Telinha Cavalcanti
Eu era menina, minha madrinha morava no sertão de Pernambuco. Chegava o meu aniversário e o presente que ela mandava era um dos mais especiais: um tijolo de doce de leite (tá, é uma barra, mas a gente chamava tijolo) e uma lata (das de leite ninho) de doce de leite cremoso.
Nunca comi um doce de leite tão bom quanto os da minha infância, e eu sei que hoje é difícil achar leite de verdade (não me chame leite de caixinha de leite de verdade, aquilo nem suja o copo)
E, como Esther mora na roça, onde tem leite bom para fazer doce, deixo esta receita aqui, suspirando de saudade.
Doce de leite caseiro
Ingredientes:
Dois litros de leite
Quatro xícaras de açúcar (750 g)
Como fazer
Em uma panela funda e grande, ponha o leite e o açúcar, em seguida leve ao fogo médio e mexa sempre com uma colher de pau por cerca de 15 minutos (até ferver). Abaixe o fogo e continue mexendo até que fique com a cor de marrom claro e com a consistência cremosa (aproximadamente 45 minutos). Depois passe o doce de leite para um refratário e deixe esfriar bem. Sirva com queijo de minas, com bolo, ou coma puro.
Receita: Navegando na Web
Imagem: Rebequinha Clemente
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
De imagens e palavras
Van Gogh. Café noturno.
O modo como as imagens têm sido tratadas em nosso mundo frenético é
inadequado e irreverente, porque teima em ignorar a dignidade do que se
vê. Não se sabe exatamente a quantas palavras equivale uma imagem. Ela
pode ser uma fonte de palavras. Mas pode também suscitar apenas um
silêncio contemplativo, uma reflexão muda.
Na linguagem do sonho as palavras se cristalizam em imagens, porque o
caminho que elas percorrem é o da contramão da estimulação: em vez de
afetar o neurônio e então ser percebida como imagem, a palavra vem do
neurônio investido de volta à percepção. O sonho consiste de imagens e
às vezes de palavras que são como recortes de uma colagem, fora do
contexto regulamentar em que funcionam na linguagem. É frequente que um
sonho apresente uma palavra – às vezes até uma frase – hermética,
misteriosa, que figura ali como uma representação daquilo que a palavra
pode querer dizer, ao invés de um termo no contexto usual da linguagem. A
imagem verbal tem muito mais um caráter conotativo que denotativo no
ambiente onírico. E o que ela significa pertence à esfera subjetiva de
quem sonha. Mistura-se às imagens com um valor equivalente, é parte do
enigma do sonho.
Se refletirmos nesse fenômeno, fica mais fácil perceber por que uma
imagem nunca é a mesma para todos que a veem. Se isso é verdade, então
como tratar as imagens como objetos fabricados em série? Palavra e
imagem têm uma longa história de encontros e desencontros. Ambas estão
ligadas à percepção visual e à memória. Ambas vêm impregnadas de
sentidos e mensagens de variação infinita – que o diga Andy Warhol.
A criação literária é o momento privilegiado da palavra, quando se
convocam imagens e estados subjetivos em função de uma criação única e
intransferível, em tudo semelhante ao processo onírico. Não significa
que o autor tenha a intenção de contar fatos autobiográficos, mas sim
que a obra de criação é, como no sonho, autobiográfica, ainda que não
seja confessional. O que se manifesta na obra de criação tem suas raízes
firmemente cravadas na subjetividade. Há uma forma de sonho na obra de
criação.
Palavra e imagem se fundem num texto que irá afetar de modos diferentes
seus leitores. As pesquisas sobre o tema demonstram que a recepção
individual do texto literário se dá em uma zona de condensação
organizada por um inconsciente e sua subjetividade. Os elementos que
contam para o indivíduo que lê vão além dos conceitos vigentes da
cultura e dos preceitos de sua sociedade – embora esses fatores sejam de
grande importância e quase sempre determinem o sucesso ou o fracasso de
uma obra em termos objetivos. Uma pesquisa puramente conceitual, no
entanto, não dá conta do literário, assim como somente uma pesquisa
psicanalítica não o conseguiria.
