quarta-feira, 2 de maio de 2012

LANTERNA MÁGICA - OS EFEITOS DE MELANCOLIA, AINDA

por Egídio La Pasta, Jr


Eu sei que eu não deveria, mas eu tenho essa certeza desde muito tempo. Eu nunca tive outra sensação quando eu penso em nós dois. Por isso, mesmo superado e justificado (ainda que eu sinceramente não precisasse de nenhuma explicação), aquele momento me deu material para pensar e certamente, te escrever. Nos escrever. Então acho que essa é, de fato, a primeira vez que eu tento falar com você e não consigo. Não é aquela situação de ‘me liga daqui a pouco’ ou deixar um recado na secretária, respondido minutos depois. É essa sensação desértica de não saber. Deixar um recado sem retorno. Olhando o relógio. O celular. Sorrir desejando secretamente que o telefone toque. Que essa sede de retorno seja saciada. Sede de retorno. Acho na pior das hipóteses, que isso ainda me define. Feito aquele cara que não saiu da escola, na expectativa crucial de saber e ou confirmar que ele também é querido. De que ele também.

Do que é mais comum, me passou pela cabeça compromisso, trabalho, reunião, cinema, um cochilo, namoro. Depois – essa cidade e também o meu trabalho me encaminham para o trágico – assalto, hospital, sequestro, acidente. E lá longe, bem distante do todo e da razão, reconheço, logo após o final do fim, o descaso. A mais improvável é também a que mais aflige. Eu sempre fui o drama divertido. Aquele que anuncia que seria melhor se a gente desatasse os nós. Que ensaia as despedidas criteriosamente quando escolhe as palavras, a atmosfera do adeus. Que analisa que a vida distante seria mais produtiva, mais saudável, mais bem vivida. Balela.

Talvez insistir nesse tema seja apenas uma maneira de te dizer o quanto eu não quero nada disso. Ou tentar me preparar para um adeus que eu jamais saberia encarar na vida real. Por essa razão a cena. A lente de aumento. Essa revisita ao tema. Para que você me pegasse pelo braço um dia e me sacudisse com um ‘porra, esquece isso’. Para que ao ler, eu percebesse o quanto é improvável essa fixação no adeus. Que isso não passa de apenas uma carta, um esboço, uma idéia torta, fixa e que jamais se cumprirá.

Teu silêncio durou dois dias. E eu perdi um tanto do que me guiava até então. Aquela certeza. Aquela sensação de segurança. De me saber no mundo com você ao meu alcance. Minha deliciosa banalidade de poder qualquer comentário. Minha urgência de qualquer hora do dia, da noite, da madrugada, para qualquer desabafo, qualquer conversa, qualquer coisa. Diante do espelho, a primeira vez que não houve reflexo de volta. E eu não soube o que fazer. Como se tivessem apagado a luz do mundo. Como se a cidade ecoasse a minha nítida apatia diante de uma sensação inédita. Confusa. Nublada. Aquele planeta do filme que a gente não terminou de assistir e que ainda assim, atingiu a Terra. Há esses acidentes irrefreáveis. Independentes.

Quando eu anestesiei a insistência da curiosidade. Quando eu consegui driblar a ansiedade. Domar a desatenção descuidada. Mascarar o susto de não saber como agir. Recuperar a cadência do cotidiano. Você me liga. Para saber. E me dizer. E eu compreendo. Respiro aliviado. Ouço dos teus dias. E desligo sem conclusão. Feliz. Orgulhoso de saber que ainda sou capaz de ser quem eu sempre achei que eu era. Mas orgulhoso também em reconhecer que eu seria capaz de superar essa melancolia do não saber. Não ter mais. Talvez eu enlouquecesse um pouco mais. Talvez eu mantivesse as coisas em ordem. Talvez eu compreendesse que você, enfim, atendeu todas as minhas cartas em vão. Fez sua saída do jeito que eu sempre previ, anunciei, secretamente desejei. 

Na ironia covarde dos dias, de repente é no momento em que eu percebo que eu quero que você fique, que a porta bata forte sem possibilidade de retorno. Talvez eu escreva parágrafos de possibilidades que jamais se cumprirão.

Eu te agradeço por não ter acreditado em mim.
E por conseguir mover essas placas óbvias.
Por ainda conseguir.
Não quero mais o poema do adeus.