quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

HELLO, DOLLY! ABRINDO ESPAÇO PARA VIVER

Por Dorothy Coutinho

Não consigo abrir espaço na minha agenda de não fazer nada, para me cuidar. Mas convivo bem com os meus tropeços diários: esqueço o nome de um conhecido a mim apresentado, não reconheço vozes amigas ao telefone, chamo o Leôncio de Genildo, confundo verbos. Embaralho-me toda, ao relatar um acontecimento, porque acabo me estendendo muito, me perco, enfim tenho sido a rainha dos micos, das gafes.

Ao me defender de um tropeço numa conversa com um legume ele me respondeu: “acerte seu passo sua destrambelhada”. Não costumo dar ouvido às vozes internas ou do além. Prefiro me reconhecer imperfeita por natureza. Mas confesso: alguns dos meus reflexos estão requerendo aposentadoria. Vou ao centro da metrópole de São Lourenço, e não me sinto à vontade para encarar a travessia de pedestres porque não há sinal de trânsito na cidade. Para onde vai aquele povo todo, com tanta pressa? Entro na fila do caixa no imenso hipermercado local e à minha frente umas cinco ou seis pessoas. Prá mim, uma multidão! Começo a bocejar, uma canseira!

Contei essa sensação desagradável numa roda de amigos. Um deles já na décima “lata” de cerveja respondeu: “não se preocupe, isso é preguiça pura”. “Coisa de quem leva uma vidinha bucólica nas pequenas cidades do país”. Gostei do diagnóstico do cara. O clima era de pré-carnaval. Não deu outra: acordei no meio da madrugada sacudida por um pesadelo. Eu era madrinha de bateria, o meu salto ficou preso no asfalto, eu morria atropelada por 300 ritmistas e só fui retirada da pista pelos garis dentro de um tonel de lixo. A preguiça é tanta que até para dormir está difícil. Estou pensando em me consultar no posto de saúde do bairro, ou então quem sabe, arrumar alguma alma caridosa que durma por mim.

O pai de outro amigo submetido a uma operação de safena, agora um criador de passarinhos, também esteve por lá e já anda fazendo planos subversivos! Conversávamos sobre a profissão de um fiscal do IBAMA nos dias de hoje, quando ele saiu-se com essa: “é uma profissão perigosíssima”, pense bem: matar bicho é crime inafiançável. Matar o fiscal, não.

Fui apresentada a um casal: ela, uma jovem mulher e o marido um velho, e falador. Não conseguindo entender o que ele falava, pois tinha a língua presa, quase imóvel, perguntei discretamente o que aconteceu. – Foi um Viagra que ele tomou de mau jeito e fez isso nele. Ele pensou que era pra deixar derreter embaixo da língua e aí deu nisso. A língua empedrou e ele quase nem consegue comer. Ele está de língua dura há mais de um mês - disse-me a jovem senhora. Depois do engasgo involuntário, percebi que meu pulso ainda pulsa!!!!

Na despedida, beijinhos prá cá e trocas de emails prá lá, peguei o rumo para casa, abri meu espaço de bem com a vida, e pensei filosoficamente: “eu tenho um Renoir”!