sexta-feira, 22 de abril de 2011

O FILHO DOS BAILES: LEO MAIA

Por Ana Laura Diniz

 maia


O suingue lhe corre pelas veias. Brincalhão, o cantor e compositor diz que não é o saudoso Tim, nem o primo Ed Motta. "Sou Leo Maia, o terceiro da dinastia". Aos 35 anos, e 21 de estrada, Leo não deixou por menos e deu passos largos com Cavalo de Jorge, seu então álbum de estréia, lançado em 2005 pela Indie Records. Jorge é também o nome do seu primeiro filho. "E que os santos digam amém".

Com uma levada forte de guitarra, Leo manda muito bem o seu recado sem descartar o groove, o soul, o reggae e o xote.

Tim Maia deve estar orgulhoso. "Cresci nas favelas com o meu pai fazendo show, e eu lá no backstage amarradão... Tive a melhor infância do mundo. Dos super heróis, porque todo pai é um, o meu é o presidente da Liga da Justiça", diz. Ao falar do pai, o verbo é assim mesmo — conjugado ora no presente, ora no passado. Propositalmente, mantive todos os vícios de linguagem: os meus, e principalmente, os dele. E vamos à conversa porque lembro de ter tirado Leo cedo da cama, numa manhã de terça-feira, e não foi à toa...

Leo, quem é você?

Eu sou o Leozinho das candongas (risos)...

Você sentiu em algum período de sua vida a dificuldade de ser filho de uma pessoa famosa?

(breve silêncio) Acho que algumas vezes sim, mas por preconceito das pessoas. Por outro lado, herdei os amigos de verdade do meu pai. O Lulu Santos, por exemplo, deixou eu ficar anos no estúdio dele gravando, buscando o meu som, correndo atrás... E ter tido a oportunidade de gravar com os mestres da música como o Marçal, o Xocolate... Eu sou muito grato a todos eles. Ao Nelson Motta que, porra, fora os conselhos, até trabalho já me ajudou arrumar. Isso é sensacional...

Essa parte do preconceito pega onde?
 

Tem gente que julga o meu trabalho sem ouvir. Acho que esse é o preconceito. E cara, sempre busquei o caminho mais difícil... Sou muitas vezes obrigado a dizer "não" para não desonrar o nome do meu pai, nem da minha família, nem da música... Então isso às vezes não soa bem, e de alguma forma as pessoas tentam magoar...

O primeiro disco...
No seu primeiro álbum, Cavalo de Jorge, não há nenhuma composição do Tim Maia. Mas ao cantar nos lugares músicas como Azul da Cor do Mar, você sente o peso do rótulo? Há uma cobrança muito forte das pessoas em relação ao que você faz? 

Isso eu não sinto, mas sabe por que? Eu fiz o vestibular da vida. Eu venho do boteco e do baile. Toquei muito em Brasília, em vários locais do Brasil... rolava de algumas músicas minhas irem para as rádios. Mas eu sempre cheguei sozinho com a minha demo (fita com a gravação da música) debaixo do braço: "opa, e aí rapaziada, legal?!, e pá!, o meu sambarilove e vamos embora..." (risos)
Como disse, fiquei anos no estúdio do Lulu Santos gravando demos... Eu tocava na noite, juntava meu dinheirinho, pagava as continhas e o resto eu investia tudo em música. Anos, anos e anos assim...

Você lembra a primeira vez que subiu no palco?

Claro que sim (sorriso de ponta a ponta). Eu tinha cinco anos e meu pai fazia um show num teatro. Antigamente todos os instrumentos eram ligados num único cabo, e alguém tropeçou e desligou tudo. Entrei no palco e comecei a brincar com a platéia. Quando religaram, a banda me mandou embora, mas a galera começou a gritar para o meu pai: "queremos o garoto, queremos o garoto". Aí não teve jeito, meu pai teve que me aturar o show inteiro...

E depois?

Aos sete anos eu auxiliava o meu pai por trás dos holofotes, pois trabalhava como roadie da banda Vitória Régia. Afinava os instrumentos, varria a área do ensaio, montava equipamento, fazia essas parafernálias todinhas... A partir dos 14 anos é que comecei a tocar profissionalmente em bailes... viajava o estado inteiro de Minas Gerais, de São Paulo... bailão, bailão...

Esse foi o vestibular da vida? 

Não, o vestibular veio depois, mas ali foi a escola: ginásio e segundo grau (risos). Costumo dizer que eu sou da MPB do Baile. Porque você canta de tudo e em todos os lugares: de festa de casamento a aniversário de 15 anos. Tinha que cantar Tom Jobim, João Gilberto... tinha que ouvir os discos...

