quinta-feira, 29 de novembro de 2012

VOCÊ MERECE O MELHOR

Por Elaine Pereira




Vi isso umas duas ou três vezes, e a cada vez que vejo fico mais indignada. Só uma observação – eu não sou feminista porque acho uma chatice, ainda gosto de quem me ajude com a força física porque isso não me diminui em nada. E educação nunca fez mal para ninguém. 

Mas esse comercial do nome que eu fiz questão de memorizar para NUNCA comprar, é de matar. Muito se falou a respeito do comercial de uma loja de roupas que dizia que a mulher passava o ano todo sem comer para ficar linda e entrar nas roupas da loja. Foi obviamente um tiro no pé, e vamos combinar que o publicitário que concebeu e o cliente que aprovou não têm a menor noção. 

O que me espanta é que nada se disse deste. Vejamos. “Eu sempre sonhei com um marido bonito, alto, inteligente...” Vamos por partes – ela sempre sonhou com um marido. O marido é bonito, alto e inteligente, e de repente no porta-retrato ele vira médico!!! Bonito, alto, inteligente E médico. 

Os homens normais, feios, de estatura média ou baixinhos, e de todas as outras profissões que não estejam na área da medicina, e portanto não são inteligentes, não são o melhor, porque segundo a narração continua, “você sempre sonha com o melhor”. 

Eu nem sei por onde começar porque a coisa toda é tão ridícula e fora do tempo que me deixa sem palavras. Um comercial desses nos anos 50 seria aceitável e até os 60 passável. Mas hoje??? Quem é essa mulher? A “esposa (palavra horrível e equivocadamente usada pela laia referida) de médico”? Em geral os médicos escolhem mulheres que nem sabem pra que serve o produto anunciado. Ou sabem, mas tem coisas melhores para discutir. 

E que mulher é essa que fica em casa vestida impecavelmente e fazendo a faxina – note-se que dos cabelos não escapa nem um fio. Vestida de branco? Para lavar o banheiro? E logo em seguida, depois de faxinar toda casa, porque o cloro dos seus sonhos é multiuso, vem o Prince Charming, joga um olhar e diz com voz de travesseiro – “Vamos?” Vamos para onde? Faxinar o quintal? Lavar os outros banheiros da casa? Ou com cheiro de cloro mesmo ela vai a uma festa? Ou eles vão concretizar seu amor perfeito porque eles e a casa merecem o melhor? 

Bom, minhas interrogações e exclamações expressaram minha indignação. Claro que não muda nada, e o que eu disse sobre o publicitário foi só de raiva mesmo porque uma empresa desse porte não aprovaria uma barbaridade dessas sem saber que tem público alvo para isso. Eu só faço votos que o público alvo seja nossas avós, que viveram nesse tempo. Espero de coração que ainda não existam meninas esperando o moço bonito, alto e inteligente. E muito menos os médicos, que devem ser ocupados pacas pra se preocuparem com o cloro usado para lavar o banheiro de casa. 

Meninas, sejam seu homem bonito, alto e inteligente. Eu não sou mais menina, já aprendi, o Príncipe Encantado é um sapão disfarçado, e por mais que a mídia tente nos convencer que é ele que queremos, e que queremos ser magérrimas, altas, de cabelo escorrido custe o que custar, louríssimas e ainda dar conta de ser boa profissional, boa mãe, boa de cama, e quando abrimos a boca ninguém finge que não nos conhece, é tudo mentira. A gente pode ser o que quiser e o que conseguir ser. Aspirar o melhor é louvável, fundamental e faz bem pra pele. Mas é vital saber o que é o melhor.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

GROSSEIRO, MAS PROFUNDO!


Por Dorothy Coutinho

Google Images
Assim como o Latim Vulgar, o Português Vulgar vingará plenamente um dia. Afinal é o povo que faz sua língua. Falo dos palavrões que não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos que surgem ao longo das nossas vidas para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos, sem que isso signifique a “vulgarização” do nosso idioma e sim a aproximação com as ruas, escritórios, com as emoções, nosso jeito, nossa índole.

“Pra Caralho”, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade? “Pra Caralho” tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas Pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o Universo é antigo pra caralho e eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do “Pra Caralho”, para expressar a mais absoluta negação, está o famoso “Nem fodendo!” que vem a ser o “Não, Não e Não” que substituiu o “Não, absolutamente não” - expressão já sem nenhuma credibilidade. “Nem fodendo” liquida o assunto e te deixa com a consciência tranquila para outras atividades de maior interesse em sua vida.