A explicação disso se deve em parte à disjunção palavra-coisa. É como
comer o fruto proibido: a palavra ingênua quer designar a coisa, e uma
vez perdida a inocência e percebida a precariedade da identificação
entre elas, descobre-se que a coisa não está onde a palavra a designara,
que já não há redução possível de uma à outra. Descobrimos que fomos
vitimados por uma série de separações, quando acontecimentos como
perdas, mortes ou omissões se reduziam a palavras que deixavam escapar
seu verdadeiro sentido. O passado não cabe nas palavras com que o
evocamos porque não foi e não será como o recordamos ou falamos dele.
Também não podem prometer nada para o futuro, porque será sempre
fantasia tudo que disserem a esse respeito. As expressões se gastam ao
ponto do lugar-comum: terra natal, terra prometida, o céu na terra e
seus análogos só nos dão a certeza de que “uma coisa sem nome nos
acompanha” que não é “nem nossa origem nem nosso futuro” e que por isso é
“nosso horizonte permanente” e também a garantia única de alguma
“tensão da palavra no momento”*.
Por sua vez, a imagem pode exibir acontecimentos em outra dimensão, mas a
ilusão de seu poder também é um risco. Não vale mais nem menos que a
palavra: é diferente. Os limites, os vazios, as imprecisões e a
multiplicidade das palavras e da linguagem têm uma espécie de
contrapartida na imagem. As palavras reduzem e atenuam o real que a
imagem resgata. Mas é bom estar atento a um engano também nesse domínio.
A imagem reproduzida e divulgada ao ponto que a vemos na propaganda e
na mídia se destina a criar novas ilusões, porque a experiência que ela
oferece não é a experiência do real. Enquanto representação do real, a
imagem merece respeito. Rebaixada a vendedora de ilusões e propagadora
da mentira, é uma fraude lamentável, que faz da ilusão uma razão de
viver.
Como em tudo nesta vida, o real tem que ser a medida de todas as coisas.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
SENHORA DO TEMPO - WOODSTOCK E ROMARIAS
Vera Guimarães
Minha neta de quase 17 anos se prepara para seu primeiro grande festival de música. Depois de vários meses de negociação quanto a dinheiro, desempenho escolar, companhias, onde ficar, passagens, finalmente ela exibe, feliz, os ingressos para o evento.
A mãe dela, minha filha mais velha, mais ou menos com essa idade, foi a um Rock in Rio. Dizem que a primeira edição do festival, em 1985, reuniu 1.500.000 pessoas.
Woodstock deve ter sido o primeiro megaevento de música, a partir do qual se implantou esse formato festivo, no qual se reúnem durante vários dias as grandes bandas, naquele caso, bandas de rock, e seus milhares de jovens fãs, adeptos, seguidores, aficionados, não sei exatamente que termo usar. Nos três dias que durou Woodstock, estiveram por lá 500.000 pessoas.
Antes disso, só mesmo a religião era capaz de reunir tanta gente. No mundo todo e desde tempos imemoriais, existem romarias, jubileus, celebrações diversas, cerimônias de adesão ou confirmação de adesão a determinado culto, fazeção e pagação de promessas. A Meca, para honrar o Profeta, todos os homens devem ir pelo menos uma vez na vida. Anualmente, dois milhões de pessoas cumprem a obrigação, numa gigantesca procissão em torno da Kaaba. Lourdes e Fátima, na França e em Portugal, recebem milhões de romeiros o ano inteiro, em certos meses mais que nos outros.
Neste momento, está na minha frente recorte de jornal desta segunda semana de fevereiro de 2013, dizendo o seguinte: “Aproximadamente 30 milhões de peregrinos hindus - um recorde – mergulharam ontem nas águas sagradas do rio Ganges para celebrar o ritual de Kumbh Mela, a maior festividade religiosa do mundo, que acontece a cada 12 anos em Allahabad, no norte da Índia. (...) Ao longo de 55 dias – o festival começou em 14 de janeiro e termina em março – 100 milhões de hindus devem passar por Allahabad, cidade que tem 1,2 milhão de habitantes. ‘Entrar no rio pode mudar sua vida para sempre’, destacou Malti Devi, de 65 anos, que viajou de Londres para participar do ritual.” 100 milhões de pessoas?
