sábado, 30 de abril de 2011

84, CHARING CROSS. ARTISTAS DE (OU NA) RUA

Por Vera Guimarães

Será que eu não tenho andado pela cidade ou por aqui nao existem artistas de (ou na) rua? De dentro do carro, vejo malabaristas e sopradores de fogo, crianças jogando bolinhas pra cima, um velho cego tocando seu instrumento. Quando em férias, sou abordada pelos cantadores nas praias do Nordeste. Os primeiros me dão uma tristeza..., enquanto os segundos me aborrecem e eu me sinto constrangida e invadida por ser obrigada a lhes dar algum dinheiro, mesmo não querendo.

Em praticamente todas as cidades da Europa por onde passemos, em cada trecho de rua tem um violinista, um trio, um quarteto, um artista sozinho. Quase todos conseguem público. A maioria deles parecem bons. Ainda que esteja solando um allegro manjado, para fazer isso o indívíduo se esforçou muito, repetiu muita escala, tentou e tentou muitas vezes até conseguir aquele milésimo de segundo que define o andamento certo. E dentro desses artistas algum dia teve uma chama.

O que os levou à rua? Quantos sonhos foram desfeitos, em que momento da jornada eles concluíram que esbarraram no limite do talento e da capacidade de ir adiante, quantas urgências os obrigam a isso, e só lhes resta a rua? 

Chorei ali parada numa esquina fria de Viena, noite chegando, ao ouvir as três meninas vestidas de preto, muito compostas, duas delas  com traços orientais, tocando a Ária da 4a. Corda, de Bach. Não as registrei. Não tive coragem.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

IVON CURI, O CHANSONNIER: NA ÉPOCA DA RÁDIO NACIONAL

Entrevista com  Roosevelt Bechara Curi, irmão de Ivon  Curi


Por Esther Lucio Bittencourt

Foi na Pasárgada, Galeria de arte de Pedro Leal que encontramos um dos irmãos de Ivon Curi. Lembram, o chansonier, o cantor do Retrato de Maria? Ele nasceu e morou em Caxambu e quem nos conta a história dele e da família é Roosevelt Bechara José Curi, meio irmão, por parte de pai do Ivon e o caçula da família que fará 70 anos em agosto.

Nasceu em 1941, em Caxambu onde viveu até março de 1954, quando perdi meus pais, José Kalil Curi e Zilah Miranda de Oliveira Curi.




“Bem, a história é a seguinte: meu pai casou-se quatro vezes. A primeira esposa morreu durante o parto do primeiro filho, que também faleceu. Posteriormente casou-se com a irmã de sua mulher que morrera e que também faleceu da mesma maneira. Aí ele tentou uma terceira vez. Nasceram sete filhos; Geny, Edith, Jorge, Farid, Walter, Adib e Ivon. Mas aí a terceira mulher faleceu também. Ele casou-se com a quarta. E aí eu nasci.

Morávamos todos aqui onde hoje é a Padaria Santa Clara. Não tenho mais casa aqui. Estou comprando um apartamento no Edifício Demétrio Jamal, mas minha cunhada, a mulher do Ivon, mantém uma casa aqui no bairro federal.


Ivon Curi
Foto: Google Images
A família saiu de Caxambu para tentar a vida no Rio de Janeiro. Então, três dos irmãos se tornaram conhecidos no rádio, Jorge foi o primeiro. Era locutor esportivo, mas a profissão original dele era dentista. Como se deu tão bem como radialista deixou a profissão antiga. E o Alberto Curi, que também trabalhou em rádio e o Ivon, que era o mais conhecido.




Despedida de Jorge Curi na rádio Globokhz 1220 em 1984

Vamos recordar a voz do Ivon Curi: ele canta “Delicadeza”, em 1956, no filme “Depois eu Conto” de José Carlos Burle e Watson Macedo. Na cena estão Dercy Gonçalves e Eliana Macedo.



Delicadeza" é um fox de Pedro Rogério e Lombardi Filho, e foi gravado por Ivon Cúri na RCA Victor em 12 de agosto de 1955, com lançamento em outubro do mesmo ano (78 rpm 80-1513-B, matriz BE5VB-0846)

Hoje Roosevelt está aposentado após ter trabalhado muitos anos na Varig, lidando com importação e exportação.

“Venho todo mês à Caxambu onde ainda tenho parentes, primas, primos... então venho sempre. É minha terra e gosto muito daqui.

Nasci aqui durante a segunda guerra mundial, quando ela terminou tinha 4 anos de idade e em Caxambu não houve racionamento, falta de alimentos. Os ecos que aqui chegavam, para mim, passavam desapercebidos. Talvez por ser uma cidade do interior, mais tranquila.

Só sei que meu pai, durante a guerra, ele que era comerciante, tinha uma espécie de armarinho, vendia de tudo, perdeu seu negócio. Mas depois se recuperou.

