On line somos seres diferentes de pessoas
materializadas, com cheiros e cores captáveis pelos sentidos. On line somos
talvez seres perfeitos, lisinhos, animados por movimentos seguros. On line
ninguém chora lágrimas nem ri alegrias genuínas – salvo talvez entre pessoas
que se conheçam fora da relação virtual. On line – e talvez aí resida a maior
força de atração dos chats e grupos da internet – se está protegido de
discriminações, julgamentos e desconfianças baseadas em traços, expressões,
diferenças suspeitas, olhares capciosos. Aqui vale tudo que não seja uma
carícia de leve no rosto ou um aperto de mãos.
Estou falando, é claro, de convivências, trocas
humanas envolvendo emoções; não de produção literária ou de criação, que
pertencem a outro departamento.
Não é só a distância que nos protege assim da
malícia ou da antipatia que atingem aqueles que se expõem fisicamente a céu
aberto, aura diante de aura, temores e sentimentos dando sinais pelo olhar,
pela boca, pelos gestos. É outro relacionamento, outra sociedade, outro tempo
distinto do real. Somos seres outros que não a gente velha de guerra. Estamos
enquistados em solidões compartilhadas, compartimentadas por conjuntos de
máquinas distantes quilômetros entre si. Somos, quando muito, ficções que se
comunicam. Duplas ficções em dose no mínimo dupla, porque eu me idealizo e
idealizo você daqui, diante de meu teclado, e você me idealiza e por seu lado
se percebe e se posiciona diante de mim, lendo no monitor os grafos que
substituem minha voz e engolem minhas inflexões, entonações, as modulações de
minha fala.
Enganadora companhia, a que fazemos e nos
fazem. Amena, talvez, pode ser a troca de palavras digitadas,
bem-intencionadas, gentis, animadas por um impulso de carinho ou simpatia.
Talvez – porque condicionados ao convívio de amizades e amores reais – possamos
ter palavras realmente encantadoras, prestativas, oportunas e bem-educadas.
Chegadas no tempo certo, essas palavras em duas dimensões surtem o efeito
benéfico possível sobre uma angústia ou sobre a tristeza do momento, como uma
lanterna de pilha quebra o galho na hora do apagão. E como "tudo vale a
pena quando a alma não é pequena", essas lanternas podem algumas vezes,
até, salvar alguém da escuridão do desespero.
É pouco no entanto para o coração. Ele precisa
mesmo é de mão amiga no ombro, calor de abraço ao vivo, coisas ditas cara a
cara. Sem mencionar que se podem contar nos dedos as vezes em que essas
mensagens, mesmo as melhores, chegam na hora certa.