por Egídio La Pasta, Jr
Eu sei que
eu não deveria, mas eu tenho essa certeza desde muito tempo. Eu nunca tive
outra sensação quando eu penso em nós dois. Por isso, mesmo superado e
justificado (ainda que eu sinceramente não precisasse de nenhuma explicação),
aquele momento me deu material para pensar e certamente, te escrever. Nos
escrever. Então acho que essa é, de fato, a primeira vez que eu tento falar com
você e não consigo. Não é aquela situação de ‘me liga daqui a pouco’ ou deixar
um recado na secretária, respondido minutos depois. É essa sensação desértica
de não saber. Deixar um recado sem retorno. Olhando o relógio. O celular.
Sorrir desejando secretamente que o telefone toque. Que essa sede de retorno
seja saciada. Sede de retorno. Acho na pior das hipóteses, que isso ainda me
define. Feito aquele cara que não saiu da escola, na expectativa crucial de saber
e ou confirmar que ele também é querido. De que ele também.
Do que é
mais comum, me passou pela cabeça compromisso, trabalho, reunião, cinema, um
cochilo, namoro. Depois – essa cidade e também o meu trabalho me encaminham
para o trágico – assalto, hospital, sequestro, acidente. E lá longe, bem
distante do todo e da razão, reconheço, logo após o final do fim, o descaso. A
mais improvável é também a que mais aflige. Eu sempre fui o drama divertido.
Aquele que anuncia que seria melhor se a gente desatasse os nós. Que ensaia as
despedidas criteriosamente quando escolhe as palavras, a atmosfera do adeus.
Que analisa que a vida distante seria mais produtiva, mais saudável, mais bem
vivida. Balela.
Talvez
insistir nesse tema seja apenas uma maneira de te dizer o quanto eu não quero
nada disso. Ou tentar me preparar para um adeus que eu jamais saberia encarar
na vida real. Por essa razão a cena. A lente de aumento. Essa revisita ao tema.
Para que você me pegasse pelo braço um dia e me sacudisse com um ‘porra,
esquece isso’. Para que ao ler, eu percebesse o quanto é improvável essa
fixação no adeus. Que isso não passa de apenas uma carta, um esboço, uma idéia
torta, fixa e que jamais se cumprirá.
Teu silêncio
durou dois dias. E eu perdi um tanto do que me guiava até então. Aquela
certeza. Aquela sensação de segurança. De me saber no mundo com você ao meu
alcance. Minha deliciosa banalidade de poder qualquer comentário. Minha
urgência de qualquer hora do dia, da noite, da madrugada, para qualquer
desabafo, qualquer conversa, qualquer coisa. Diante do espelho, a primeira vez
que não houve reflexo de volta. E eu não soube o que fazer. Como se tivessem
apagado a luz do mundo. Como se a cidade ecoasse a minha nítida apatia diante
de uma sensação inédita. Confusa. Nublada. Aquele planeta do filme que a gente
não terminou de assistir e que ainda assim, atingiu a Terra. Há esses acidentes
irrefreáveis. Independentes.
Quando eu
anestesiei a insistência da curiosidade. Quando eu consegui driblar a
ansiedade. Domar a desatenção descuidada. Mascarar o susto de não saber como
agir. Recuperar a cadência do cotidiano. Você me liga. Para saber. E me dizer.
E eu compreendo. Respiro aliviado. Ouço dos teus dias. E desligo sem conclusão.
Feliz. Orgulhoso de saber que ainda sou capaz de ser quem eu sempre achei que
eu era. Mas orgulhoso também em reconhecer que eu seria capaz de superar essa
melancolia do não saber. Não ter mais. Talvez eu enlouquecesse um pouco mais.
Talvez eu mantivesse as coisas em ordem. Talvez eu compreendesse que você,
enfim, atendeu todas as minhas cartas em vão. Fez sua saída do jeito que eu
sempre previ, anunciei, secretamente desejei.
Na ironia
covarde dos dias, de repente é no momento em que eu percebo que eu quero que
você fique, que a porta bata forte sem possibilidade de retorno. Talvez eu
escreva parágrafos de possibilidades que jamais se cumprirão.
Eu te
agradeço por não ter acreditado em mim.
E por
conseguir mover essas placas óbvias.
Por ainda
conseguir.
Não quero
mais o poema do adeus.