quinta-feira, 3 de março de 2011

SANDRO

Por Fal Azevedo



Ele odeia a mãe dele. 
Odeia. 
Descobriu isso há muito tempo e, claro, não contou a ninguém. 
A velhinha cheira a pomada e a malhas de lã – sim, malhas de lã têm um cheiro. 
Ele odeia a velha, seu sotaque e seu cabelo amarelado. 
Pensando bem, do cabelo amarelado ele tem nojo. 
Odeia suas certezas, sua fragilidade. 
Ele odeia cada centímetro quadrado daquele maldita velha. 
A velha não mora com ele, graças a Deus, a velha tem a sua própria casa. 
Uma vez por mês, Sandro a leva ao mercado e empurra seu carrinho, aguenta seus comentários imbecis – a velha tem opinião sobre tudo – e paga suas compras. 
A velha compra coisas que os velhos adoram comprar, aveia, ameixa, alface americana e geléia real, e fala sozinha com os pacotes na mão. Sandro tem fantasias de acertar a cabeça dela com latas de ervilhas. 
No final, ele embala e paga as compras, bota tudo no carro, leva a velha para casa. 
Descarrega as compras, mas não a ajuda a guardá-las, a velha não gosta porque a velha tem um “método” – a velha tem muitos “métodos” e Sandro odeia cada um deles tanto quanto odeia a velha. 
Depois da visita mensal à velha, Sandro quase se esquece dela, quase esquece seu ódio e seu mal-estar, quase, porque eles estão ali em algum lugar. 
E, mês que vem, ele vai precisar deles.