Mas essa bagagem não é essencial? 

Bota essencial nisso, cara! Qualquer músico de verdade... ah, sei lá... enfim... (meio constrangido)

Diga o que pensa... você não está ferindo ninguém... 

Bom, eu venho desse universo do baile. Meu pai era baileiro, Jorge Ben... eu cresci nesses bailes, nas favelas com o meu pai fazendo show, eu lá no backstage amarradão... cresci foi nessa onda.

E foi bom? 

Foi a melhor infância do mundo. Não é à toa que costumo dizer que dos super heróis, porque todo pai é um, o meu é o presidente da Liga da Justiça.

Qual o valor mais arraigado que você herdou do teu pai? 

A música celestial... Estou a serviço da música. Eu não sou nada, a música é tudo.

E qual o maior aprendizado? 

Que aquilo que você coloca dentro da cabeça ninguém jamais roubará.

Você acredita que a música possa ser um instrumento de melhoria para o País? 

Claro, com certeza. Na atitude, os artistas falam ao povo. A gente é exemplo pra muito garoto. Muita gente segue as nossas opiniões, presta atenção nas coisas que a gente fala. Isso é muito importante.

Quando você pensa no Jorge, o que deseja que teu filho herde de você? 

A porção revolucionária. Que seja feliz, que assuma uma posição no Brasil e faça algo muito bom pelo coletivo. Acho que a herança dos nossos pais foi a libertação do regime militar.

Você acha que a Ditadura realmente acabou? 

Eu acho que a tal Ditadura, sim. Aquela coisa de você ser pego na sua casa só porque falou que o governante roubou, isso não acontece mais, graças a Deus. Hoje a imprensa faz um trabalho fenomenal para a história do País... O que vai acontecer ninguém sabe, mas dentro da história ninguém poderá julgar a imprensa como omissa. Eu acho que os artistas também têm feito sua parte... todo mundo opina, protesta, enfim...

Eu fui um garoto que com 17, 18 anos, panfletava. Eu dizia palavras de ordem na fila de votação.

"Eu sou burguês, mas eu sou artista, estou do lado do povo, do povo". Cazuza cantou inúmeras vezes esses versos, mas o que é o povo brasileiro pra você? 

Pô, é tudo. Eu consegui reconhecimento graças somente ao povo.

Que tem acreditado no seu trabalho e marcado presença? Como tem sido a resposta do público? 

Há muita empatia de ambas as partes. Graças a Deus eu sempre fui bem recebido. Parte pelas pessoas que gostam do meu pai e ao conferir meu trabalho acabam vendo que há verdade no que faço...

E que é o Leo Maia. 
Sim, costumo dizer brincando que eu não sou o Tim Maia, não sou o Ed Motta: sou o Leo Maia, o terceiro da dinastia. (risos) Mas sabe? Nunca cheguei em lugar algum valendo do nome do meu pai. Agora as pessoas falam porque chega uma hora que ninguém segura.

Essa simpatia vem de onde? 

Do baile!! (mais risos). No baile a gente é animado, Ana... em vez de ficar chateado, meu irmão, eu vou dançar, fazer um som...

Você tem ficado na ponte Sampa-Rio? 

Minha família está toda aqui. Às vezes é que bate uma loucura pelo mar e eu dou uma fugida e tibum na água.

Você surfa até hoje? 

Já tem um tempo que parei, mas estou a fim de comprar uma pranchinha e cair no mar de novo... tô precisando, sabe? Sair um pouco, voltar pro útero da mãe... o mar é o útero da mãe, né cara?

O que mais gosta em São Paulo?

O Parque do Ibirapuera, meu irmão. Porra, aquilo lá é um recanto... Eu vou pra lá direto... adoro aquele canto, é um lugar que eu adoro!!!

Você difere o pai Sebastião Rodrigues Maia do artista Tim Maia? 

Total!!! Meu pai é o cara do trabalho, regrado e preocupado com a educação dos quatro filhos (apenas Leo, o primogênito, seguiu na área musical). Sebastião Rodrigues Maia chegava e dizia: "meu irmão, eu fui entregador de marmita, a gente veio de família humilde, você tem que estudar, tem que ter uma profissão, só a música é fria. Já passei o maior sufoco na minha vida por não ter outra profissão, estuda, estuda, cara! Não tive essa oportunidade, fiz a minha vida do nada. Estuda, estuda."