No Brasil, as romarias a Aparecida do Norte, a Juazeiro do Norte e ao Círio de Nazaré devem ser as que reúnem maior número de pessoas. E em cada região do país, perto de cada cidade, existe com certeza um lugar sagrado para onde nos dirigirmos em busca de consolo, elevação da alma, resgate de promessa, louvação ou para um pedido desesperado. Mas não apenas. Romarias e jubileus são oportunidade de diversão, espairecimento, turismo, negócios, namoros.
Na minha infância, décadas de 1940/1950, no nosso mundo pequeno, eu ouvia falar em Congonhas do Norte, no Jubileu de São Geraldo, em Curvelo, na romaria a Congonhas do Campo. Nessa última, se construiu hospedaria para os romeiros, um conjunto impressionante para abrigar os peregrinos que vinham de longe. Demolida e reconstruída, hoje é um centro cultural.
Na nossa família, não éramos particularmente chegados a peregrinações. Nossas romarias eram mais a casas de parentes e amigos. Minha mãe, devota de São Geraldo, dava notícia do jubileu do santo em Curvelo MG. Eu não me lembro de ter estado lá.
Uma amiga me conta de peregrinação que fazia para honrar Nossa Senhora da Abadia, em Goiás. A festa era esperada o ano inteiro. A família se deslocava em caminhonete, os adultos na boleia, as crianças, algum agregado da fazenda, os colchões, os mantimentos, as comidas prontas e as roupas na carroceria. No meio do caminho havia uma parada para refeição. Depois de um dia de viagem por estradas poeirentas e esburacadas, chegava-se ao destino: um descampado, onde havia apenas e unicamente uma capela. Durante uma semana aquele lugar se transformava e fervilhava de gente: padres, freiras, devotos, comerciantes, doentes, crianças. O lugar se enchia de barracas e tendas, tanto para comércio e refeições, quanto para hospedagem das famílias. Cumpria-se a devoção anual, divertia-se, as pessoas passeavam. E esperava-se com ansiedade a festa do ano seguinte.
Já meu Woodstock era a Serra de Santa Helena.
Minha neta de quase 17 anos se prepara para seu primeiro grande festival de música. Depois de vários meses de negociação quanto a dinheiro, desempenho escolar, companhias, onde ficar, passagens, finalmente ela exibe, feliz, os ingressos para o evento.
A mãe dela, minha filha mais velha, mais ou menos com essa idade, foi a um Rock in Rio. Dizem que a primeira edição do festival, em 1985, reuniu 1.500.000 pessoas.
Woodstock deve ter sido o primeiro megaevento de música, a partir do qual se implantou esse formato festivo, no qual se reúnem durante vários dias as grandes bandas, naquele caso, bandas de rock, e seus milhares de jovens fãs, adeptos, seguidores, aficionados, não sei exatamente que termo usar. Nos três dias que durou Woodstock, estiveram por lá 500.000 pessoas.
Antes disso, só mesmo a religião era capaz de reunir tanta gente. No mundo todo e desde tempos imemoriais, existem romarias, jubileus, celebrações diversas, cerimônias de adesão ou confirmação de adesão a determinado culto, fazeção e pagação de promessas. A Meca, para honrar o Profeta, todos os homens devem ir pelo menos uma vez na vida. Anualmente, dois milhões de pessoas cumprem a obrigação, numa gigantesca procissão em torno da Kaaba. Lourdes e Fátima, na França e em Portugal, recebem milhões de romeiros o ano inteiro, em certos meses mais que nos outros.
Neste momento, está na minha frente recorte de jornal desta segunda semana de fevereiro de 2013, dizendo o seguinte: “Aproximadamente 30 milhões de peregrinos hindus - um recorde – mergulharam ontem nas águas sagradas do rio Ganges para celebrar o ritual de Kumbh Mela, a maior festividade religiosa do mundo, que acontece a cada 12 anos em Allahabad, no norte da Índia. (...) Ao longo de 55 dias – o festival começou em 14 de janeiro e termina em março – 100 milhões de hindus devem passar por Allahabad, cidade que tem 1,2 milhão de habitantes. ‘Entrar no rio pode mudar sua vida para sempre’, destacou Malti Devi, de 65 anos, que viajou de Londres para participar do ritual.” 100 milhões de pessoas?