Hoje todos os irmãos estão mortos, menos eu e o Farid que mora no Rio, mas sempre tive um bom relacionamento com o Ivon. Era o irmão mais próximo. Quando meu pai morreu ele me assumiu, cuidou de mim e me encaminhou na vida. Ele foi um ser humano fantástico! Aliás, uma das características mais marcantes do Ivon, é que gostava de ajudar as pessoas. Não só os familiares como também os amigos. Como tinha muito conhecimento no meio artístico de forma direta ou indireta sempre estava ajudando alguém.

A música que mais gosto das que ela cantava, e ele era um bom compositor também, era “Escuta”, feita por ele, que também foi gravação da Ângela Maria e, agora, a Ângela e o Emílio Santiago fizeram uma gravação desta música que está maravilhosa.



E tem também “O Retrato de Maria”, composição dele e que somente ele cantava. Ele se apresentava no palco com uma foto, fazia pepel de embriagado, fala com o retrato e, no final, ele rasga o retrato e começa a chorar.”

RETRATO DE MARIA - SILVIO BRITO imitando Ivon Cury no "Jô Soares”



Ivon Curi, nascido em 5 de junho de 1928, passou a infância e a adolescência em Caxambu. Em 1940, quando mudou com a família para o Rio trabalhou na Pan American Airlines em terra. Iniciou sua carreira artística como cantor em 1947, contratado como cantor principal da orquestra do maestro Zaccarias, do Hotel Copacabana Palace.Em 1960, gravou, ao lado de Elizeth Cardoso, um jingle para a campanha vice-presidencial de João Goulart.

“O Jorge e o Adib, que era o Alberto, ajudaram o Ivon a iniciar no rádio. Eles já trabalhavam na rádio Nacional e ajudaram-no . Ari Barroso o apreciava muito . Ivon ficou conhecido como chansonnier, por sua voz aveludada, a capacidade interpretativa e porque apreciava o repertório francês, com perfeita pronúncia do idioma.”

Forró do miudinho

A solidão do braço e do vinil girando no prato da vitrola

Ivon Curi aos 11 anos venceu um concurso de calouros em Caxambu e, no Rio trabalhou também no Laboratório Silva Araújo antes de se tornar crooner. Em 1947 foi contratado pela Rádio Nacional e depois pela Tupi. Com “L avie em Rose “ e “Pigalle” estourou nas parades de sucesso.

Sua primeira gravação foi “O Adeus”, música de Dorival Caymmi, mas sem qualquer êxito comercial. Na rádio Nacional era o astro do programa “Ritmos da Panair” Em 50 foi eleito o Rei do Rádio . Na época seus discos 'Me Leva' (com Carmelia Alves), 'Farinhada', 'João Bobo', 'Feijão', 'Ta Fartando Coisa em Mim', 'Amendoim Torradinho' e 'Xote das Meninas' ficaram entre os dez mais vendidos do país.

Nesta ocasião excursionou pelo Brasil e pela Europa e tornou-se, definitivamente one man show, como se dizia á época. Nos anos 60 , com o movimento jovem guarda, deixou de gravar e dedicou-se ao seu restaurante “Sambão e Sinhá” que vendeu em 1984 e foi excursionar por Portugal onde fez enorme sucesso e voltou à televisão e aos discos.

IVON CURI - PROCURANDO TU



PERGUNTAS DE ANA LAURA DINIZ

Ana Laura - O Ivon Curi, faria sucesso no Brasil de hoje?

Roosevelt - Seria muito difícil para ele fazer sucesso no Brasil de hoje porque o tipo de música que se faz hoje não se encaixaria bem no repertório dele

Ana Laura - Qual a sua visão do Brasil de antes e o de agora, na questão musical e cultural?

Roosevelt - Na questão cultural eu acho que houve evolução, mas a época em que ele viveu também foi muito boa, muito rica . A Rádio Nacional na época era considerada como hoje o é a TV Globo. Os melhores programas eram da Rádio Nacional que tinha muitos ouvintes. Ele sofreu como todos os artistas as sanções impostas pela ditadura, mas sobreviveu.

IVON CURY, 1957, DE LUIZ VIEIRA, "ESTRADA DO COLUBANDÊ"


Colubandê, que dá título a este xote de Luiz Vieira, é um distrito da cidade fluminense de São Gonçalo. Ivon Cúri o gravou na RCA Victor em 11 de janeiro de 1957, com lançamento em abril do mesmo ano (78 rpm 80-1767-A, matriz 13-H2PB-0015), e logo em seguida o próprio Luiz também a gravou na Copacabana. "Garotas e samba" tem metragem total de 103 minutos, mas a cópia disponível tem várias cenas cortadas, inclusive números musicais.

Ouça Roosevelt Bechara Curi cantando a capella!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

PINDORAMA 10° 0' 0" S / 55° 0' 0" W.