E quando passei na faculdade, ele fez amizade com todo mundo, mandava disquinho pra neguinho dizer se eu estava frequentando as aulas... Quando eu pedia grana para sair com uma gatinha, ele falava: "Faz o seguinte... dá uma varrida no quintal, lava o carro, enrola aqueles cabos ali", saca? Esse era o Sebastião Rodrigues Maia, que se resume no seguinte: "você tem que trabalhar pra ganhar qualquer coisa de mim".

Isso era regra na minha casa. Quando quis uma prancha de surf, tive que fazer um curso de datilografia... Meu pai era o cara do trabalho. Já o Tim Maia, não... esse era o baile, a música, o permissivo, a festa! Eu podia pegar qualquer instrumento que não rolava repressão.

Como você definiria o teu pai?

Ele é uma montanha muito grande e muito forte...

E você?

(silêncio) Acabei virando parte dessa montanha num outro lugar.

Em que lugar?

Não sei... ainda estou meio flutuando, tentando achar, sei lá...

Além da música, com o que vocês se identificavam? 

Ah, amor a cachorro e a criança.

Tem cachorro aqui em São Paulo?

Infelizmente não porque moro em apartamento...

Como é que é ser filho de Tim Maia? 

Ser filho do meu pai é uma aventura maravilhosa! Meu pai era meu amigo, cara, como a gente era amigo... (suspiro) Era super bacana... ao mesmo tempo duro pra caramba... cobrava, fera! Aos sete anos, como disse, eu ia aos ensaios e era o responsável por afinar os instrumentos... Na época não tinha diapasão eletrônico. Quando a coisa não estava certa, o pau comia: "rapaz, presta atenção e blábláblá". Tinha que fazer certo... eu era criança, mas não tinha mole. Mas isso me fez aprender. Gravei a nota Lá na cabeça e ao começar a cantar você não mais desafina. Então, geralmente eu fazia as pontas que precisava nas gravações dele... Minha voz era agudinha, entrava no vocal, e tomava esporro se não dava certo... E aí, acho que tudo meu foi assim: aprendendo sério na brincadeira.

Quantos anos você tinha quando seu pai faleceu? 

Não lembro. Não sei quanto tempo faz, nem que dia foi...

A sensação é de que foi ainda ontem? 

Pra mim não aconteceu nada... Ele foi só ali dar uma volta... falo com ele nos discos dele... é, eu não penso nisso não...

E ser pai de Jorge, como é?

Eu tento ser um pouco do que o meu pai me ensinou... Já dei um pianinho, um violãozinho e um tamborzinho pra ele... Eu brinco pra caramba...

Quando soube que seria pai, qual a primeira coisa que veio à mente? 

Putz, fudeu (gargalhadas mil), porque é a maior responsabilidade... Na época eu batalhava pra caramba pelo Cavalo de Jorge (o seu primeiro álbum)... mas meu filho é a minha paixão, e nasceu trazendo sorte.

Quais são os instrumentos que você toca?

Sou apaixonado por guitarra, mas arranho um pouco de batera.

Como é que você compõe música e trabalha a letra?

Comecei primeiro a escrever... entrava em concurso de poesia no colégio. Depois passei a associar as coisinhas que eu escrevia ao violão... Aos 14 anos foi que comecei a tocar nos bailes, a compor canções...

Muitos compositores acham que para compor a dor é muito bem-vinda, concorda?

Todo sentimento é bem-vindo. Só de sentir qualquer coisa... a maioria das pessoas não sentem mais nada, né Ana? Tem tanta gente que não sente nada... Acho que sentir dor, sede, raiva, calor, frio, sentir, sentir... sentir é vital. E quem nos ama tem que compreender isso, que sofremos transformações diárias, mas que a essência existe... e que o ser amado será pra sempre amado...

Você sente que as pessoas estão cada vez mais frias? 

Sim, mais robóticas, mais artificiais...

Falta a entrega? 

Não sei, cara... Acho que falta a magia de pegar na mão, entendeu? De dar um beijinho e voltar pra casa amarradão... É uma inocência que não se tem mais...

Onde ficou essa inocência?

Nos livros de Fernando Pessoa.

Gosta de ler?

Eu amo.

O que você costuma ler? 

Qualquer coisa, no bom sentido na palavra, é claro. Gosto de Fernando Pessoa, Machado de Assis, Nelson Motta. Adoro os livros do Nelson... acho super divertido, ele é muito pop pra escrever. Adoro os relatos dele da Copa de 70... falando que estava no quarto do hotel fumando o dele, viajando... e tudo acontecendo...

E o amor que você falava?

(suspiro) Caraca! "Saber amar, é saber deixar alguém te amar". O amor é difícil, né? É muito complexo o amor... O amor é um lance divino... Quando você está amando você não sente nada...

Não sente nada e sente tudo? 