No Brasil, as romarias a Aparecida do Norte, a Juazeiro do Norte e ao Círio de Nazaré devem ser as que reúnem maior número de pessoas. E em cada região do país, perto de cada cidade, existe com certeza um lugar sagrado para onde nos dirigirmos em busca de consolo, elevação da alma, resgate de promessa, louvação ou para um pedido desesperado. Mas não apenas. Romarias e jubileus são oportunidade de diversão, espairecimento, turismo, negócios, namoros.
Na minha infância, décadas de 1940/1950, no nosso mundo pequeno, eu ouvia falar em Congonhas do Norte, no Jubileu de São Geraldo, em Curvelo, na romaria a Congonhas do Campo. Nessa última, se construiu hospedaria para os romeiros, um conjunto impressionante para abrigar os peregrinos que vinham de longe. Demolida e reconstruída, hoje é um centro cultural.
imagem: IEPHAMG
Na nossa família, não éramos particularmente chegados a peregrinações. Nossas romarias eram mais a casas de parentes e amigos. Minha mãe, devota de São Geraldo, dava notícia do jubileu do santo em Curvelo MG. Eu não me lembro de ter estado lá.
Uma amiga me conta de peregrinação que fazia para honrar Nossa Senhora da Abadia, em Goiás. A festa era esperada o ano inteiro. A família se deslocava em caminhonete, os adultos na boleia, as crianças, algum agregado da fazenda, os colchões, os mantimentos, as comidas prontas e as roupas na carroceria. No meio do caminho havia uma parada para refeição. Depois de um dia de viagem por estradas poeirentas e esburacadas, chegava-se ao destino: um descampado, onde havia apenas e unicamente uma capela. Durante uma semana aquele lugar se transformava e fervilhava de gente: padres, freiras, devotos, comerciantes, doentes, crianças. O lugar se enchia de barracas e tendas, tanto para comércio e refeições, quanto para hospedagem das famílias. Cumpria-se a devoção anual, divertia-se, as pessoas passeavam. E esperava-se com ansiedade a festa do ano seguinte.
Já meu Woodstock era a Serra de Santa Helena.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
Meus doces arcanjos
De um certo ponto de vista, o mundo pode ser dividido em
pessoas que gostam de doce e as que não gostam. Fecho com as primeiras e não
abro. Ainda sinto o gostinho dos bombons de chocolate e dos brigadeirões, meus
fiéis companheiros de muitos anos, com overdoses na Páscoa e no aniversário.
Outra lembrança indelével é o doce de batata-roxa que minha mãe fazia, o mais
puro sabor do autêntico marrom glacê. E as “cocadas” de abóbora e de
batata-doce da carrocinha da Suelene na esquina lá de casa, sem falar nas de
coco mesmo, brancas e pretas, que me deram prazeres inefáveis. Os suspiros. E
os bons-bocados de vovó? Os quindins, as tortas de nozes, damasco, as ameixas
recheadas e as queijadinhas? As tortas de baba-de-moça com coco, meu Deus, geladas
e desmanchando na boca. O rocambole de pão-de-ló com recheios maravilhosos da
cozinheira de tia Anita. As musses, os pudins de leite condensado da sobremesa,
as compotas feitas em casa.
Nem precisa mais: o bolo singelo, ainda morno, da hora do
lanche, com ou sem uma caldazinha de chocolate cheirando por cima. O pudim de
aipim de minha sogra, cremoso, leve mas consistente, que nunca enjoava porque
era adoçado no ponto certo. As brevidades de mamãe, para comer com o café da
manhã. Só de pensar engordo e triglicerizo até a alma.
Fui (e sou, só que não como mais, sniff) tão louca por doce,
que na mais tenra infância, quando aprendi os nomes dos arcanjos Miguel, Rafael
e Gabriel, associei a cada um deles uma substância daquelas de que a gente se
lambuza, se não souber comer com bons modos. Pra mim, Miguel ficou ligado a
mel. Talvez porque rima, sei lá. Gabriel está ligado em minha cabeça à calda
grossa do doce de cajá-manga que minha avó paterna fazia como ninguém – que
Deus a recompense com sua santa glória. Já o nome de Rafael ficou identificado
com o melado do potinho que sempre figurava no armário da copa, e que meu
primo, lá pelos dez anos, consumia com uma nuvem de farinha de mesa por cima.