VIAGEM A FOZ DO IGUAÇU- FINAL


E, como todas as viagens acabam, como acontece com a vida, amores, o curso primário, as dores, essa acabou também.
De modo inesperado.
Pois não é que estávamos , novamente, tomando café da manhã numa das cidades fronteiras do Brasil, na Argentina quando o carro, sim o carro da Regina, o Berlingo novinho em folha, com poucos kms rodados, pegou fogo?
Pois pegou. Não de sair labaredas. Primeiro foi um cheiro de queimado, na ida. No retorno para foz nada funcionava. Até que o carro parou de vez.
Aí, só concessionária.
E onde tinha concessionária da Citroen por ali?
Só em Maringá, no Paraná.
Bem, entre uma negociação bem humorada e outra de zanga pura conseguimos chegar a um acordo com a citroen. Ela mandaria um carro nos pegar e levar até  um hotel em Maringá. Hotel este que pagariam.
Dia seguinte pela manhã iríamos embora, assim, de improviso. E fomos.
Em Maringá a cidade estava dividida. De um lado havia um foco de doença causada pelos pombos que estavam sendo exterminados. De outro, dengue.
O hotel, ficava entre as duas perspectivas
Bom hotel, sei lá quantas estrelas, mas a entrada foi patética.
Como estávamos de carro, roupas sujas, compras, estas coisas, eram colocadas em sacolas de super mercado e jogadas no porta malas. O mesmo foi feito no meriva que nos  transportou.
Ó desavisadas! Quando as araras douradas gentilmente levadas por homens de libré foram nos receber era saco plástico a dar de pau a exibir sua pobreza estética . Todas devidamente penduradas, balouçando de um lado para outro.
Éramos retirantes improváveis, imprecisas, que morriam de rir. O ridículo não poderia ser pior.
Poderia sim: após um longo banho pedimos um chá com torradas, ainda com frouxos de riso, assustando ao garçon.
A viagem terminou como principiou: duas senhoras pândegas que trilhavam a plena loucura.




Os botes onde as pessoas arriscam a vida para pegar respingos de água

Os pedintes de Foz do Iguaçu

Quati nas cachoeiras

pássaro perdido nas águas

a calma ao olhar as águas

Rio Paraná

nossa magnífica bagagem

igreja de maringá

idade de Maringa vista do hotel

ALÔ DOLLY!



Por Dorothy Coutinho

Amigas,

Acabei de terminar o texto UMA DENTADURA INTEIRA cheio de revolta com a guerra recheada de jovens nas cidades. Mais uma vez, fiquem muito à vontade para colocar no ar ou não.
 
Estou meio arrasada. O meu cão o Farofa, anda tendo muitos altos e baixos no quadro de sua saúde. A suspeita agora é de uma úlcera. O sacana come de tudo além da ração. Quer dizer, de quase tudo que comemos um pequenino pedaço é dele, o que veio somando ao longo dos seus 13 para 14 anos de vida terrena. 
Está chegando o fim do seu companheirismo por aqui. 
Dizem que a média de vida dessa família de bassê é de 14 anos. 
Daqui prá frente é só colocar o coração na mesa e esperar. Quando ele morrer, ele terá um enterro decente, uma missa de 7º dia, uma sepultura bem bonitinha com um arco-iris pintado na lápide. Só não prometo rezar um terço pela sua alma.
Eu? Bem, eu vou seguir em frente. Fazer o quê? A morte, essa araruta, estará sempre agendando o seu dia de mingau entre nós, os seres vivos!
 
Beijocas
 
Dorothy, Ana e Farofa – agora um ancião.


Detalhe: ainda não sei enviar anexo. Por isso fiz essa mensagem separada do texto.





UMA DENTADURA INTEIRA


 





Estamos à sombra de uma guerra, explicitada nos meios de comunicação, com cenas em close-up, e o uso de todos os recursos tecnológicos à mão para que possamos assistir à matança nos quatro cantos da Terra.
Algumas pequenas guerras são mais ou menos ignoradas, mas elas estão acontecendo em países, cidades, casas, aqui e ali. O impulso destrutivo se espalha protegido por leis confusas, modelos escusos e permissividade que vem do berço e acaba no trono. O ser humano não é original. Se recobre de algum requinte, mas continua feroz. Contempla a violência atual, pensando na violência na Idade Média, nas Cruzadas ou durante a Santa Inquisição.
 
Nos idos tempos de infância presenciei meu único tio esticar uma minhoca e dividi-la em duas partes para serem espetadas no anzol de sua pescaria. Era a maldade permitida. E agora que tudo se quadriplicou, voltamos à prática diária da lei de Talião. Dente por dente.
Esses garotos e garotas possuem algo mais que a rebeldia natural da idade. Os jovens estão sem argumento. Trata-se de uma rebeldia vinda do desespero. Eles cresceram assistindo uma quantidade exagerada de violência na tevê, no cinema, no computador e idolatram músicos que traduzem coisas como “eu escrevo minhas próprias leis com a morte”. Eles têm pouco contato com o pai e a mãe, mantém amizades de faz-de-conta e são soterrados pela avalanche de informações que mal conseguem filtrar. A felicidade não se concentra mais em amor, saúde, e dinheiro. Agora é sexo, popularidade e muito, muito, muito dinheiro. Mas nada é tão preguiçoso do que procurar um motivo aparente, para transformar um ato estapafúrdio ou macabro em espetáculo.
 
