quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

CORRESPONDÊNCIA URBANA

Com Ana Paula Medeiros
Professora substituta de História da Cidade e do Urbanismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e doutoranda em Urbanismo, também na FAU-UFRJ, na linha de pesquisa Estrutura, Morfologia e Projeto do Espaço Urbano.
                                                               
                                                                            "Já fui menino de rua,
                                                                           Hoje,sou um homem da estrada”
                                                                            (frase de parachoque de caminhão)

Esta conversa com Ana Paula Medeiros, surgiu de um pedido que lhe fiz para pensar sobre como o urbanista propõe novas cidades para quem tem suas veias na antiga? Lembrava, neste momento, na cidade que brinquei em criança, Nova Friburgo, na serra fluminense, onde meus olhos não encontram mais paragem que denuncie o vivido. Como diz Alline, por  amor de Dadá, alguém me explique com que olhos poderei me ver caso perca todos os meus referenciais, até mesmo a vista do em torno?
Assim como a de alguém que perdeu o que foi soterrado e que nunca será resgatado, a ida dos pertences na lama, tudo o que faz reconhecer cada um como é. Porque, para o bem e para o mal, é assim que nos definimos. 
Preocupo-me também com as UPPS nas favelas, sua intimidade rompida, telhado tocando telhado em desavenças, e encontros e o rasgo da paisagem apascentando o olhar no fim dos becos. Ruas estreitas onde a alma passa por um fio.

Enviei para Ana uma salada doida que ela devolveu assim:

“Claro que eu teria o maior orgulho de dar essa entrevista, ou, como eu prefiro pensar, conversar com vocês sobre isso, Esther. E eu gosto assim, embananado mesmo, sem as perguntas tradicionais. Fico mais à vontade para partilhar elucubrações, emaranhar fios e tecer um pensamento que, assim como eu vejo as cidades, é variado, colorido, confuso às vezes, e que vai construindo sentido em camadas e dimensões ao mesmo tempo distintas e integradas.”

O Le Goff, você sabe, é uma referência sempre importante pra mim, e em “Por amor às Cidades” ele fala tantas coisas que me calam fundo na alma!
Tenho refletido muito sobre essa questão da sustentabilidade, da inserção e interseção das cidades na natureza, essa dupla sempre tomada como dicotomia.

Uma das coisas que eu tenho começado a pensar é que a solução passa justamente por superar essa visão dicotômica e buscar a mais integrada. Eu digo integrada porque me falta uma palavra melhor, talvez fosse "holística", mas eu ainda tenho implicância com essa palavra, porque me soa sempre como se fosse escorregar ou ser interpretada como algo místico ou esotérico, e não é nada disso. Mas romper essa dicotomia significa, entretanto, superar antes de mais nada o nosso narcisismo, que ainda nos coloca como "senhores" do mundo por nomeação divina.


Quanto às favelas, acho oportuníssimo focar os temas que você propõe. Não dá pra negar que as UPPs significaram uma melhoria na qualidade de vida para a maioria das pessoas nas comunidades em que foram instaladas. Mas há um preço a se pagar por isso, e é importantíssimo analisar que preço é esse e, sobretudo, qual o papel das próprias comunidades na escolha das estratégias de ocupação e na gestão dessas novas relações com o Estado.

Eu vejo com muita cautela esse elogio excessivo à face policial do Estado, que coloca a segurança acima de outros valores como a história social, as relações constituídas, os direitos básicos à moradia, saúde, educação. Sonho com uma cidade em que a segurança seja corolário de um estado mais igualitário e equilibrado entre as pessoas e entre as pessoas e o ambiente, e não tenha que ser reivindicada como pré-condição para todo o resto.

Acabei de ser aprovada para o doutorado, na UFRJ, com um projeto de tese que pretende estudar um tema destes, com foco nos subúrbios da Leopoldina, buscando identificar estratégias de planejamento e de projeto urbano para as áreas de franja entre a cidade dita formal e a informal, partindo da hipótese de que estas estratégias, para serem bem sucedidas, precisam necessariamente incorporar a participação popular (não apenas como meia dúzia de entrevistinhas pra dizer que "consultou" a comunidade, mas como sujeitos e agentes da elaboração do projeto), e a valorização da história do lugar e das pessoas, incluídos aí não só o patrimônio construído, como testemunho de uma determinada maneira de construir a cidade, mas também o patrimônio imaterial, sob a forma de relações sociais, culturais e de memória afetiva. Ou seja, eu arrisco dizer que nossos projetos precisam ser menos formais, menos ortodoxos, menos grandiosos, e buscar uma escala mais humana, mais confortável, mais inclusiva, social e ambientalmente.