Gosto dessas associações porque elas me trazem os sabores
que agora não posso mais degustar sem culpa e prejuízo do corpo. Nesse caso, a
memória vira arca do tesouro, porque é por ela que de novo posso experimentar
tantos sabores, aromas, as cores e consistências que integram esse prazer tão
exemplarmente castigado que é a gula.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
QUITANDA DA VIDA
Telinha Cavalcanti
Este verãozinho chuvoso pede um agrado à tarde...
BOLINHO DE CHUVA
Ingredientes
2 ovos
2 colheres de açúcar
1 xícara de chá de leite
Trigo para dar ponto
1 colher de sopa de fermento
Açúcar e canela
Como fazer
Misture todos os ingredientes até ficar uma massa não muito mole, nem tão dura.
Deixe aquecer uma panela com bastante óleo para que os bolinhos possam boiar.
Quando estiver bem quente comece a colocar colheradas da massa e abaixe o fogo para que o bolinho não fique cru por dentro.
Coloque os bolinhos sobre papel absorvente e depois se preferir passe-os no açúcar com canela.
Receita: Tudo Gostoso
Imagem: M de Mulher
Este verãozinho chuvoso pede um agrado à tarde...
BOLINHO DE CHUVA
Ingredientes
2 ovos
2 colheres de açúcar
1 xícara de chá de leite
Trigo para dar ponto
1 colher de sopa de fermento
Açúcar e canela
Como fazer
Misture todos os ingredientes até ficar uma massa não muito mole, nem tão dura.
Deixe aquecer uma panela com bastante óleo para que os bolinhos possam boiar.
Quando estiver bem quente comece a colocar colheradas da massa e abaixe o fogo para que o bolinho não fique cru por dentro.
Coloque os bolinhos sobre papel absorvente e depois se preferir passe-os no açúcar com canela.
Receita: Tudo Gostoso
Imagem: M de Mulher
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Yes, nós temos futebol
Melhor que não ter. Já pensou, a gente só pensando no
perigo, no assalto, na violência, nas quadrilhas de bandidos – escondidos ou
nem tanto – na politicalha que só dá vergonha, e nem uma paixãozinha como o
futebol pra alegrar? Nem um motivo pra pular, buzinar, gritar de pura
felicidade? Nem um motivo assim como esse pra enlouquecer, xingar com vontade –
olha a catarse aí! – e depois vibrar com a vitória?
E se não houver vitória? Ora, ficam umas histórias boas pra
contar, que daqui a um tempo vão ficar ainda melhores: coisas pra contar à
geração que vem aí e não viu esses prodígios da seleção; coisas pra comentar na
mesa do bar, razões pra conviver melhor com vizinhos chatos, parentes abusados,
amigos espaçosos. Os passes errados, os chutes sem sorte, as defesas
impossíveis – não é pouca coisa. E como acontecem!
domingo, 3 de fevereiro de 2013
SENHORA DO TEMPO: ASSOCIAÇÕES MENTAIS, TABELA PERIÓDICA E PALAVRAS CRUZADAS
Vera Guimarães
Certo dia, uma de minhas filhas chegou do colégio contando que, enquanto o professor discorria sobre gases nobres, o radônio isso, o hélio aquilo, o xenônio..., um colega ficava insistentemente com o braço levantado pedindo a palavra. Numa pausa, o menino despejou: “Professor, professor, eu tenho um primo que chama Hélio!”
Essa situação é o famoso palpite infeliz, o off-topic , o nada-a-ver, o por-falar-nisso, o data venia. Eu, imatura aos 70 anos, incapaz de me conter, péssima ouvinte, intrometida e exibida, confesso que já protagonizei vários “Professor, professor, eu tenho um primo que chama Hélio!”, do que me envergonho e pelo que peço desculpas a quem foi indevidamente interrompido por minha ansiedade. Vamos mudar de assunto.