A sociedade não dá chance aos invisíveis, derruba valores éticos e morais sem substituí-los por algo que valha a pena. Quem tem uma vida modesta se frustra e conclui que é uma pessoa que não existe, que não conta, que não vale. Muitos resolvem dar o seu recado na marra. Uma arma na mão e na cabeça a lei de Talião. Dente por dente.
- No emprego o homem não consegue que lhe paguem o que ele precisa, mesmo sabendo que está despreparado para o cargo. Fica furioso e fácil, fácil mata uma pessoa.
- O jovem casal viciado não consegue a droga sem grana. Bingo! É só assaltar o jovem que está chegando do trabalho ou da faculdade e pegar seu celular, seu par de tênis, seu boné e o que possa ser moeda de troca. E se lhes der na telha ainda são capazes de dar um tiro na barriga da vítima.
- No escritório onde trabalha o chefe tem motorista, carrão, mulher capa da revista Playboy, e ele, não tem nem para pagar o cata-corno e voltar para o seu “cafofo”. Num sinal de trânsito assalta o casal dentro do carro, simula a posse de uma arma e no dia seguinte ficamos sabendo do resultado: “casal é assaltado com violência e estupro”. A lista de vítimas da guerra urbana é infinita. Mas a grande maioria dos adolescentes que aí estão não conseguirá ganhar fortunas, não vai virar artista nem doutor, não vai casar com homens com barriga de tanquinho nem com mulheres capas de revistas: eles vão ter uma vida normal. E se o normal seguir não servindo pra eles, pobres de todos nós. Dentes por dentes. Quem sabe logo uma dentadura inteira!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

CORRESPONDÊNCIA URBANA

COM STELLA CAVALCANTI

in Telinha e seus gatinhos

"né possível. encontro uma stella cavalcanti, homônima, que escreve a coluna de cinema para o site barão em revista, da cidade de barão geraldo, interior de são paulo.

hahaha. geraldo era o nome do meu pai."

"Depois veio o Blog do Meu Pai onde falo sobre meu pai, sobre a vida da gente, sobre a falta que ele me faz. Comecei a escrever porque percebi que estava me esquecendo dele, dos detalhes, do seu jeito. E aí, escrevendo, entrei em contato com muita gente que também passou pela perda de pessoas amadas... mas o blog não é sobre luto, é sobre vida."


"Theca, eu comecei com o blog "Quarto da Telinha", no Desembucha, e explicava o nome: quando minhas sobrinhas eram pequenas, elas sempre corriam pro meu quarto para brincar. E o blog é assim, é onde a gente brinca, né? Com o tempo, mudou para "Telinha e seus Gatinhos" sempre no www.telinha.blogspot.com. E este ano eu completo dez anos de blog, sou praticamente um dinossauro :) Já vi casais se formarem e se separarem, bebês nascerem, mudanças de país, intrigas absurdas, preparativos de casamentos, participei da dor da morte de amigos, acompanhei e fui protagonista de histórias.

Só depois de muitos anos é que o Blog dos Bolinhos apareceu... eu tinha uma receita de bolo que sempre fazia para os amigos e que todo mundo gostava. Um dia, Amado Marido sugeriu que eu fizesse um curso, e aí uma coisa levou a outra, e eu acabei fazendo o blog dos cupcakes, pois tinha vergonha de vender para os amigos, mas pela internet era outra coisa. E foram os amigos, claro, que começaram a comprar e deram a partida nesta história. - e melhor fazedora de bolinhos do mundo é pura delicadeza sua, que me ama :) A receita é simples, o bolo é caseiro, não tenho a menor intenção de ser gourmet. É muito engraçado descobrir uma vocação a esta altura da vida, eu, que nunca fui boa em artesanato. Mas fazer cupcakes é fazer parte de um momento feliz na vida de quem encomenda. Acho que já falei isso... é muito bom fazer parte da felicidade dos outros, eu posso ficar muito cansada nas encomendas grandes, mas é sempre um cansaço bom.

Através do blog conheci muita gente, e as amizades, como eu disse, saíram pro lado de cá da tela. Um exemplo é o casal Alessandra Picoli e Marcos Farias que começaram como amigos-de-blog e hoje são amigos, simplesmente. Eles até adotaram um dos filhotes da minha gata Bijoux, e com isso meio que nos tornamos do mesmo clã, quando eles viajam eu vou cuidar das gatinhas deles, quando eu viajo eles também vêm aqui.

A gente, no comecinho da década passada, era uma panelinha. Agora, em 2011, a panela abrange praticamente o mundo inteiro. A força das redes sociais se confirma a cada dia, e estabelece novos parâmetros não só nas relações interpessoais mas também nas relações de consumidor/empresas e de fãs/ídolos.

