Por Dorothy Coutinho
Não consigo abrir espaço na minha agenda de não fazer nada, para me cuidar. Mas convivo bem com os meus tropeços diários: esqueço o nome de um conhecido a mim apresentado, não reconheço vozes amigas ao telefone, chamo o Leôncio de Genildo, confundo verbos. Embaralho-me toda, ao relatar um acontecimento, porque acabo me estendendo muito, me perco, enfim tenho sido a rainha dos micos, das gafes.
Ao me defender de um tropeço numa conversa com um legume ele me respondeu: “acerte seu passo sua destrambelhada”. Não costumo dar ouvido às vozes internas ou do além. Prefiro me reconhecer imperfeita por natureza. Mas confesso: alguns dos meus reflexos estão requerendo aposentadoria. Vou ao centro da metrópole de São Lourenço, e não me sinto à vontade para encarar a travessia de pedestres porque não há sinal de trânsito na cidade. Para onde vai aquele povo todo, com tanta pressa? Entro na fila do caixa no imenso hipermercado local e à minha frente umas cinco ou seis pessoas. Prá mim, uma multidão! Começo a bocejar, uma canseira!
Contei essa sensação desagradável numa roda de amigos. Um deles já na décima “lata” de cerveja respondeu: “não se preocupe, isso é preguiça pura”. “Coisa de quem leva uma vidinha bucólica nas pequenas cidades do país”. Gostei do diagnóstico do cara. O clima era de pré-carnaval. Não deu outra: acordei no meio da madrugada sacudida por um pesadelo. Eu era madrinha de bateria, o meu salto ficou preso no asfalto, eu morria atropelada por 300 ritmistas e só fui retirada da pista pelos garis dentro de um tonel de lixo. A preguiça é tanta que até para dormir está difícil. Estou pensando em me consultar no posto de saúde do bairro, ou então quem sabe, arrumar alguma alma caridosa que durma por mim.
O pai de outro amigo submetido a uma operação de safena, agora um criador de passarinhos, também esteve por lá e já anda fazendo planos subversivos! Conversávamos sobre a profissão de um fiscal do IBAMA nos dias de hoje, quando ele saiu-se com essa: “é uma profissão perigosíssima”, pense bem: matar bicho é crime inafiançável. Matar o fiscal, não.
Fui apresentada a um casal: ela, uma jovem mulher e o marido um velho, e falador. Não conseguindo entender o que ele falava, pois tinha a língua presa, quase imóvel, perguntei discretamente o que aconteceu. – Foi um Viagra que ele tomou de mau jeito e fez isso nele. Ele pensou que era pra deixar derreter embaixo da língua e aí deu nisso. A língua empedrou e ele quase nem consegue comer. Ele está de língua dura há mais de um mês - disse-me a jovem senhora. Depois do engasgo involuntário, percebi que meu pulso ainda pulsa!!!!
Na despedida, beijinhos prá cá e trocas de emails prá lá, peguei o rumo para casa, abri meu espaço de bem com a vida, e pensei filosoficamente: “eu tenho um Renoir”!