Por sua vez, o desabafo “Porra nenhuma” atende plenamente as situações onde nosso ego exige a definição de uma negação, e é também o cinismo, o escárnio contra descaradas mentiras. Exemplo: “aquele cara” não é “PHD porra nenhuma” o que nos causa sensações de incrível bem estar interior, ao fazer a tardia, mas justa denúncia pública de um canalha.

Pensemos na sonoridade de um “Puta Que Pariu!”, ou seu correlato “Puta-que-o-pariu”, falado assim cadenciadamente sílaba por sílaba, diante de uma notícia irritante. Um “Puta-que-o-pariu” dito assim te coloca outra vez em seu eixo, da aos seus neurônios o devido tempo para se reorganizar e sacar a atitude que permitirá o merecido troco ou se safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do nosso famoso e charmoso “Vai Tomar no Cú?” e da sua maravilhosa e reforçadora derivação “vai tomar no olho do seu cú!”? Já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus, quando passando o limite do suportável, se dirige ao canalha interlocutor e manda essa reação: “Chega! Basta! Não aguento mais – Vai tomar no olho do seu cú!”. Pronto, você retoma as rédeas de sua vida, sua auto-estima.

Seria uma injustiça não registrar a expressão de maior poder de definição da Língua, do nosso Português Vulgar: “Fodeu” e sua derivação mais avassaladora ainda. “Fodeu de vez!”. Não conheço definição mais exata para uma situação que atingiu o grau máximo de uma ameaçadora e perigosa complicação, algo assim: você está dirigindo bêbado, sem documento do carro e sem carteira de habilitação, quando ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar. O que você fala??: – “Fodeu de vez!”.

Lembrando que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de “foda-se!” que ela fala. Não existe nada mais libertário do que o conceito do “foda-se!”. O “foda-se!” aumenta a auto-estima, torna uma pessoa melhor, reorganiza as coisas, liberta: “Não quer sair comigo? Então foda-se!” Vai querer decidir essa merda sozinho mesmo? Então foda-se!”. O direito ao “foda-se!” deveria estar assegurado na Constituição Federal. “Liberdade, igualdade, Fraternidade e Foda-se!”. E, se a língua é viva, inculta, bela e mal-criada, nem o melhor professor do mundo explicaria melhor. “Nem fodendo!”

Grosseiro, mas profundo!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A paz é uma rua de mão dupla



 

A violência não brota do nada. E não tem só uma ou duas causas nem caras. Não pode ser reduzida a fórmulas, como se tende a fazer nas situações limite. Do mesmo jeito esse objeto de desejo de tanta gente chamado paz. Assim como violência gera mais violência, uma cara cordial, um olhar amigável e um sorriso desarmado convocam a paz no interlocutor. Pode ser impossível em alguns poucos casos; mas na maioria das vezes não só é possível como muito agradável. E faz bem à saúde.
As discussões sobre o assunto terminam muitas vezes num charco estéril de narcisismo. Argumentos irredutíveis, que perdem de vista a questão concreta, não servem para nada.
As discordâncias conceituais têm que existir e devem ser debatidas. Mas se vierem pela voz da prepotência e da vaidade, perdem sua razão de ser e servem apenas para engrossar o arsenal das farpas, muito útil a quem pretende aproveitar a crise para se projetar ou tirar vantagem dela. Será que isso não é manifestação de violência?
No imaginário coletivo as represálias e a vingança parecem ter-se tornado recursos legítimos contra quem, com ou sem intenção, cria obstáculos ao interesse de alguém. A primeira atitude das pessoas é o revide, que vai das palavras à agressão física. Refletir um pouco nessas horas é um santo remédio para não pagar mico. Apesar das aparências, quem mantém o autocontrole numa situação de confronto merece o respeito de todos.
Violência tem graus, mas não escalas que a tornem mensurável. É contagiosa, mas não existe medicamento eficaz contra ela, a não ser que se consiga uma mudança íntima, pessoal, pela qual alguém se disponha a ceder um pouco, ou ao menos mostrar-se aberto a isso, em nome de um entendimento melhor com o próximo.
O mundo não se divide em pessoas boas e más como se já estivesse tudo resolvido. Nada está resolvido, nem vai estar nunca. Sempre há o que melhorar em nossa vida. Mas isso só acontece quando estamos convencidos de que a paz resulta de uma atitude alerta para compreender, avaliar com lucidez e livre da cegueira da ira, tão frequente nestes dias de brutalidade. Se a mudança não começar dentro de cada um, podemos dizer adeus à paz e à esperança de viver melhor.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

TENHO RAIVA DE SENTIR RAIVA

Por Ana Laura Diniz


Raiva é sentimento complicado, e as pessoas pouco gostam de admitir quando a sentem. Acham que é desprezível, de menor valia... sentem, mas se envergonham, tentam passar ilesas, fingir que são incapazes de nutri-la.