Através dos blogs que escrevo eu conheci você, faço parte do Primeira Fonte, tenho uma coluna sobre confeitagem no Oba! Gastronomia e já saí até no jornal ensinando a fazer cupcakes.

Esther, pelamor, este texto já tá virando o novo testamento, de tão grande."

E ELA AINDA NÃO VIU NADA.............


A correspondência de hoje é antiga, quase como a vida. Sabe quando dizem que às vezes, ao se conhecer uma pessoa, parece que não é de hoje? Sem isto de vidas passadas... mas é como se fizéssemos parte da mesma energia? Pois foi isto que sempre senti ao ver o nome de Tela Maria, chamada por muitos de mãozinhas de fada,por seus maravilhosos cupcakes e as receitas que nos oferece em quitanda da vida, além das curas propiciadas pelas palavras oportunas que amparam nossos maus momentos.

Lembro da Telinha, pela primeira vez, no Internetc da Cora Rónai. Você comentava postagens dela. Sempre oportuna e inteligente. Depois a vi no blog do Lucas Landau, numa conversa comprida com o jovem. Também no Fotolog, falando sobre as fotos da Cristina Cacarriconde. E pensava; gostaria de que esta menina fosse minha amiga.
Hoje, o som de nossa voz se conhece. A amizade não é apenas virtual, mas também sonora, pois até para cantar para ela já telefonei. E canto sempre, na  intenção com que os aborígines australianos falam que vão cantar para alguém: de acompanhamento e desejos positivos.
Sempre me perguntei o que, além do amor e da profissão, poderiam ter afastado esta moça de um Brasil mais rico culturalmente, como as terras do Nordeste, plenas de tradições e raízes e a trazido para o chamado sul maravilha, onde o mar varre das areias, a cada segundo, sem deixar vestígios as marcas de nossa formação cultural. Sim, o Estado do Rio, já foi um dia, como se costuma dizer, um celeiro de cultura, mas há muitos anos que se desvanece os restos de alguma tradição de conhecimento.
Telinha tem outra característica importante: a solidariedade. Ama gatos, ama a vida e se compromete em ser feliz junto com o outro. Deixa contar: ela vai sussurrar para nós a magia de sua cultura e conhecimento.
E eu agradeço ser sua amiga.
Beijo,
Esther

Pronto.
Esther já começa me deixando emocionada, me deixando sem jeito, olhando pros pés. Eu sou uma matuta de Catende, dona Esther, faça isso comigo não.

Começando do começo: eu, a filha mais nova de Geraldo e Helena. A pontinha da rama, a que nasceu quando ninguém esperava, a enxerida, a diferente. A irmã mais próxima tinha 11 anos, a mais velha tinha 17. E eu cheguei, me chamaram, eu vim.

A vida seguiu sem muitos percalços até meus 16, 17 anos, quando deu-se a tragédia na nossa família: papai sofreu um AVC que o derrubou aos 60 anos – e ficou 5 anos em coma vigil. Nesse coma a pessoa dorme e acorda, mas não está mais lá. E ele, que era o sol em torno do qual nossa família orbitava, virou o ser frágil que passamos a proteger. Foram anos de medo, de ambulâncias, de enfermeiros, fisioterapeutas, grana curta. E, quando ele morreu, meu sentimento já nem foi de perda, pois eu já havia perdido meu pai; foi de alívio. Ele descansou. Nós também descansaríamos.

Daí, a tragédia deu meia-volta e voltou: mamãe adoeceu seriamente, devido aos anos de medo, tensão e responsabilidade sobre seus ombros. E nunca mais foi a mesma. Agora, aos 80 anos, é uma velhinha fragilizada, uma porcelana casca-de-ovo que precisa de muita delicadeza no trato – e que esconde, dentro de si, a férrea dignidade dos nordestinos. Esta alagoana miúda era capaz de derrubar as muralhas de Jericó apenas com sua vontade.

Diante desse contexto todo, sobrevivi. Sobrevivi às doenças, às noites mal dormidas, ao medo, ao desconsolo, à solidão. Sim, à imensa solidão de chorar atrás da porta do quarto fechada, pois eu e mamãe acabamos crendo naquela história de ser forte. “Seja forte por sua mãe, não chore na frente dela”. Pois sim! Hoje em dia eu acredito que a gente tem que chorar e dar colo – e se for ao mesmo tempo, paciência. Sofrer sozinho é o pior dos sofrimentos. Principalmente quando a gente acredita que está fazendo o certo.

Desses anos difícieis, não dei de beber, não perdi meu eixo, não saí louca e nua pela rua arrancando os cabelos. Fui para a escola, passei de ano, passei no vestibular. Quase no fim da faculdade, papai morreu. E eu não fiz Direito, que era sua grande paixão – papai era promotor e acreditava piamente que todo mundo tinha que fazer Direito – “Uma grande árvore de galhos abrangentes, minha filha. Você não precisa ser promotora.” Fui fazer publicidade: gostava de ler, escrever, não queria fazer Letras, e Publicidade não tinha Geografia na segunda fase do vestibular.

