesma “Puxa! Que sorte a sua!” ou “Nossa! Que inveja!”.

Paris, a conhecida ou a imaginada, provoca esse tipo de reação.

Paris é como uma mulher maravilhosa numa capa de revista: os homens podem desejá-la, as mulheres podem invejá-la, mas ninguém ficará indiferente a ela.

A primeira vez que fui a Paris era muito criança. Mais tarde voltei com 18 anos e ai ela já era a cidade que enfeitiça.

Só que eu ainda era muito jovem para sair dos lugares-comuns de visitação – Torre Eiffel, Place de la Concorde, Champs-Elysées, Arco do Triunfo, Notre Dame, Sacre Coeur, etc. - para explorar os cantinhos, para aproveitar toda história que cada esquina que Paris tem para contar.

O ponto alto dessa minha visita, aquele que ficou marcado para sempre em minha memória, foi um concerto na catedral de Notre Dame.

O órgão da catedral é do século XIV com 32 tubos é maravilhoso e por si só valeria conhecer a catedral que, claro, tem muito, muito mais a mostrar.

O concerto era de órgão e coro e foi sobre uma obra de Lizt. A catedral estava lotada e eu fiquei encostada a uma das pilastras curtindo cada nota, cada movimento. O cheiro da igreja, o silêncio de quase reverência da platéia e de repente eu quase podia ver Napoleão Bonaparte entrando pela nave, se dirigindo ao altar para ser coroado (o que acabou sendo com ele mesmo se coroando, mas isso é outra história).

Naquele tempo jamais imaginaria que dali alguns anos teria Paris como cidade vizinha, praticamente meu endereço.

Morei no subúrbio parisiense, conhecido como “banlieue parisienne”, mas trabalhava em Paris e também ia para lá praticamente todos os fins de semana a passeio e, foi assim que comecei a conhecer a “outra” Paris, aquela que não consta nos guias de viagens mas que nem por isso é menos sedutora. Acho que posso dizer que existe uma Paris para os dias de sol e outra para os de chuva.

A Paris sem chuva deve ser percorrida a pé. Não importa a distância, não importa o que você tenha planejado visitar vá a pé. Ou se você estiver hospedado no subúrbio ou num bairro muito distante do centro, tome o metro e desça na estação Concorde e a partir dai toda Paris está à sua frente.

Saindo da estação Concorde em direção a Rue de Rivoli sempre amei passear sob os arcos desta rua. Ali estão galerias de arte, lojas de antiguidades, cafés e o salão de chá Angelina, com seus doces divinos!
O Louvre e o Jardim de Tulleries estão do outro lado da rua; a linda estátua de Joana D´Arc na place des Pyramides na esquina das ruas Rivoli e Pyramide.

Caminhar às margens do Sena é uma delicia. As diversas barraquinhas verdes que são sebos ao ar livre vendendo todos os tipos de livros, mapas antigos, revistas e discos de vinil.

Surpreendentemente do outro lado da rua temos lojas que vendem animais vivos – cachorros, gatos e também coelhos, galinhas e até patos, e floriculturas.

Um dos meus lugares favoritos em Paris é a Place des Voges. A praça em si não é muito interessante, uma praça quadrada com árvores, tanques de areia para crianças brincarem e bancos. Mas o entorno da praça são prédios antigos e ao nível das calçadas são arcos (acho que deu para perceber que gosto de arcos). Sob esses arcos se encontram lojas, cafés, restaurantes. Mesas espalhadas ali sob os arcos e quase sempre um músico tocando harpa.
 

A Place de Vosges era um lugar de reunião dos revolucionários na época da Revolução Francesa.   Ali, no número 6, ainda está a casa do famoso escritor Vitor Hugo.


Todo o bairro ao redor da Place des Vosges é hoje muito freqüentado. É o famoso Marais. Com um pouco de sorte você cruza celebridades que tem apartamento por ali.