Eu sinto raiva. Quando me sinto desprezada. Quando me preocupo com quem não se preocupa. Quando me sinto trajada num papel de otária. 

Odeio me sentir paspalha. Por mais idiota possa ser o humano. Por mais primitivo seja sentir raiva.

O bom da raiva (e tudo tem o lado positivo) é que ela antagonicamente faz qualquer indivíduo se sentir mais vivo. Comigo, se ela é grande, sinto imediatamente o sangue fluir com rapidez e exatidão nas veias; os olhos se agigantam de tal maneira que parecem cuspir faísca. E devem cuspir.

Dou choque. Se abro porta de carro, levo choque. E para não falar tudo exatamente o que penso, calo-me por fora, explodo por dentro.
...
Tudo isso para as horas passarem. As palavras que feririam fundo escaparem... ou ao menos, que passe tempo suficiente para que, se elas ficarem, percam sua virilidade, força.
...
Penso em milhões de coisas quando sinto raiva. Muitas válidas, outras não. Eu sei, mas não sei. Pouco importa. 

O que importa mesmo nessa hora é a navalha na carne. Da palavra dita, não dita, pensada. Da palavra guardada que dá medo de virar câncer. (É melhor dizer que guardar, afinal? Extravazar o sentimento ou engolir seco como se nada tivesse acontecido?).
...
O bom é quando você já sabe que aquilo que te preocupava não tem mais valia, mas tendo ficado estressadíssima enquanto pensava em mil tragédias urbanas, você então se dá o direito de ficar puta, putíssima, porque otariamente perdeu tempo em se preocupar com o que não devia, não podia. Porque essa ação foi solitária, via de mão única. O que te faz ter certeza da parte que lhe cabe neste ou naquele latifúndio. 
...
Raiva. Ira. Quarto percado capital. É o intenso e descontrolado sentimento que pode ou não gerar vingança - pelo simples desejo de destruir aquilo ou aquele que provocou sua ira. É o que conflita, por fim, o agente causador da ira e o irado. 
...
Tenho raiva de sentir raiva. 
...
A raiva cega. Anula. Ensurdece.
...
Já experimentou dormir se sente raiva? Vazo as horas como se fossem segundos. E nada de colar os olhos.
...
Raiva. Ódio. Ira. Lembra você, caro(a) leitor(a), a última vez que a sentiu?

terça-feira, 20 de novembro de 2012

QUITANDA DA VIDA --- VENDE-SE






Esther Lucio Bittencourt (interina)

quitanda antiga(foto google)


Quando foi criado o título para esta coluna não pensamos somente no tempo gasto em quitantas, armazéns, shoppings, atualmente, e supermercados na vida de uma pessoa.

Sabemos também que a vida é uma quitanda, daí : Quitanda da vida.

Por exemplo, eu tenho a oferecer algo que o dinheiro compra, mas uma outra coisa que não há como ser paga, como afeto, compreensão, carinho.
E o que o dinheiro compra em mim? o pacto com o sistema.
Por mais que o desdiga sempre pactuamos com ele pous somos consumidoras natas e nos beneficiamos do que ele oferece.

 Hoje, nesta Quitanda da Vida, vende-se a possibilidade de resumo.
Mas para que serve? perguntarão vocês.
Nem eu sei, confesso.
Claro que ter a capacidade de resumir alguma coisa representa foco e  observação.

Por exemplo, e hoje estou cheia de exemplos, se fosse resumir a vida de uma pessoa, digamos que o chefe da redação me pedisse que fizesse isto em lauda de 30 linhas com 72 toques, precisaria tirar o sumo do sumo ou como na homeopatia dinamizar.

Vamos fazer um resumo de almoço, por exemplo:

feijão preto ou lentinha
abóbola madura
couve rasgada
curry
gengibre e páprica

Cozinhe o feijão sem deixar que o grão se desmanche. Feijão ao dente. Coloque pouca água para que ele fique seco.
Em seguida vem a abóbora em pedaços graúdos, e a couve rasgada.

Esqueci de recomendar azeite e sal. O feijão é cozido em alho desidratado e somente água, pouca água, como já disse. Depois da couve, curry ao gosto, assim como os demais ingredientes regue abundantemente com azeite virgem.

Sirva com banana assada no açúcar e canela.
E depois me conte.

