domingo, 20 de março de 2011

SENHORA DO TEMPO



MEU CINEMA PARADISO

por Sonja Faria Rosa (cinéfila)



Assisti meu primeiro filme aos 6 anos. Foi "O Balão Vermelho" de Albert Lamorisse (Fr, 1956) um filme difícil de esquecer; minha irmã chorava quando o balão ia embora e sempre tenho comigo essa lembrança. Assisti por duas vezes consecutivas. 





Os filmes aos domingos tinham sessões às 13, 15, 18 e 20 hs (nessa sessão só entravam os pais ou maiores de 14 anos).
Meu avô era o dono do cinema em nossa pequena cidade no interior de Minas e eu podia assistir o filme quantas vezes quisesse e a partir dos 8 ou 9 anos ia ao cinema todo dia.
Às vezes não podia entrar.
Nas quartas feiras tinham uns filmes proibidos ate 21 anos, sessão só para homens, e geralmente eram filmes franceses. Vi-os muito mais tarde e nunca entendi a proibição para 21 anos, coisa que nem existe mais. Filme francês era sinônimo de filme imoral.

O cinema foi a diversão preferida nos domingos bucólicos que tínhamos. Era um acontecimento para o qual nos programávamos durante a semana para saber que roupas usar, com quem ir.
O cinema tinha um caderno com a programação de muitos meses já pronta e eu me sentia importante por saber de antemão que filme iria passar. Quando tinha 10 anos comecei anotar os filmes que assisti e o faço até hoje.
Esse hábito em si é um filme na minha memória pois vez por outra, quando passo os olhos por eles, posso me lembrar de fatos relacionados àquele dia.
Sempre tive uma fantástica memória. Mas, ultimamente, ela começou a falhar. Não posso reclamar.

Quando adolescente o projecionista cortava pedacinhos dos fotogramas para que eu os colecionasse. Antigamente os filmes eram exibidos em várias cidades , ficavam gastos e sempre acontecia que arrebentavam durante a projeção. Então as luzes se acendiam e o filme era então remendado com fita durex. Com isso muitos fotogramas iam para o lixo.
Eu tinha uma caixa cheia deles e quando vi o filme Cinema Paradiso nao pude deixar de me identificar com todas aquelas memórias. Não sei se ainda existem pois quando vim morar em Londres deixei tudo pra trás e comigo só vieram as lembranças e os cadernos.

Tinhamos os porteiros/lanterninhas que davam uma garibada (como se dizia) para ver se não tinha nenhum namoro escandaloso. Quem quisesse namorar mais a vontade ia assistir ao filme lá em cima (sendo essa a parte de cima do cinema) e imagino que quem via o filme lá precisava voltar em outro dia para realmente ver o filme.

Numa cidade sem quase nenhum recurso, cinema era aonde podíamos deixar a imaginação correr solta e voar para todos àqueles mundos que ali se nos apresentavam. Quando no colégio (de freiras) as alunas se reuniam para ir assistir a algum filme histórico tipo Ben-Hur, Os 10 Mandamentos, levávamos lanche, guaraná, biscoitos para serem comidos no intervalo que o filme tinha. Essas coisas são inimagináveis hoje em dia.

Quando chegou o primeiro James Bond (O Satânico Dr.No) em agosto de 1964 eu já o aguardava ansiosa. Tinha lido no JB sobre Sean Connery e estava louca pra ver o filme. Fui assisti-lo na sessão das 15 horas. Foi a minha sorte.
Alguém também assistira ao filme e achou a saída do mar da Ursula Andress muito indecorosa para menores de 18 anos e na sessão das 18horas lá estava o Juiz de Menores não deixando entrar ninguém sem mostrar a idade. Não me lembro o que apresentavam pois naquele tempo não era comum ter carteira de identidade. Acho que o Juiz escolhia pelo faro.

Meu avô tinha uma cachorrinha que sempre o acompanhava ao cinema. Ele sentava na ultima cadeira e ela, a Duquinha, ficava comportadíssima ao lado dele, no corredor, e durante o filme todo nunca me consta que tenha latido. Um dia um policia desavisado quis proibi-lo de entrar com ela no cinema e ele simplesmente disse que se fosse o caso fechava o cinema e passava o filme só para ela.

Nos anos 50 passou por lá alguém vendendo um portão de ferro fundido feito na França que, então, foi incorporado ao prédio e era por onde saíamos do cinema. Muitos anos depois meu pai me contou que o portão tinha sido roubado da Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro.
Não consigo imaginar aquele portão imenso sendo surrupiado. Nas costas?

Meu avô morreu e não demorou muito para o cinema também acabar. Virou uma igreja evangélica como em muitas cidades pequenas.
Já não temos mais cinema. Livrarias acho que nunca tivemos, Biblioteca acho que ainda existe.
Numa era de informações a jato essas lembranças parecem fazer parte de outro tempo, outra vida. E eram mesmo outros os tempos. Tenho saudades dele.
Hoje em dia os sonhos são outros mas a magia igual à que vivíamos, nunca mais.

filme Cinema Paradiso




O Satânico Doutro No