Um local não tão visitado mas muito interessante é a Conciergerie, também às margens do Sena.  A Conciergerie é o vestígio principal do antigo Palácio da Cidade, que foi residência e sede do poder real francês do século X ao século XIV. Foi convertido em prisão do Estado em 1392, após o abandono do palácio por Carlos V e seus sucessores.



Ali ficavam os prisioneiros que seriam executados na Place de la Concorde e até hoje é possível visitar a cela onde ficou presa Maria Antonieta, que, por ironia do destino, ficava exatamente em frente à aquela de seu maior inimigo (um pequeno jardim separa as celas) – Robespierre.

Montmartre é outra cidade dentro de Paris. Tem que ser percorrida calmamente, subindo e descendo as inúmeras escadarias. Entrar por dentro de ruelas e descobrir cafés antigos onde Toulouse-Lautrec ou Dégas com certeza se sentaram.

Claro, é obrigatório, visitar a Basílica de Sacre-Coeur e a Place du Tertre com seus pintores e retratistas.
Uma vez tínhamos ido jantar com amigos em Paris e ao sairmos da casa deles começava a nevar. Aquela neve fininha. Em vez de irmos para casa resolvemos subir até Montmartre e a visão de Paris lá do alto, começando a ficar com os telhados todos branquinhos pela neve, foi uma das coisas mais lindas que já vi.
Para sentir-se um verdadeiro habitante é preciso comprar um sanduíche de queijo na baguette, uma garrafinha de vinho e se sentar para comer num banco de jardim.

O parisiense come na rua numa boa. Não é difícil ver as pessoas sentadas à beira do Sena almoçando um lanche que compraram num bar ou até que trouxeram de casa.

Agora se você quiser curtir um verdadeiro piquenique francês compre pães, queijos, frios, frutas, água e vinho (francês pouco toma refrigerante) e vá para o jardim de Luxemburgo ou o jardim de Bagatelle.
Eu gosto mais de Bagatelle, mas ele é mais fora de mão. 


Situado no Bois de Boulogne, o parque possui 24 hectares e foi construído em 1777 pelo Conde d’Artois, irmão do rei Louis XVI. São 24 hectares de jardins com coleções famosas de rosas, com lagos, quiosques, hortas, um castelo e um trianon. Todos os anos, no mês de junho, o parque promove um concurso internacional de rosas.

Um piquenique á beira do lago e você se sentirá um verdadeiro parisiense.

Outro lugar pouco conhecido dos turistas é o restaurante Le Procope. Ele não é importante como restaurante em si, mas pelo que representa.


Fundado em 1686 por um italiano, Francesco Procópio na hoje Rue de L´Ancienne Comédie, o restaurante era a principio um café. Hoje considerado o mais antigo café da Europa.

Em suas mesmas se sentaram La Fontaine, Voltaire, Rousseau, Balzac, Vitor Hugo e tantos outros.
No século XVIII era lugar de reunião de Robespierre, Dantos e Marat.  (Nesta casa Marat imprimia, em 1792 o jornal revolucionário “L´ami du peuple” (O amigo do povo).


Dizem que Napoleão deixava seu chapéu em garantia quando saia do restaurante em busca de dinheiro para pagar sua conta.

Ainda está lá a mesa onde Voltaire trabalhava escrevendo seus livros, testemunha da história; e as paredes do restaurante são cobertas de frases de personagens famosos da história que por lá passaram.

Se você quiser pode apenas tomar um café no térreo e visitar o restaurante sem consumir, mas se quiser comer lá terá direito a uma refeição maravilhosa, ainda que um pouco cara.

Para mim é impossível falar de Paris em poucas palavras.

Paris tem que ser vista, ouvida, cheirada e porque não, saboreada.

E, cruzando toda ela, o rio Sena corre tranqüilo refletindo em suas águas e dividindo ao meio uma cidade que representa em cada detalhe um pouco da história de toda humanidade.