Mas afinal, que droga de resumo vende-se hoje?
Esqueci de informar: está na oferta do dia, pendurada na porta de entrada da quitanda: um abraço apertado, suspiro drobrado de amor sem fim com Faísaca e Espoleta. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh.





segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A vida de cada um





Dade Amorim


É bem comum as coisas acontecerem fora das grandes linhas, muito mais na cabeça ou na pele das pessoas do que no plano objetivo. Jogando com palavras como quem joga com espelhos, pode-se chamar realidade a um conjunto de planos encadeados onde a imagem que aparece aos olhos do observador é fruto de um intrincado de outras imagens, total ou parcialmente invisíveis, por causa das quais se chega a ver alguma coisa, imagens que no entanto permanecem preservadas na penumbra dos aposentos, nas distâncias do tempo e do espaço e nos limites, voluntários ou não, do silêncio. É provavelmente o plano privilegiado do individualismo, porque é fácil nesse estágio dar de ombros para os outros. É fácil seguir adiante, e até já se consagrou essa atitude com o célebre não tenho nada com isso, e se ensina às crianças não se meterem na vida dos outros.
Mas é difícil dizer isso quando se vê adiante, quando se devassa o domínio que está por trás do primeiro plano, da imagem pública. Mais difícil ainda quando a imagem secreta extravasa e se mostra a olhos um pouco menos incautos.
O ser humano se identifica na imagem menos exibível do outro, no sofrimento do que poderia ser e não é, inspirado por sentimentos ditos nobres que acionam seus recursos, a bagagem de suas experiências, e o levam a querer resolver problemas que poderiam ser seus – ou aproveitar-se deles em benefício próprio.
A fraqueza de alguém serve no mínimo para exaltar o cavaleiro andante que há em cada pessoa. Mas para cada masoquista solto no mundo existe pelo menos um sádico atento.
Ninguém é somente uma imagem de primeiro plano. Por trás dessa imagem visível, a dos jornais, a dos olhos alheios, toda uma sementeira se plantou, o caleidoscópio girou muitas vezes, e o que o garimpo do tempo deixou passar foi, no mínimo, uma falsa pepita. Por isso, cuidado. Não se deve deixar grassar o engano.
Não se trata do lobo em pele de cordeiro que todos nós somos, ao menos de vez em quando. Trata-se de coisa mais sutil e imponderável. Coisa que pode fazer de um marido de muitos anos um completo estranho; de um amigo dos tempos de escola uma completa surpresa e de um filho um inesperado inimigo.
É importante que não se esqueça nunca de ir, progressiva ou retroativamente, colocando na balança os dados novos e tirando dela os que deixaram de existir (às vezes os dados se anulam uns aos outros). Mesmo assim, com todas as precauções, pode-se subestimar ou até deixar de perceber fatores importantes. E ter a surpresa de, na primavera, encontrar uma árvore seca e crestada, e no verão acordar sentindo frio.
Por isso é preciso registrar, de vez em quando, que as grandes linhas – nascimentos, casamento, filhos, separações, doenças e mortes – são a um tempo os dados da imagem pública, a biografia do homem civil e o resultado de uma montagem cujas peças começam na cabeça ou na pele das pessoas. Esses fatos civis, universais e noticiáveis têm uma estrutura íntima, imponderável, pessoal e secreta, que resulta em grandes paineis de mosaicos e cores só previsíveis se formos capazes das sutilezas de observação e autoidentificação.
Consegue-se tal observação com certa dose de isenção sem indiferença, solidariedade sem pena e lucidez sem frieza excessiva. E acima de tudo com raízes fincadas na certeza fértil de que ninguém é tecido por fio único, tem uma só cor ou brilha sempre com a mesma intensidade. Porque até nosso rosto é sempre outro, ao longo do tempo, e de nossos cabelos não se espera senão que embranqueçam.

domingo, 18 de novembro de 2012

ROUPAS DE ESTIMAÇÃO

Por Vera Guimarães



Em recente debate literário com amigas, uma delas destacou, no livro A SOCIEDADE LITERÁRIA E A TORTA DE CASCA DE BATATA, o trecho em que a protagonista se culpa por comprar roupas novas, sob o argumento de que a própria Rainha-Mãe, durante aqueles tempos duros do pós-II Guerra, não comprou um único vestido. 


Uma outra amiga, tendo que ir a evento formal, dizia que não queria comprar roupa, que já as tinha em demasia, por que sempre temos que comprar mais? De fato, vasculhou armários, desentocou blusa linda e esquecida, combinou com saia, atualizou o conjunto com laçarote e foi pro casamento “linda como sempre”. 