Entre meus irmãos, ninguém foi para o ramo das Ciências Exatas ou Biológicas. Então, de Química, só temos rudimentos. Só tínhamos. Hoje estamos íntimos da Tabela Periódica dos Elementos. E do hélio, naturalmente. Tudo por causa das Palavras Cruzadas, o jogo de tabuleiro. Desde que apareceu para nós, acho que final da década de 1950, ainda com o nome de Mexe-Mexe, o jogo de palavras cruzadas encontrou, na nossa casa, participantes entusiasmados.
Uma de minhas irmãs e um amigo da família, ambos inteligentes, estudiosos e competitivos, disputavam animadas partidas em que nós, os outros, éramos apenas coadjuvantes. Eles eram imbatíveis. Mas entrávamos no jogo assim mesmo. Minha mãe, por exemplo. Cansada de tentar inutilmente aliciar algum dos filhos para o truco, de que era aficionada, ela acabou aderindo às palavras cruzadas. Embora de poucas letras, era dotada de enorme percepção e fazia frente às filhas letradas. Na sua última semana de vida, recuperando-se de uma intervenção cirúrgica na minha casa, ganhou de nós. Danadinha essa D. Didi!
Naquela época, o jogo que havia lá em casa era esse da ilustração acima e ríamos bastante da imagem da caixa, principalmente da cara de concentração do menino, sem saber que aquela era a nossa cara ao jogarmos. Hoje em dia, nas minhas idas a Minas, minhas irmãs e eu jogamos até cansar. Quando encontro minha filha mais velha, também saem faíscas na competição. Da última vez ela levou a melhor.
No jogo, a pior hora é quando se aproxima o final, a hora do “ninguém-larga-o-osso”, quando já não dispomos de espaço, nem que tenhamos boas letras. É aí que apelamos para a Tabela Periódica. Assim como já usei o π (Pi, aquele 3,1416) para confeccionar uma cartola num carnaval, a Tabela Periódica também está servindo para alguma coisa na vida de pessoas cujas atividades normais prescindiriam dela.
Pois bem, quando nos restam poucas chances de formar uma palavra, que tal usar Zn (zinco, pois!) na horizontal, e ze (o nome da letra -z-) na vertical, de preferência o Z no tríplice valor da letra? Ou Pb (chumbo) e Sb (antimônio)? Ou He (o nosso hélio, vejam que belezinha!), na horizontal, e há, do verbo haver, na vertical.
Agora a Tabela Periódica é essencial para nós. Tanto quanto para os nerds do seriado The Big Bang Theory, o físico quântico Sheldon, o físico experimental Leonard, a astrofísico Raj e o engenheiro Howard. Já reparou que a cortina do banheiro dos dois primeiros é estampada com a Tabela Periódica?
Imagens:
Jogo Caça-Palavra: Mercado Livre
Cortina de Chuveiro com Tabela Periódica: Coolt Blog
Certo dia, uma de minhas filhas chegou do colégio contando que, enquanto o professor discorria sobre gases nobres, o radônio isso, o hélio aquilo, o xenônio..., um colega ficava insistentemente com o braço levantado pedindo a palavra. Numa pausa, o menino despejou: “Professor, professor, eu tenho um primo que chama Hélio!”
Essa situação é o famoso palpite infeliz, o off-topic , o nada-a-ver, o por-falar-nisso, o data venia. Eu, imatura aos 70 anos, incapaz de me conter, péssima ouvinte, intrometida e exibida, confesso que já protagonizei vários “Professor, professor, eu tenho um primo que chama Hélio!”, do que me envergonho e pelo que peço desculpas a quem foi indevidamente interrompido por minha ansiedade. Vamos mudar de assunto.
Entre meus irmãos, ninguém foi para o ramo das Ciências Exatas ou Biológicas. Então, de Química, só temos rudimentos. Só tínhamos. Hoje estamos íntimos da Tabela Periódica dos Elementos. E do hélio, naturalmente. Tudo por causa das Palavras Cruzadas, o jogo de tabuleiro. Desde que apareceu para nós, acho que final da década de 1950, ainda com o nome de Mexe-Mexe, o jogo de palavras cruzadas encontrou, na nossa casa, participantes entusiasmados.