Chegando na faculdade é que vi que o buraco é mais embaixo, e, apesar de formada e tendo trabalhado como redatora na extinta Rádio Cidade de Recife, nunca me estabeleci bem na profissão. Não sou talhada para Publicidade, me falta algo. Ou algos.

Então, um belo dia, começou a passar uma série na TV Globo. Twin Peaks. Lembram? “Quem matou Laura Palmer?” Pois é. Eu adorava. Adorava a série, seu clima quase onírico, o agente do FBI Dale Cooper. E não tinha com quem conversar, quase ninguém mais assistia na minha turma. E, um dia, no departamento de jornalismo da Rádio, vi um anúncio no caderno jovem do Globo: Cláudio, o Desesperado, queria conversar com quem gostasse de Twin Peaks. Ora, como resistir? Cartas foram, cartas voltaram, um dia o Cláudio disse “Tenho um amigo que é a tua cara, posso mandar uma carta dele para você?” “Pode”.

Resumindo a ópera: eu e  o amigo do Cláudio fizemos 12 anos de casados este março.

Depois de dois anos trocando cartas e telefonemas, viajando para lá e para cá, ele disse “vem” e eu fui. Eu vim. Saltei quase no escuro, Esther. E posso dizer que foi a coisa mais acertada que fiz. E fiz com medo, e fiz procurando saídas de emergência, e fiz porque se não fizesse ia me arrepender o resto da vida. E fiz, e vim, e sou feliz.

A solidariedade aprendi no berço, amor aos animais também: tivemos saguis, cachorros, um ou outro gato que aparecia em casa, eu dava comida, ele se fartava e depois seguia seu rumo. A necessidade de ter livros em casa – não só pela profissão, papai era promotor, tinha estantes cheias com livros de Direito – mas pelo prazer da leitura. Herdei do meu pai a teimosia, herdei da minha mãe a resiliência. Não herdei urgências: aprendi que tudo tem seu tempo, aprendi que, querendo ou não, a vida arrasta a gente pra frente. E que a gente não escolhe ser forte: precisa ser.
 
Sou boba, sou ingênua, já levei muita rasteira, aprendo ou não aprendo, me levanto, guardo mágoas, faço besteira. Faço meus cupcakes, participo da felicidade dos outros, levo um pedaço da felicidade comigo. E é assim que eu sigo, quarenta voltas em torno do sol. Dá a sua mão, Esther, vamos cirandar.

Esther - Diz a Denise Schittine, em seu livro Blog: comunicação e escrita íntima na internet, que blog ..." É um exibicionismo tímido, mas que, no fundo, tem o objetivo de tornar público mais do que a vida, idéias privadas que nunca teriam difusão ou platéia que não por meio da internet. Esprimir-se com liberdade e para o público, tentar convencê-lo e seduzí-lo são benefício que o diário tradicional não podia proporcionar diretamente ao seu autor. Quando de apresentou essa possibilidade de um público desconhecido, o autor começou a selecionar o que escrever de íntimo e de não íntimo, o que mostrar para o público e o que guardar em seu " jardim privado".

Sabe, Stella, discordo um pouco desta nuance de que somente os blogs, etc.... seria esquecer os livros, as cartas de Madame de Sevigné, a correspondência do próprio Joyce com a esposa, devidamente publicadas e, mais picante e pessoal seria impossível.

Stella 
- Quanto ao livro de papel, Esther, ele nunca vai sumir. Nunca. Não há nada que o substitua, mas há tecnologias que convivem com ele. Arquivos dão pau, equipamentos quebram, falta energia, acaba a bateria. Livros, como objetos, são extremamente simples :)

O livro da Denise foi escrito no começo do fenômeno dos blogs, e esses quase dez anos fazem muita diferença. O que era novo, na época, se consolidou, cresceu e se diferenciou: há blogs, twitter, facebook, flickr, tumblr, orkut, Tebas tem mil portas e todas estão abertas. Eu mesma participei do livro através de uma pesquisa no blog da Marina W - que se chamava BloWg, na época. Preenchi um questionário movida pela minha curiosidade, e de repente tou lá, citada algumas vezes: "O blog funciona como aquela rodinha de amigas e amigos onde todo mundo conversa, fala besteiras, dá risada e tem seus momentos de reflexão. Não o chamaria de terapia de grupo porque é informal, é como se estivéssemos numa mesa de bar tomando chope ou fôssemos apenas um grupo se reunindo em casa para ver um filme e comer pipoca." E era assim. E, sobre escrever blog e diário ao mesmo tempo "Escrevo porque gosto de escrever. E escrevo blog porque gosto de ser lida".