Hoje, com a velocidade da moda e o apelo por compras, não ficamos muito tempo com nossas roupas. Ou, se ficamos, elas acabam esquecidas em fundos de armários, substituídas por novidades. Acabamos não estabelecendo com elas qualquer relação de afeto e companheirismo. 

Não vou dizer que consumismo é sempre absurdo. Essa prática moderna tem seu lado perverso, mas devo reconhecer que meu luxo é também o emprego do outro. 

Conservar ou descartar roupas e outros objetos tem a ver com nossos próprios hábitos de acumulação, que diferem de pessoa pra pessoa. Eu às vezes me considero acumuladora. Olho dentro do armário e vejo roupas que não uso há mais de ano. Hoje, exatamente hoje, fiquei feliz da vida porque filha mais velha saiu daqui com um meu vestido que eu sempre soube que é lindo, mas que, por algum motivo, não me deixava confortável. Hoje ele encontrou seu destino. 

Às vezes me considero descartadora, principalmente quando, depois de anos, vejo que a moda deu volta e aquela antiga carteira de couro azul ficaria linda com a saia nova. 

Ao longo da minha vida, varias roupas, sapatos e acessórios tiveram tempo para construir comigo uma relação de amizade, que hoje é saudade. 

Em cima da cômoda, no retrato envelhecido, estamos minha irmã imediatamente mais velha e eu, ela com cinco e eu com dois anos. Vejo a barra da saia toda bordada com galinha e pintinhos. Juro que não me lembro dessa roupa, mas tenho a sua memória construída por carinhosas e insistentes referências. Todas as vezes em que esse retrato saía da caixa, ainda na velha casa de minha mãe, alguém puxava o assunto para o detalhe da barra bordada. Alguém bordou ponto a ponto aquele vestidinho. 

Muitas roupas estão vivas na memória, não só na memória suscitada por fotos, mas pelos outros sentidos. Ainda sinto o organdi arrematado com ponto ajour pinicando meu pescoço. Escuto o farfalhar do tafetá do meu vestido de formatura. Minha retina sabe exatamente o tom de amarelo do vestido rodado de cetim de algodão que dançou comigo em noites de encantamento ou de frustração. Sinto o cheiro da blusa de lã lavada com sabão em flocos LUX. Sinto o peso das anáguas engomadas, peso no corpo e na consciência, já que nunca era eu que as engomava, mas minha mãe. 

Quando chega a hora de descartar alguma roupa? Até ontem ela estava ótima, a partir de hoje não serve mais. Por quê? Fastio? Desbotou-se? Engordei? Emagreci? 

Por exemplo, acho que foi precipitado descartar a jaquetinha azul-escuro, com duas fileiras de flores bordadas. Quando a filha adolescente a viu no retrato e se interessou por ela já era tarde. 

Devia ser por antecipar o arrependimento que meu filho mais novo relutava tanto em se desfazer das roupas. Hoje, casado com mulher organizada e cuidadosa, tem que descartar suas camisas rasgadas e desbotadas. Mas, enquanto vivia conosco, conservava por anos seguidos roupas que já haviam perdido a decência há muito tempo. Gostou tanto de um determinado short que, sempre magro, o usou dos 12 aos 20 anos, até a peça literalmente virar frangalhos. Uma certa camiseta foi usada com um rasgo que partia do lado esquerdo na frente, dava a volta na cintura e se segurava por alguns centímetros antes de chegar na frente de novo. 

Eu já devia suspeitar que ele seria assim quando, vestindo o menino pequeno, de seus três anos, argumentei que a camisa escolhida estava apertada, que deveríamos pegar outra, que aquela não servia mais, e ouvi: “Serve, sim, mãe, é só não respirar!” 



sábado, 17 de novembro de 2012

A LENDA DE NAIPI E TAROBÁ- 84, CHARING CROSS

Por Esther Lucio Bittencourt


Compramos deliciosas cashimires e, no final da tarde, exaustas, conseguimos um restaurante onde tomamos um suco divino e apreciamos os índios vendendo colares, mantas, ponchos pelas ruas. Algumas mulheres índias com seus filhos ao colo eram lindas, assim como as crianças coradas de rosto redondo. Voltamos para Foz do Iguaçú para a casa de minha sobrinha e jantamos arroz integral. Os olhos repletos de maravilhas.

Garganta do diabo

 

Em nosso passeio pelas cataratas de Foz do Iguaçu, carro estacionado, pegamos um trem que nos levou até à estação Garganta do Diabo, onde já se ouve o som das quedas d'água, e o corpo sente a força impressionante deste rugido. Formadas há aproximadamente 150 milhões de anos, são 275 quedas isoladas, que formam uma única em tempo de cheia.

