quarta-feira, 23 de março de 2011

PINDORAMA 10° 0' 0" S / 55° 0' 0" W. RECIFE

Por Telinha Cavalcanti


Foto: Google Images /
protopias.blogspot.com
Ai que saudade tenho do Recife
(Antonio Maria, Frevo no. 2)


Eu sou pernambuoca. Recife é minha cidade. O Rio de Janeiro é minha cidade. Mas o meu Recife, o meu, o do meu coração, para onde anseio voltar, não existe mais: é o de dez, quinze anos atrás.

Recife é uma cidade dividida pelo rio Capibaribe, com um pé em cada margem: metade tradicional, orgulhosa das origens, metade achando que o Capibaribe é Tâmisa, que a ilha é Manhattan. Se não amasse tanto minha terra, meu sotaque que já perco, diria que é uma terra meio esquizofrênica.

Um conhecido tinha uma banda de rock que só cantava em inglês. Vestia preto, ouvia bandas obscuras. Não deu certo e ele descambou pro extremo oposto: fez uma banda neo-pé-no-chão-old-maracatu. Passou a usar sandália de couro, a ouvir bandas de pífano e a frequentar rodas de ciranda.

O provincialismo da minha cidade só é visto de longe. O que está na cara é a decadência do centro da cidade, os ônibus nos corredores exclusivos, os casarões aos pedaços, os pedaços das livrarias, das escolas que viraram shoppings, dos cinemas que viraram igrejas evangélicas. O seu machismo inerente, o velho ditado que diz que pernambucano só conhece duas datas: quando nasce e quando se muda para São Paulo.

A oficina de Brennand, que eleva nosso olhar, tira nosso fôlego, enche nossa mente de deuses, deusas, ovos, mundos, a criação do mundo em fogo e sexo. 
Rio Capibaribe, que corta a cidade de Recife
Crédito: klickeducacao.com.br
A pracinha do Poço da Panela, quase nada, quase cidade do interior. 

O povo generoso, criativo, desenrolado. As tradições que seguem nos DNAs das famílias: "minha filha, quando a gente tem visita em casa, o melhor é para ela; a visita dorme na cama, a gente dorme no chão". O acolhimento. O sol do meio dia no caminho feito e refeito, tão mudado, eu, tão mudada também. 

Ao mesmo tempo em que a gente vai comer tapioca, pegar o barco para ver as esculturas no marco zero, ver as esculturas do Circuito da Poesia e tirar fotos com Antonio Maria, Clarice Lispector, Luiz Gonzaga, tem o pólo de informática que mais cresce no Brasil, tem restaurante chique, tem torres gêmeas na beira do rio e gerações que comem sarapatel e arrotam bagel.

O trânsito que é infernal, a violência que aumenta, o crack destruindo vidas, as mocinhas de família saindo nas colunas sociais, os casamentos cheios de pompa e circunstância nas igrejas centenárias, a miséria do lado do luxo: a ponte que une o Recife ao Rio, tão diferente daquela que eu queria que existisse para poder visitar minha mãe, pedir a bênção, ganhar um cafuné e voltar para casa, pro marido e pros gatos aqui na Tijuca.
Tapioca de queijo e coco
Crédito: streetsmartbrazil.com

Quanto tempo mais voltarei lá procurando os fantasmas de quem eu amei? Não tem mais Livro 7, tem Livraria Cultura, que é linda, imensa, caríssima e não é acolhedora como a velha loja do Tarcísio. O Croissant Dourado, perto de minha casa, fechou tem mais de dez anos e ninguém mais lembra que existiu. Você vai no Pina, e, em vez da Soparia de Roger, criadouro dos caranguejos do manguebit, tem a Pin´Up, lanchonete anos 50.

O maltado do Recife Antigo fechou. Quem tomou o leite com sorvete e malte, que vinha do tempo dos zepelins, tomou, quem não tomou não chora porque tem frozen yogurt no shopping. 

A cidade que eu amo é como aquela moça da música de Chico Buarque: quem não a conhece não pode mais ver prá crer, quem jamais esquece não pode reconhecer.