Uma de minhas irmãs e um amigo da família, ambos inteligentes, estudiosos e competitivos, disputavam animadas partidas em que nós, os outros, éramos apenas coadjuvantes. Eles eram imbatíveis. Mas entrávamos no jogo assim mesmo. Minha mãe, por exemplo. Cansada de tentar inutilmente aliciar algum dos filhos para o truco, de que era aficionada, ela acabou aderindo às palavras cruzadas. Embora de poucas letras, era dotada de enorme percepção e fazia frente às filhas letradas. Na sua última semana de vida, recuperando-se de uma intervenção cirúrgica na minha casa, ganhou de nós. Danadinha essa D. Didi!
Naquela época, o jogo que havia lá em casa era esse da ilustração acima e ríamos bastante da imagem da caixa, principalmente da cara de concentração do menino, sem saber que aquela era a nossa cara ao jogarmos. Hoje em dia, nas minhas idas a Minas, minhas irmãs e eu jogamos até cansar. Quando encontro minha filha mais velha, também saem faíscas na competição. Da última vez ela levou a melhor.
imagem: arquivo pessoal
No jogo, a pior hora é quando se aproxima o final, a hora do “ninguém-larga-o-osso”, quando já não dispomos de espaço, nem que tenhamos boas letras. É aí que apelamos para a Tabela Periódica. Assim como já usei o π (Pi, aquele 3,1416) para confeccionar uma cartola num carnaval, a Tabela Periódica também está servindo para alguma coisa na vida de pessoas cujas atividades normais prescindiriam dela.
Pois bem, quando nos restam poucas chances de formar uma palavra, que tal usar Zn (zinco, pois!) na horizontal, e ze (o nome da letra -z-) na vertical, de preferência o Z no tríplice valor da letra? Ou Pb (chumbo) e Sb (antimônio)? Ou He (o nosso hélio, vejam que belezinha!), na horizontal, e há, do verbo haver, na vertical.
Agora a Tabela Periódica é essencial para nós. Tanto quanto para os nerds do seriado The Big Bang Theory, o físico quântico Sheldon, o físico experimental Leonard, a astrofísico Raj e o engenheiro Howard. Já reparou que a cortina do banheiro dos dois primeiros é estampada com a Tabela Periódica?
Imagens:
Jogo Caça-Palavra: Mercado Livre
Cortina de Chuveiro com Tabela Periódica: Coolt Blog
sábado, 2 de fevereiro de 2013
84 CHARING CROSS - A UVA. O ÁLCOOL.
Elaine Pereira
Como era noite de folga, depois de dia cansativo de trabalho braçal de mudança, e ninguém ia pra lugar nenhum, portanto não havia automóveis a serem conduzidos e nem menores presentes a quem dar mau exemplo,como se eles precisassem disso, fomos comprar vinho.
A variedade sempre me fascina e eu não entendo praticamente nada, só o básico de qual uva é como e só sei do que gosto. Consigo captar algumas nuances, mas é só. Ainda bem que existe a figura tão fundamental quanto, digamos, a secretária do lar, o moço do computador, e o indefectível faz tudo, do sommelier. Esse era tão jovem que me perguntei como ele poderia saber de alguma coisa. E bem feito pra mim, porque o moço sabia tudo.
Vinhos recomendados, expectativa de uma noite agradável, quando já de saída, me deparo com o que momentos depois foi um ovo de Colombo na minha vida. No meio dos tradicionais teor alcoólico x e y, lá estava o “vinho sem álcool”. Ahn? Como assim? Vinho sem álcool é o que? Suco de uva? Não, não é, a minha monumental ignorância ficou óbvia e ele me contou o que é vinho sem álcool. Se mais alguém além de mim no mundo não sabia, é assim: originalmente o vinho é normal (se é que essa palavra pode ser aplicada a vinhos), com álcool. Daí ele passa por um processo de aquecimento até que o álcool simplesmente evapore. E mais: a AVÓ do moço fazia isso em casa. Siiiiiiiiiim, a Oma, porque ele era alemão dos pés aos olhos azuis, não podia beber álcool, mas não dispensava o vinho, então fazia o processo na panela mesmo. E ele me garantiu que o sabor permanece de vinho, não vira suco de uva não. Eu não tive vontade de experimentar, e depois descobri porquê.