Quando fomos, elas estavam começando a encher. A estiagem prolongada fizera com que se transformassem em filetes de água. Foi o que me contaram. O Rio Iguaçu, cujo nome em tupi guarani significa "água grande", nasce próximo à Serra do Mar e percorre 1.320 km até a foz, desaguando no Rio Paraná.

Após uma ampla curva e uma corredeira, o leito principal do rio, onde está a fronteira Brasil-Argentina, precipita-se em uma profunda fenda de erosão, formando a Garganta do Diabo. Ele chega a medir 1.200 metros de largura acima das Cataratas, estreitando-se até 65 metros no canyon formado após as quedas. A extensão das Cataratas é de 800 metros no lado brasileiro e 1.900 metros no lado argentino, resultando numa largura total de 2.700 metros com formato semicircular. Dependendo da vazão do rio, o número de saltos varia de 150 a 300, e a altura das quedas varia de 40 a 82 metros.

A vazão média do rio é de 1.500 m3 por segundo, variando de 300 m3/s nas ocasiões de seca e de 6.500 m3/s nas cheias. Estas informações são recolhidas num museu próximo à entrada das cataratas, do lado brasileiro, onde o piso é todo de vidro transparente.

Mas o triste desta história é que os índios Caigangues, habitantes das margens do Rio Iguaçu, acreditavam que o mundo era governado por M'Boy, um deus que tinha a forma de serpente e era filho de Tupã. Igobi, que era o cacique da tribo tinha uma filha chamada Naipi. Tão bonita que as águas do rio paravam quando a jovem nelas se mirava. Por culpa de sua beleza, Naipi foi consagrada ao deus M'Boy, e vivia somente para o seu culto. Entre os Caigangues, havia um jovem guerreiro chamado Tarobá. Ao ver Naipi, um belo dia, caiu duro para trás, pumba, se apaixonou. No dia da festa de consagração de Naipi, enquanto o cacique e o pajé bebiam cauim (bebida feita de milho fermentado) e os guerreiros dançavam, Tarobá aproveitou e fugiu com ela numa canoa rio abaixo, arrastada pela correnteza. M'Boy (hoje, nome de DJ) percebeu a fuga de Naipi e Tarobá e ficou furioso. Penetrou as entranhas da terra retorceu o corpo até fazer enorme fenda onde se formou uma gigantesca catarata. As águas revoltas engoliram a canoa com os fugitivos que caíram de grande altura desaparecendo para sempre.

Diz a lenda que Naipi foi transformada em uma das rochas centrais das cataratas, perpetuamente fustigada pelas águas revoltas e Tarobá convertido em uma palmeira situada à beira de um abismo, inclinada sobre a garganta do rio. Debaixo dessa palmeira acha-se a entrada de uma gruta sob a Garganta do Diabo onde M`Boy, o monstro vingativo vigia eternamente as duas vítimas.

Regina Branco, companheira de viagem 
Visitamos várias cidades e até arriscamos chegar perto de Buenos Aires de carro. Mas a Berlingo enguiçou, pifou e retornamos para Foz. De lá para Maringá, levadas por uma Meriva que a Citröen colocou à nossa disposição e, depois, voltei para Caxambu/MG. Regina teimou em ficar na cidade, mesmo sabendo dos casos de dengue. Mesmo sabendo que as peças ainda seriam resgatadas na França para consertar o carro. 

Enfim, alguns dias depois, veio ela também, sem o carro, para Caxambu - que tem um Parque das Águas com 12  fontes de água mineral, cada uma com propriedade diversa da outra.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

"O SEGREDO DE LUÍSA", DE FERNANDO DOLABELA, FORNECE INSIGTHS SOBRE EMPREENDEDORISMO

Por Ana Laura Diniz




QUAL A SUA INTERPRETAÇÃO
SOBRE EMPREENDEDORISMO E A
IMPORTÂNCIA DESSE CONHECIMENTO
PARA A SOCIEDADE?


Ouviu a palavra empreendedorismo e pensou em ação imediata? Ótimo. Mas se ao contrário, o termo remeter a você apenas a ideia de negócio, conversa de empresário, vale o alerta: mais do que reciclar os seus pensamentos, é momento de reavaliar o seu comportamento diante da vida.

O dicionário Houaiss define a palavra da seguinte maneira: 1 disposição ou capacidade de idealizar, coordenar e realizar projetos, serviços, negócios; 2 iniciativa de implementar novos negócios ou mudanças em empresas já existentes, ger. com alterações que envolvem inovação e riscos; 3 Derivação: por metonímia. conjunto de conhecimentos relacionados a essa forma de agir. Mas segundo o professor e escritor Fernando Dolabela, autor de O segredo de Luísa, “o empreendedor é definido pela forma de ser, e não pela maneira de fazer. A meta é que todos se preparem para empreender na vida”. Mas como?!