"Então. Eu vim pro Rio, quando casei com Amado Marido, em 99, mas só comecei o blog em 2001. Li nos jornais sobre os blogs e sobre o portal em português Desembucha. Lembro de uma reportagem falando da Cora, da Meg, da Ana Maria Gonçalves (que tinha o blog Udigrudi) e da Nádia Lapa, que tinha o blog A Winnie que não é a Cooper. Então resolvi começar a escrever. Quando o portal não suportava mais a quantidade de blogs - porque todo mundo foi para lá - a Cora avisou que eram os últimos dias de Pompéia, que todo mundo precisava sair do Desembucha antes que ele entrasse em colapso e levasse nossos arquivos junto. Então, por sugestão dela, mudei pro Blogger e estou lá desde sempre.

Isso não quer dizer que eu fosse amiga da Cora - eu lia o blog dela e aprendia.


Então comecei a conhecer gente, a ler blog, o mundo era bem menorzinho naquele tempo. Fiz amigos que vieram pro lado de cá da tela, apareceu o fotolog. Amado Marido não ajudou porque não entendia direito o que era blog, na terapia minha psicóloga ficou horrorizada com a exposição da minha figura na medina. Quem era de fora não entendia, eu explicava: blog não é diário, é mural. 

E teve uma coisa engraçada, que foi quando eu e a Cecília, que tinha o blog Nada, Não, nos conhecemos. Era na época que nos mudamos do Humaitá para a Tijuca e eu disse no blog que estava fazendo o jogo do fica-dá-joga fora com as coisas da casa; a Cecília sugeriu que eu doasse coisas para a Suipa e marcou de passar lá em casa para fazermos a doação. A mãe da Cecília não gostou: disse que na internet todo mundo mente, e se eu era uma mulher com gatos, era óbvio que eu era um homem tarado. Bom, a Cecília apostou, passou lá em casa e somos amigas até hoje.

ONDE ESTÁ A TELINHA?
As amizades feitas através do blog não são virtuais. São tão intensas quanto as amizades do lado de cá, e estão sujeitas, claro, à ascenção, apogeu e fim. Já tive amizades que se desvanesceram, tanto do lado de cá quanto do lado de lá da tela do computador. E é assim mesmo, e precisa ser assim mesmo, com leveza. As pessoas se juntam por um ponto em comum, depois se afastam: é como dançar uma ciranda :)"


Ainda tem o blog Guardado com Cuidado onde você, caro leitor, pode ler e Oba Gastronomia, do qual ela já falou, mas dê um pulinho lá e veja que delícias: http://www.obagastronomia.com.br/category/colunistas/bolinhos-da-telinha/.

terça-feira, 26 de abril de 2011

PLANTAS COMPANHEIRAS



Por Gleice Silveira (bióloga, especialista em PMM pela UFLA)


Alecrim

Ficha Técnica:
Rosmarinus officinalis L;Vandalia sp; Lindernia difusa; Vandelia difusa
Família: Escrofulariáceas
Características Botânicas: Erva miúda, ramosa rasteira, flores azuis, violáceas e brancas. Habita campos abertos e secos.



         O Alecrim é uma planta que vive muito bem sob a energia do sol e do calor. Esta planta contem óleo essencial rico em eucaliptol, e outras substâncias responsáveis pelo seu aroma típico, que  funciona como um ótimo repelente contra pragas caseiras,moscas e borboletas. Ele aquece e estimula o cérebro e o corpo, é ótimo como cardiotônico, estimulante, anti-reumático, resolve rapidamente dores de estômago e asias, restitui a energia dos cansados e estressados por muito esforço mental (costurador do plexo solar). É A ERVA DA CORAGEM.
 No período medieval, era comum as pessoas valerem-se do alecrim para purificar os quartos. Também acreditavam que essa planta era capaz de desenvolver a memória. Por isso, durante as avaliações, os estudantes da Grécia tinham o hábito de fazer uso de ramos de alecrim nos cabelos.
Externamente pode ser usado para lavar feridas, principalmente de diabéticos por ser um ótimo cicatrizante. O uso de seu chá escurece os cabelos e devolve-lhes o brilho.
Na culinária o alecrim deve ser muito usado principalmente pelos tímidos, passivos e os “sem energia”. Ele vai muito bem com um frango, molho branco ou vermelho, massas e lasanhas. Gosto muito também de conservá-lo no azeite.
É contra indicado para gestantes, diabéticos, epiléticos, lactantes e os que sofrem de distúrbios prostáticos e dermatológicos.

Receita:
Chá/infusão
Uma colher de chá de folhas ou flores de alecrim secas ou frescas;
Uma xícara de água fervente

Despeje sobre as folhas a água fervente e tampe a vasilha por 10 mim.
 Indicação: cicatrizante, anemia, cansaço físico e mental, histeria, falta de apetite e problemas respiratórios.

Amor e Luz
 Gleice

QUITANDA DA VIDA XXIV

Por Telinha Cavalcanti

Picadinho

Sabe aquela receita de estrogonofe que eu ensinei um tempo atrás?

