sexta-feira, 15 de abril de 2011

MÚSICA DAS DORES DA QUARESMA

Por Fernando Niman


Eu acho que o que difere uma sociedade de outra é justamente a cultura e a tradição. Isto reflete em tudo, principalmente no que você vive hoje. Você perde os parâmetros e os referenciais quando coloca em segundo plano sua cultura e sua tradição.

Veja em São João Del Rey, cidade de Minas Gerais, como mantém todos seus símbolos, principalmente nesta ocasião de Quaresma.

No domingo passado fomos a missa em Baependi e, uma pessoa , que sofre de alguma deficiência ,  fazia o que tradicionalmente é atribuição destas pessoas em cidade do interior, distribuía num espaço adjacente à igreja as cadeiras de plástico para que todos tivessem assento. Em Caxambu é muito comum você ver que quem carrega as velas, em procissão, são pessoas muito humildes . A tradição de São João Del Rey reza que o Pálio do lado direito, a maior honra que alguém pode receber durante a procissão, é carregado pela família Tancredo Neves. Hoje, quem o carrega é o Aécio Neves. É o mesmo pálio, ao lado do padre, que durante anos é carregado pela mesma família. São médicos, advogados, enfim, a sociedade faz parte disto.

Então o que faz a cultura? Pegue o nível médio de cultura de uma Sãojoanense hoje e compare com o nível médio de um caxambuense, se é que ainda existe caxambuense morando nesta cidade. Todos já puxaram o carro. A tradição altera até economicamente os rumos de uma sociedade.

São Lourenço não tem o costume de comemorar a quaresma, não tem suas músicas. O Padre Henrique as está importando de Lambari. É uma cidade mais ao estilo do Rio de Janeiro.

Mas vamos à liturgia da Semana Santa. Este domingo é o de Ramos, quando palmeiras são distribuídas entre os fiéis . Na segunda-feira , aqui em Caxambu, temos a Procissão do Depósito, que significa a prisão de Cristo. É quando a imagem de Cristo sai para ser posta um uma Igreja diferente daquela onde está a imagem de Maria. É uma procissão que antecede a do Encontro. Então as imagens precisam ser separadas para que , posteriormente, aconteça o encontro. Neste caso duas procissões partem de Igrejas diferentes e Maria e Cristo se encontram.

A procissão do Depósito é realizada em Caxambu e , se não me engano, em Ouro Preto também. Em São João Del Rey já são três procissões: a do Cristo e a de Nossa Senhora que vão para outro lugar e a terceira que é a Procissão do Encontro.

A Música tocada durante a procissão do depósito é o Pater Mi. Quando Cristo fala para o pai dele que, se possível, afastasse o cálice.



Na terça feira é realizada em Caxambu a procissão do Encontro quando Nossa Senhora vai seguindo os diversos passos, os quadros da Via Sacra, que ficam acomodados na cidade . A Via Sacra são as quedas de Jesus.



É chamado Moteto de Passos porque relembra os passos de Cristo até o Calvário. Ou seja, são os mesmo quadros da Via Sacra, só que dando ênfase às angústias de Cristo.

São vários Motetos, mas no momento, durante este período em que trabalhei com música da semana santa, lembro apenas de três: o  O Vos Omnes, um tema que tem várias melodias para a mesma letra: “que vós todos que passai vejam se há dor maior do que esta que vocês vêem: a dor de Cristo” e que é um dos cantos da Verônica. Ele é repetido na quarta-feira.