Antes de se desesperar, respire calmamente. E pense: a sua vida está hoje da forma como a imaginou? Se sim, sinta-se satisfeito e com sorte, pois essa sensação de bem-estar é cada vez mais rara nos dias de hoje. Se não, pense, em que momento da vida (ou por qual motivo) você abandonou os seus sonhos? E aí, quase que inevitavelmente, perceberá: empreendedorismo é, na verdade, a capacidade que todos têm de transformar sonhos em realidade. Portanto, independe se você é dono do seu próprio negócio, se decide vender goiabada cascão – a exemplo da personagem Luísa, criada por Dolabela –, ou funcionário de firma qualquer. Se é um executivo ou uma pessoa que se dedique apenas ao lar. A pergunta que vale é outra: você é bom naquilo que se propõe a fazer? Mais. Você se sente realizado com o que faz? Você agrega valor à sociedade – de maneira positiva, claro! – com aquilo que executa? Ou age apenas sob a tutela de interesse próprio, de forma egoísta na obtenção de lucro exacerbado?

“O fundamento do empreendedorismo é a cidadania. (...) Visa a construção do bem-estar coletivo, do espírito comunitário, da cooperação. (...) Só pode ser chamado de empreendedor aquele que gera valor positivo para a coletividade, incluída aqui, evidentemente, toda a natureza. (...) O empreendedor é o responsável pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento social. Por meio da inovação, dinamiza a economia. (...) O empreendedor é um insatisfeito que transforma seu inconformismo em descobertas e propostas positivas para si mesmo e para os outros. É alguém que prefere seguir caminhos não percorridos, que define a partir do indefinido, acredita que seus atos podem gerar consequências”, afirma Dolabela. 

Concordo com o autor. Há quase dez anos, publicamos uma reportagem que sustentava o seguinte slogan: “para presidente do Brasil, vote em uma dona de casa”. É desnecessário dizer que a matéria teve grande repercussão. As pessoas ficaram muito assustadas com essa possibilidade de governabilidade, mas a ideia era até bem básica: se uma dona de casa administra com cuidado, capricho e dedica atenção a todos os “departamentos” de um lar, cuidando inclusive do seu orçamento mensal, ela seria capaz de repetir esses feitos cuidando bem do país. E aí, fazendo paralelos com os diversos matizes da administração de uma casa/lar com os ministérios então necessários para gerir a nação, era possível definir metas, traçar planos a curto, médio e longo prazos: como uma despensa é igualmente pensada ao ser abastecida – e o mais importante, varrer e jogar fora o que é lixo, o que não presta, o que impede a casa/sociedade de prosperar.

Em suma, não importa o que se queira ser na vida, mas a forma como faz para ser o que se deseja é que fará a diferença entre um ser comum e um ser que aprende e empreende. “Sabe-se que o empreendedorismo é um fenômeno cultural, ou seja, é fruto de hábitos, práticas e valores das pessoas. Existem famílias mais empreendedoras que as outras”, esclarece Dolabela.

Certamente. Se todos entendêssemos a vida como uma empresa, poderíamos, e seríamos, empreendedores de nossos sonhos. Afinal de contas, o futuro é algo pelo qual vale investir. Mas quem é que ainda se importa com sonhos?

Você sonha? Você é aquilo que sonhou? O que você é? O que você tem?

Entre o ter e o ser, nos idos da década de 50, ganhando maturidade na de 60, alguns jovens cineastas brasileiros subverteram a maneira de fazer os filmes sob o mote de “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”. Com a falência das grandes companhias cinematográficas, a ideia nasceu para promover uma arte mais realista, com mais conteúdo e, obrigatoriamente, com menor custo. Tudo valia para romper a inércia, com o costume da época. Diretores ousaram então com novos ângulos, jogos de câmera inusitados, novas formas de se contar um enredo, e fizeram história dentro da História. O velho Cinema ficou Novo.

“Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Lei de Lavoisier, que o ex-presidente Juscelino Kubitschek tanto enalteceu. E por que? Nada vem do nada. Ou seja, é preciso ter olhos para “ver” e “enxergar”.

Uma ideia, uma paixão e um plano de negócios: é assim que nasce o empreendedor e se cria uma empresa?