Pois é só tirar o creme de leite que ela  vira uma receita maravilhosa de picadinho. De carne, claro, nunca ouvi falar em picadinho de galinha...

imagem: UOL

Picadinho:


1 kg de carne cortada em cubinhos, mas não precisa precisão (pegou? hã, hã?) - eu uso chã; uma boa carne de segunda, sem gordura, é perfeita para o picadinho
cebola picadinha
alho picadinho
óleo
sal
molho de tomate
mostarda
molho inglês
pimenta do reino moída

Refogue a cebola e o alho. Junte a carne. Quando ela estiver bem refogadinha, com um molhinho no fundo da panela, junte o molho de tomate (quase uma lata inteira daqueles molhos pedaçudos), corrija o sal e coloque a mostarda e o molho inglês. Como eu não sei se você gosta mais temperado ou menos, vá aos poucos, experimentando, até chegar no sabor que lhe agrade. Corrija o sal, jogue uma pimentinha que a gente também é filho de deus.

Para acompanhar, uma farofinha de banana cai muito bem, junto com um arroz branco bem soltinho, um ovo frito de gema molinha, um feijãozinho preto. Hmmmm...  a gente sabe que a receita é boa quando os diminutivos começam a aparecer :D

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Poesia é um barulho da vida

Por Dade Amorim

Carlos Drummond de Andrade
A tradição européia liga a poesia à primavera. Essa foi uma convenção estabelecida como tantas outras. O que determina o aparecimento da poesia ou a composição de um poema é de ordem mais sutil e subjetiva. Assunto para um tratado dos grandes – e ao mesmo tempo quase nada. A natureza e o mundo que nos cerca, o tempo, a interação com os outros, sentimentos, emoções, o que se aprendeu e experimentou desempenham um papel importante no fazer poético.
Hoje em dia, quando o modo de vida nas cidades (e mesmo fora delas) exige de nós tanta contenção e causa tanto desgaste emocional; quando os problemas crescem na razão direta das exigências que não conseguimos satisfazer; quando o que se espera de cada um é talvez muito mais do que seria razoável esperar de seres humanos perdidos em nossas babéis em ritmo de globalização caótica; quando cada pessoa é confrontada com desempenhos consagrados e inteiramente inalcançáveis para a absoluta maioria; quando nossos limites são testados e desafiados dia a dia no trabalho, na família, na rua, é claro que a poesia tem que refletir isso.
Não só a linguagem mudou. O modo de sentir o mundo e reagir aos estímulos se tornou mais tenso, mais áspero, porque é preciso ativar as defesas para não se ferir a toda hora.
Ferreira Gullar
Nada no entanto impediu que continuassem surgindo poetas verdadeiros neste mundo difícil e tantas vezes cruel. Parece que enquanto existir gente na Terra, existirão poetas. Poetas que falam não só de amor e flor, mas da humana condição, da falta permanente de alguma coisa que amenize a inquietação e a angústia, das coisas que os afetam, da própria circunstância do poema. Específico da poesia é o sentimento súbito do que toca a pele, da percepção aguçada que se amplia, instigadora, e num certo momento irrompe e mobiliza alguém a expressá-la. Mas para isso é preciso que haja um silêncio interior, uma certa contemplação desse processo, condição para ouvir o “barulho” da poesia. Desse barulho de que fala Ferreira Gullar, num poema que expressa quase a essência da questão:

Todo poema é feito de ar
apenas: a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa de mulher.
O poema
é sem matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.

De Carlos Drummond de Andrade, um poema instrutivo, que fala das palavras, da serenidade e do silêncio, três colunas mestras de um poema:

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros.
Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Reparem como Paulo Leminski incorpora a turbulência de nossos dias sem deixar de seguir essas receitas:

maldito
o que não deixa cantar
o canto é fraco
maldito
o que não deixa cantar
o canto é forte
maldito
o que não deixa cantar
o canto gera outro canto
maldito
o que não deixa cantar
o canto nunca deixa de cantar

Paulo Leminski
O que legitima um poema são as marcas, as cicatrizes, os efeitos concretos da realidade sobre quem o escreve; é a experiência vivida – embora precise existir “calma e frescura na superfície intacta” para deixar que venha à tona e se estruture. Importa muito pouco se é um soneto, um haicai, se são trovas, versos livres e brancos ou redondilhas. Cada poema deve se impor por si mesmo, “com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio.”
Poesia não é antídoto de nada, não é remédio, não relaxa, não dá sono. Ignora rótulos e visões preconcebidas. Como tudo nesta vida, tem suas formas próprias, que devem e precisam ser bem cuidadas para que o poema soe verdadeiro, mas que pouco valem se o que se diz for fraco, falso, artificial, pretensioso. Os puristas que me perdoem, mas um poema tem que ser do mundo, dos outros, da morte, e sempre, sempre da precariedade humana que se recria em palavras. Isso vale também para poemas que falam de uma realidade interior, de sentimentos subjetivos, porque, já dizia Vinicius, “a vida só se dá pra quem se deu”. E acho que não está errado dizer que fazer poesia é um modo bem-sofrido de viver – e por bem-sofrido quero dizer a dor e a alegria, o amor e seus avessos experimentados em profundidade.