É... você não sente nada de ruim. Você não vê nada feio, tudo é mais colorido. E deseja a paz, que todos compreendam esse sentimento tão raro... e abram passagem... porque o amor precisa ser vivido, sentido.

Quando você está sossegado, o que gosta de ouvir? 

Steve Wonder, cara. Ganhei um cd na época em que ele era garoto. Coloco à noite pra acalmar... de manhã pra começar bem o dia...

Tim Maia costumava cantar em casa?

Pra caramba!!! Tocava o violão, compunha em casa, uma vez... sete horas da manhã, eu estava indo pra faculdade e aí vejo meu pai sentado com violão, com pedaço de papel: "ó fiz um negocinho aqui, senta aí"; E começou: "Já rodei todo esse mundo, procurando encontrar..." (Leo canta muito bem à capela).

Puxa bicho, lascou Essa tal felicidade, às sete da matina... Aquela canção é forte... Aquela canção, porra! O cara falou a verdade ali. Porra, eu chapei, bicho!

E ele...

Disse que tinha sonhado com os pais dele. Meu pai tinha uma mania: toda noite ele rezava para os meus avós e pedia uma canção: "pô me dá uma força aí que eu preciso de uma canção pra voltar para as rádios... voltar forte, preciso de um negócio forte." Pô, Ana, eu faço a mesma coisa toda noite...

Você é religioso? 

Opa, e que fique claro: sou devoto de São Jorge e de São Sebastião Rodrigues Maia.

O que ele costumava colocar pra você ouvir, fora ele cantando e compondo? 

Meu pai gostava de tanta coisa: Black Music, Marvin Gaye, Steve Wonder... minha paixão pelo Steve veio pelo meu pai. Inclusive quando o Steve Wonder veio ao Brasil, estava tudo certo para ir com o meu pai ao show. "Beleza, nós vamos, nós vamos, nós vamos" (imita a voz e o jeito do pai). Meu irmão... seis horas da tarde eu já estava de banho tomado, só esperando... deu sete, oito horas da noite: aí o meu pai levantou do sofá, comeu um negócio e deitou de novo... Nove e meia da noite, e eu: "ô pai, vamos não?", e ele: "vamos, vamos, tá cedo... essa porra não vai começar agora, a gente vai chegar lá e ficar esperando"... pô, dez horas, dez e quinze, eu já aflito, mas com jeitinho: "pai, não é legal a gente pelo menos sair... sair saindo, né? A gente vai no caminho, devagarzinho, chegamos na boa...", e ele ainda deitado no sofá dizendo que ia, que era para eu ter calma... Quando o relógio marcou dez e meia, ele me olhou e disse: "pô, sabe o que acontece? A gente vai chegar lá e estará o maior tumulto, né filho? Pô, faz o seguinte? Depois a gente compra um dvd e assiste". Porra, fiquei tristão, cara...

Imagino, mas depois que passa tudo vira graça... Tim Maia tem histórias divertidíssimas... algumas nem tanto para os fãs, já que ele também nutriu a fama de às vezes não aparecer para cantar. Teus fãs correm o mesmo risco, Leo? 

Nãoooooo, devem ficar tranquilos... (gargalhada) Eu compareço sempre. Meu pai fazia de vez em quando isso, mas ele era um gênio, e cara: gênio é gênio! Vai discutir com gênio? Quer um conselho, Ana? Não discuta! Mas eu... Eu sou apenas aluno do mestre...

É, mas dizem que o aluno supera o mestre... 

Nunca, jamais! Se assim for, aí fique certa, perco a prova no dia.




Ouça aqui


descobridor dos sete mares, em homenagem ao pai


baby, composição de caetano veloso


histórias de amor, composição de leo maia, em seu primeiro disco

Site oficial: http://www.leomaia.com.br




Sopro do dragão - Leo MaiaCada vez mais samba soul, cada vez mais intuitivo. Assim pode se descrever a fase atual de Leo Maia, que lança o 3º CD “Sopro do dragão” (LGK Music/Som Livre) com 14 faixas.
2009 - Som Livre
Cidadão do Bem
Depois de dois anos pesquisando e compondo o repertório de “Cidadão do Bem”, o cantor LEO MAIA, herdeiro musical de TIM MAIA, e a LGK Music lançaram em 2008, com distribuição da gravadora Som Livre, seu segundo CD.
2008 - Som Livre
Cavalo de Jorge
Oo primeiro disco do cantor e compositor Leo Maia, que reuniu 13 canções, das quais oito próprias. Com o trabalho, ele mostrou que pode simplesmente ter a influência do pai, sem necessariamente revisitar a obra dele.
2005 - Indie Records