Esta seção fará uma viagem pelo Brasil através dos olhos de seus habitantes... Caminhar pelas estradas, vicinais, atravessar pinguelas, mataburros, entrar nas cidades, conhecer suas intimidades e delas partilhar. Quem sabe, ousar em sugerir que, ao ler as descrições cada um possa sentir sabores e perfumes de Pindorama, esta terra extensa e larga onde todos são donos, mas ninguém assume responsabilidades.
Seguiremos hoje os passos de “Eva Miranda, que é mais amazonense do que brasileira, administradora e funcionária pública federal. Tem vinte e cinco anos de sonho, de sangue e de América do Sul. Além disso, todas as tardes ela estuda Teatro na Universidade do Estado do Amazonas, enquanto sonha com dias de 50 horas”.
Conheceremos seu cotidiano, e deitaremos na rede que ela nos oferece.
Boa viagem, nesta BR.
Hoje, MANAUS.
(ELB)
UM DIA PERFEITO EM MANAUSPor Eva Miranda
| Do alto, da janela do avião, visão do nascer do sol, tendo como palco o Rio Amazonas. Crédito: Lucia Barreiros da Silva. |
Para se ter um dia perfeito em Manaus, você precisa começar pelo início: o nascer do sol. Assistir ao sol nascendo numa latitude tão baixa requer algum sacrifício: o sol normalmente aparece no horizonte às 05h30, ou antes.
Você precisa torcer para que não amanheça chovendo. Porque em Manaus, especialmente de novembro a março, todo dia é dia de chuva. E a chuva cai (ou melhor, despenca) às quatro da madrugada, à uma da tarde e, dependendo do dia, às sete e meia da noite. Mas também há os dias em que amanhece e anoitece chovendo, aquela chuva ininterrupta, céu branco, e os amazonenses tiram dos armários as blusas de manga comprida e se orgulham de tiritar de "frio". Eu, boa amazonense que sou, quando o termômetro marca 26 graus, estou a um passo hipotermia. Juro.
Mas caso não amanheça chovendo, estamos próximos de um dia perfeito em Manaus. O céu amanhecerá azul com bolinhas brancas. Ou, sendo mais justa, o céu estará gloriosamente azul rebordado de nuvens brancas, enquanto um sol de ouro inunda a cidade de luz.
Às sete da manhã (quando é mais fresquinho), você estará suando e sofrendo com uma temperatura de 29 graus. Excelente momento pra tomar um café regional.
Curiosamente, não se usa muito o termo culinária amazonense; o usual é culinária REGIONAL mesmo. Provavelmente, o amazonense se reconhece como parte de uma identidade amazônica, compartilhada generosamente com os outros Estados do Norte. São sete estados diferentes, mas com tempero semelhante.
Café Regional significa:
a) o desjejum com elementos da culinária local;
b) o lugar que oferece este tipo de refeição. Em Manaus, tomar café na rua, na calçada, é muito usual. Minhas colegas de trabalho chegam às oito da manhã, carregando dentro de saquinhos plásticos uma tapioquinha na mão direita, e um suco ou café com leite na mão esquerda. Fumegando, comprados na banquinha em frente à repartição.
Há também o hábito de tomar "café regional na estrada". A família acorda às sete da manhã, permanece em jejum, entra no carro, pega a estrada, e após uma hora na BR - 174, quase chegando em Presidente Figueiredo , chega a um Café Regional. Não sei qual o milagre que permite que ninguém desfaleça de fome no caminho, mas provavelmente os deuses da floresta amparam os gulosos. Aos domingos, é usual ver os estabelecimentos lotados - e há Cafés Regionais para todos os bolsos e exigências de higiene.
Um bom café regional vai te oferecer sucos deliciosos e (Deus existe!) gelados. Pode contar com a presença de sucos de cupuaçu, goiaba, maracujá, e, se o café for de responsa, graviola e caju. Também deve haver o indispensável café com leite.
| X-Caboquinho: o sanduíche regional |
Comece com um x-caboquinho: pão francês na chapa com queijo coalho e lascas de tucumã, uma fruta laranja, salobra e gordurosa, que, acreditem ou não no que eu digo, é boa. Depois do sanduíche, coma tapioquinha. Com tucumã, sem tucumã, com queijo coalho, com queijo normal, com castanha, com leite condensado, com margarina, derretendo, saindo fumaça, o amido levado às últimas consequências.
Ah, e frutas. Você certamente terá abacaxi gelado (e o abacaxi do Norte é doce, amarelinho, não é aquela coisa branca e corrosiva do Sul e Sudeste), melão regional gelado (e o melão daqui é rosado e doce, não é aquela coisa verdolenga e salobra do Sudeste), melancia gelada, manga gelada, pois realmente Deus existe e o ser humano inventou a geladeira.
| Banana verde frita |
Mas cuidado ao fartar-se de frutas, porque você deve reservar um lugarzinho para comer banana frita. E em Manaus, a banana frita atingiu seu nível de excelência, meus queridos. Você pode decidir entre a banana frita doce com calda, doce sem calda, salgada macia, salgada crocante (que a Elma Chips ainda não descobriu), bolinho de banana verde frita. Dizem que os esquimós têm onze palavras para neve; não entendo como o amazonense ainda não criou termos específicos para as inúmeras variedades de preparo da banana frita. Você ainda não teve uma congestão? Vai um bolo de macaxeira com erva-doce, ou um bolo de tapioca? Mingau de banana, de tapioca ou de milho branco - que você chamará de mungunzá?
Para fazer a digestão dessas delícias todas, bom mesmo era deitar numa rede, mas vamos fazer uma caminhada. Venha comigo, eu te levo pela mão. Em outro dia eu te mostro a cidade.
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| Eva contra onça |