Aí entra a elucubração. Vinho sem álcool é vinho sem spirits. Spirits em inglês vale para álcool e para espírito também. Um vinho sem álcool é um vinho sem espírito, assim como uma vida sem determinadas coisas é uma vida sem alma. É lindo quem não pode ingerir álcool poder sentir o prazer do vinho. Mas é um prazer manco, o espírito não presente não dá o mesmo efeito. Aqui não vai nenhuma apologia ao álcool, tudo o que é moderado e responsável só traz prazer – mas tirem a gordura do leite, o açúcar do refrigerante, o sal do xampu, mas por favor – o álcool do vinho não.
A vida é curta demais para viver determinadas coisas pela metade. Se é para tentar, é pra se jogar. Se é pra sofrer, tem que ser um drama de jorrar lágrimas. Se é pra ficar feliz, é pra soltar fogos de artifício, não dá pra sentir a temperatura da piscina pondo o pezinho, como diz minha amiga Fal – tem que mergulhar de cabeça. Se é pra tomar vinho sem álcool, que se tome suco de uva. Se é pra tomar vinho que se deixe nele o espírito, dos deuses, Baco gargalhando ao fundo.
Como era noite de folga, depois de dia cansativo de trabalho braçal de mudança, e ninguém ia pra lugar nenhum, portanto não havia automóveis a serem conduzidos e nem menores presentes a quem dar mau exemplo,como se eles precisassem disso, fomos comprar vinho.
A variedade sempre me fascina e eu não entendo praticamente nada, só o básico de qual uva é como e só sei do que gosto. Consigo captar algumas nuances, mas é só. Ainda bem que existe a figura tão fundamental quanto, digamos, a secretária do lar, o moço do computador, e o indefectível faz tudo, do sommelier. Esse era tão jovem que me perguntei como ele poderia saber de alguma coisa. E bem feito pra mim, porque o moço sabia tudo.
Vinhos recomendados, expectativa de uma noite agradável, quando já de saída, me deparo com o que momentos depois foi um ovo de Colombo na minha vida. No meio dos tradicionais teor alcoólico x e y, lá estava o “vinho sem álcool”. Ahn? Como assim? Vinho sem álcool é o que? Suco de uva? Não, não é, a minha monumental ignorância ficou óbvia e ele me contou o que é vinho sem álcool. Se mais alguém além de mim no mundo não sabia, é assim: originalmente o vinho é normal (se é que essa palavra pode ser aplicada a vinhos), com álcool. Daí ele passa por um processo de aquecimento até que o álcool simplesmente evapore. E mais: a AVÓ do moço fazia isso em casa. Siiiiiiiiiim, a Oma, porque ele era alemão dos pés aos olhos azuis, não podia beber álcool, mas não dispensava o vinho, então fazia o processo na panela mesmo. E ele me garantiu que o sabor permanece de vinho, não vira suco de uva não. Eu não tive vontade de experimentar, e depois descobri porquê.
Aí entra a elucubração. Vinho sem álcool é vinho sem spirits. Spirits em inglês vale para álcool e para espírito também. Um vinho sem álcool é um vinho sem espírito, assim como uma vida sem determinadas coisas é uma vida sem alma. É lindo quem não pode ingerir álcool poder sentir o prazer do vinho. Mas é um prazer manco, o espírito não presente não dá o mesmo efeito. Aqui não vai nenhuma apologia ao álcool, tudo o que é moderado e responsável só traz prazer – mas tirem a gordura do leite, o açúcar do refrigerante, o sal do xampu, mas por favor – o álcool do vinho não.
A vida é curta demais para viver determinadas coisas pela metade. Se é para tentar, é pra se jogar. Se é pra sofrer, tem que ser um drama de jorrar lágrimas. Se é pra ficar feliz, é pra soltar fogos de artifício, não dá pra sentir a temperatura da piscina pondo o pezinho, como diz minha amiga Fal – tem que mergulhar de cabeça. Se é pra tomar vinho sem álcool, que se tome suco de uva. Se é pra tomar vinho que se deixe nele o espírito, dos deuses, Baco gargalhando ao fundo.
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