Tudo é muito complexo. Ao menos, aparentemente. Mas as pessoas que realizam, que fazem as coisas acontecer, que não se acomodam, nem se intimidam com as dificuldades, transformam ideias em negócios, e transformam a própria vida e a vida de outras pessoas. E de que maneira? Instituindo planejamentos. É nesse momento que empreender vira sinônimo de realizar.

Atualmente, o agronegócio, o interesse em poluir menos o planeta, a busca do menor gasto com energia elétrica e o maior aproveitamento da água, seja pluvial, fluvial ou de nascente, tem feito pessoas idealistas se reunirem em torno de ideias práticas, baratas e viáveis. Há na zona rural, caso de pessoas que com sacos de areia, estrategicamente colocados, diminuíram o volume da água trazido pelas chuvas, que erodiam o solo, e, após passarem, deixavam o solo ressecado e sem nutrientes que propiciassem o crescimento de qualquer vegetação. Além de evitar a erosão, estas pessoas construíram pequenos açudes, lagoas, que mantiveram a umidade do entorno até que, enfim, criaram pequenos rios que resistiam à seca do inverno. Esta ideia foi compartilhada e, juntamente com a energia eólica e o aproveitamento do calor do sol, muitos pequenos proprietários melhoraram sua produção e, consequentemente, a qualidade de vida.

Casos de jovens que começaram o próprio negócio e conseguiram crescer profissionalmente já não são tão raros. A pouca idade e a falta de experiência são muitas vezes compensadas com inovação e ousadia. E quando as pessoas esbarram em assuntos de caráter administrativo – o desafio mais comum –, é preciso estudar e escolher entre os vários cursos que o mercado oferece para aprimoramento. Em suma, quem deseja abrir o próprio negócio precisa buscar informações sobre a área escolhida, fazer pesquisas de mercado e preparar um plano de negócios. Mais ainda. É preciso cultivar uma curiosidade positiva: aquela que faz desbravar caminhos para criar.

E qual a função do seu plano de negócio para a sua jornada empreendedora? Integrar todas as áreas do empreendimento, seja ele qual for, para que se obtenha sucesso organizacional. Esse planejamento, vale a ressalva, deve ser flexível o suficiente para incluir novas realidades, novos modelos, novos serviços, para que não se corra o risco de tornar obsoleto.

Vale a equação: Planejamento = definição + análise escrita das principais variáveis do negócio. Ou seja, na elaboração de um plano de negócio, é imprescindível que o empreendedor, não apenas para a busca de recursos mas para a execução do projeto, investigue, sistematize suas ideias para planejar de forma eficiente, antes de investir em um mercado sempre competitivo.

E por quê? É natural que ocorra mudanças extremas no projeto ou até mesmo o abandono da ideia inicial, quando se começa a pesquisar e checar as suposições iniciais para a montagem do plano de negócio. E é justamente aí que reside o verdadeiro valor de qualquer planejamento:  é muito mais fácil alterar um negócio que existe somente no papel do que quando ele já está estruturado, já é algo concreto, embasado entre tantas variáveis, incluindo a “aura” da credibilidade.

Luísa, na obra de Dolabela, resolve fazer uma guinada em sua vida quando percebe que executa o sonho do seu pai, não o dela. Que está noiva, mas quando pensa em casamento, não é necessariamente a imagem do noivo que vê. Sabe que tem algo errado em sua vida e toma coragem para ser feliz. A força vem do desejo, do sonho de fazer algo que verdadeiramente a realize.

Sim, de todos os planos de negócios, o maior é ser feliz. E para tanto, é preciso sonhar para depois realizar. Porque empreender é inovar em todos os aspectos. É este um fator indispensável na sociedade, principalmente nos dias atuais em que a concorrência é altamente elevada e os casos de desemprego e desigualdade são evidentes.

A vida de cada um é importante para a própria sociedade, levando em conta que cada um ocupa um papel nela. E este papel, quando aprimorado pelo empreendedorismo, torna a pessoa e, por conseguinte, a sociedade, mais avançada.

Portanto, é mesmo natural pensar que a arte de empreender deveria ser trabalhada nas escolas, e assim, melhor difundida na sociedade – visto que é algo que faz bem, e que a sociedade em si não deixa de ser uma empresa, na qual todos somos funcionários e responsáveis pelo seu futuro.

Sem as noções de planos de negócios, de empreendedorismo, do sonho se vai rapidamente a um pesadelo, e as chances de viver como vítima da desigualdade social, má distribuição de renda se ascendem. É preciso partir para a ação. É preciso preparar os indivíduos para o mundo e decrescer o índice de miséria a que estamos cada vez mais expostos, subjugados, jogados – muitas vezes – à própria sorte. Sem sorte.