Por Vera Guimarães
Catálogo de Verão 1964 Imagem: Flickr |
Instigada pela amiga Fal, comecei a pensar no assunto: como nos vestíamos em 1940, 1950, 1960?
No interior de Minas, onde eu vivi até meus 18 anos, completados em 1960, não existia roupa pronta para comprar. Nossas roupas eram feitas sob medida, por alguém de casa ou por costureiras, moças e senhoras habilidosas que viviam de transformar tecidos e linhas em nossos sonhos e desejos. No meu caso, minha irmã mais velha, que já se foi deste mundo, era costureira profissional e também fazia nossas roupas, até ela se casar.
No geral, as costureiras faziam todo tipo de vestimenta, mas algumas se dedicavam a alguma especialidade: havia as que faziam roupa de festa, havia as camiseiras, as que faziam calças compridas (slacks), as que faziam roupa de cama...
Até nossas calcinhas e soutiens eram feitos por costureiras. Os soutiens eram feitos de algodão firme, pespontados para ficarem ainda mais firmes, acolchoados com algum material próprio e quase tão pontudos como os do Jean-Paul Gaultier consagrados por Madonna. As calcinhas eram abotoadas de lado, obrigando-nos a uma ginástica para entrar nelas e delas sair. Éramos jovens e flexíveis.
As modistas, outro nome para costureiras, geralmente trabalhavam em suas próprias casas. Nossa irmã costurava num cômodo separado da casa, um barracão ensolarado, de onde soava a cadência da velha máquina de costura PFAFF e de onde saía seu alegre cantar. Sempre achei uma delicia chegar a um desses lugares, cheios de cortes de tecidos, caixas de aviamentos, linhas coloridas, fitas métricas, moldes, vestidos alinhavados em manequins, fiapos pelo chão, e principalmente os figurinos, ah, os figurinos! Meus preferidos eram os Lana Lobell, americanos, que exibiam moças esguias, em vestidos rodadíssimos e cheios de graça, que tentávamos imitar.
Alceu Penna Foto: Blog Zaz |
Além dos figurinos, nossas fontes de inspiração ou cópia eram o cinema e a revista O CRUZEIRO, onde reinava soberano o imortal Alceu Penna, cujas garotas, encanto dos encantos, eram meu ideal de aparência e, principalmente, de atitude perante a vida: esportivas, bem humoradas, soltas, enturmadas, articuladas, tudo o que eu sonhava para mim.
Escolhido o modelo e o tecido adequado ao modelo, definida a metragem , a tarefa agora era ir às compras. Havia muitas, mas muitas mesmo, lojas de tecidos. Minha mãe tinha suas preferidas, fosse pela variedade, simpatia das vendedoras, preço bom, facilidade de pagamento. Eu adorava acompanhá-la nessas expedições de caça ao tesouro. Se a ocasião - uma formatura, um casamento - exigisse algo mais sofisticado, até se considerava a hipótese de uma ida a Belo Horizonte, onde nos maravilhávamos com o tamanho e o estoque da Casa da Sogra ou da Copacabana Tecidos.
Comprar tecidos nos introduzia num mundo de vocabulário precioso: cetim, cetim de algodão, gorgurão, fustão, tricoline, tafetá, organza, organdi, laise, seda-pura, veludo, shantung, changeant, chiffon, mousseline, crêpe, cambraia, renda valenciana, renda marescot, renda guipure...
Definir com exatidão o que queríamos implicava o uso de um jargão e falávamos com propriedade sobre blusado, enviesado, nesga, manga japonesa, manga fofa, manga ¾, redingote, godet, evasé, plissé, chemisier, palavras que, ademais, nos familiarizavam com a língua francesa.
A confecção das roupas demandava no mínimo duas idas à costureira: tirar medidas e fazer a prova. Dependendo do grau de detalhismo da freguesa ou da profissional, essas provas viravam duas ou três. Finalmente, a emoção de sair da costureira carregando a preciosa carga envolvida em papel de embrulho – lembro-me direitinho dos tons de rosa, verde, amarelo ou azul desses papéis -, fechada nas laterais com alfinetes, por supuesto.
Lá pelo fim da década 1950, começaram a chegar à cidade as lojas de roupas prontas, as confecções, onde comprávamos principalmente roupas de malha, lingerie, as meias e os agasalhos para a escola. Nada muito sofisticado.
Mas, ah, sofisticado, comprado pronto e certamente importado foi o que uma de minhas irmãs ganhou dos patrões, num natal: um conjuntinho de ban-lon, malha macia como eu nunca havia tocado, num amarelinho pastel encantador, aquela coisa mais linda que só se via nas revistas e nem ao menos se podia copiar.
Deve ter sido por aí que começou o domínio das confecções, que investiam no que não podia ser copiado, ao mesmo tempo em que valorizavam suas marcas, suas logomarcas, e assim deslocavam das salas das modistas para as novas lojas o objeto do nosso desejo.
Sei que aos poucos fomos abandonando as costureiras. Guardo delas, e de tudo que cercava seu ofício, lembranças carinhosas.
Ah, os armarinhos do título? Ficam para uma próxima conversa.