“O moteto é um gênero musical polifônico surgido no século XIII, onde, inicialmente, usavam-se textos distintos para cada voz. Dessa característica vem a origem do termo, derivado de mot, palavra, em francês. O moteto se tornará uma das grandes formas da música polifônica, sendo o apogeu de seu uso no contraponto modal do século XVI, apesar de sua importância para a música barroca e da recorrência a ele até por compositores românticos. Originado da chamada Escola de Notre Dame, o moteto era inicialmente uma clausula em que se mudava o texto da voz superior para um diferente do que era executado no cantus firmus.” (wikipedia)

Este vídeo eu postei no Youtube. É "O Vos Omnes" que foi cantado aqui em Caxambu, em 1950, e tem a melodia dificílima. Hoje não há quem o cante mais. São cenas da Semana Santa da década de 1950. É um moteto de dores tocado tradicionalmente na quarta feira santa. O áudio foi gravado em 1982 pela Eschola Cantorum Regina Coeli, o antigo coro da Igreja Católica de Caxambu, regido na época por Carlos Antonio de Mello.



A outra é Bajulans, que fala do povo que crucificou Jesus.




(Como já explicou Fernando, as músicas são semelhantes mas as letras variam e, algumas são tocadas em cerimônias diferentes.)

E, Popule Meos, que é uma letra do Velho Testamento que pergunta o seguinte: “ Meu povo, o que eu te fiz?” é Deus perguntando ao povo o que ele lhe fizera, se os tirara do Egito, mandara para a terra prometida, etc...



Festa em São João del Rei (MG), no ano de 2007, ao som do Popule Meos do padre-mestre José Maria Xavier. Igreja da venerável Ordem Terceira.


Na quarta-feira são cantados os motetos de Nossa Senhora , ligados às dores de Maria, é a procissão da Soledade, ou seja de Maria perdida, já sem o filho. É quando ela segue os passos que Jesus percorreu, já sem ele. O foco é a tristeza da mãe que perdeu o filho.

Então são cantados os Motetos das dores, como o Princess, Quid Comparabote,

Muitas músicas se repetem . Algumas são entoadas em tom mais alto, são dificílimas de serem entoadas, a melodia é mais elaborada, um dos Motetos mais bonitos que tem ´o que viram acima O Vos Meos e, repito, em muitas cidades, ela não é mais cantada.

Estas músicas foram trazidas para Caxambu na época do Monsenhor João de Deus e, ao que tudo indica vieram todas de São João Del Rey, só não veio o que compôs o Padre José Maria Xavier , isto era deles, de uso próprio e interpretada pela orquestra fundada por Martiniano Riberito Bastos e que leva seu nome. O Padre José Maria Xavier era um homem negro com o requinte de um europeu da corte.

O Padre Castilho que seguiu o Monsenhor João de Deus e que ficou aqui por mais de 20 anos conseguiu trazer também muita coisa.
Monsenhor João de Deus foi quem fundou a paróquia da cidade, a de Nossa Senhora dos Remédios. Ele era uma espécie de chefe da cidade. Ele tinha estatus de prefeito, delegado, e padre. Aqui ele se tornou Monsenhor. Se não me engano foi a partir de 1906, porque em 2006 a paróquia fez 100 anos.

Na quinta feira santa é a instituição de eucaristia, dia do sacerdote, é uma das únicas procissões litúrgicas . Todas as citadas acima são tradicionais mas não são obrigadas pelo Vaticano. A da quinta feiras, é. Então na quinta feira é a procissão do Santíssimo Sacramento. Ele sai do altar principal e vai para um altar secundário para ser venerado e, na sexta feira, que é o dia da morte de Cristo é realizado o Ofício de Trevas





Aí vem a cerimônia do descimento da cruz e, à noite, a Procissão do Enterro.

No sábado é a vigília Pascoal e no domingo há duas procissões ; uma é a da Ressurreição , no horário que a Igreja pressupõe que ele teria ressuscitado , que é de madrugada e, à noite, sai Nossa Senhora da Alegria, uma festa triunfal, acompanhada não de Motetos, mas , na época a gente cantava Regina Coeli, Laetari e Alleluia








Este domingo, dia 17 é o de Ramos, é uma procissão Litúrgica também, significa a saudação de Cristo pelos judeus quando ele retorna para Jerusalém . É a semana final da vida dele, na sexta feira ele é condenado e morre na cruz no sábado, como rei dos judeus.