Adriana Lisboa. Um beijo de Colombina. Rio de Janeiro:
Rocco, 2003.
A história de um professor de latim que se envolve com uma
escritora tem um sabor agradável. Fala de vidas comuns, desenrolando-se em
bairros populares, de gente simples e bem real. Inclui também uma mulher
singular, que começa a fazer sucesso com seu trabalho literário, discreta em
relação a si mesma e seus pequenos segredos. Fala do Rio de Janeiro, de
carnaval, andanças por bairros conhecidos, ruas bem cariocas: Vila Isabel, a
Lapa, Santa Tereza, bares e restaurantes, o centro da cidade com seus sobrados tombados
quase tombando. Fala de uma casa de praia alugada em Mangaratiba, das cores
daquele mar, enfim, desse estado que nos cansa pela desorganização, mas consola
pelo visual gratuito e tão envolvente que nos prende por aqui. Assim como
prendeu Teresa, a primeira protagonista, e seu amante, o professor que ela
acolhe em sua casa, e que a partir de uma vida bem simples manifesta o desejo de "desentranhar a poesia deste mundo".
Adriana Lisboa é uma romancista criativa, que extrai
originalidades dos pensamentos mais secretos, das vidas de personagens sem
muitos recursos, e isso tem um lado bem atraente para o leitor. É uma escrita
leve, às vezes cúmplice, sempre fácil e boa de ler. Paralelamente, explora o
trabalho admirável de Manuel Bandeira, o grande inspirador de Teresa, que o
professor vai redescobrindo durante os oito meses em que vivem juntos. Até a
morte da escritora, tudo fazendo crer que afogada no mar de Mangaratiba.
As coisas acontecem sem dramas, sem desespero, embora essa
morte tenha acarretado sofrimento para o heroi, que narra a história na
primeira pessoa. O fato suscita ainda algumas suposições que não se sabe aonde
irão dar. Até que um dia ressurge Marisa, um caso antigo do professor, que
depois de um período meio sem rumo para ele acaba por levá-lo também para sua
casa, no bairro da Lapa. Enquanto tudo isso acontece, um mistério vai tomando
vulto, quando encontram na geladeira da casa de Mangaratiba um papel com o
poema de Bandeira que diz Nas ondas da
praia, nas ondas do mar, quero ser feliz, quero me afogar. Com
naturalidade, sem peso, sem pender para o romance policial, o mistério vai se
espalhando como uma nuvem que tomasse conta de uma parte do livro.
Surpresas esperam o leitor, à medida que o texto avança, sem
perder o interesse e o caráter um tantinho improvável pelos rumos desse heroi,
talvez um pouco casual demais, para alguém que tomou um caminho definido, mas
se contenta em vagar de acordo com a maré.
Telinha, a titular da coluna QUITANDA DA VIDA, aqui no PF, atiçou minha memória gustativa específica para doces, com esta receita. Ter doces em casa, principalmente compotas de frutas, era algo tão natural quanto haver água, cama, rádio, quintal, irmãos, primos. Quer dizer, eu nasci e cresci vendo compoteiras cheias de frutas na sua calda brilhante, sedosa e... doce. Aliás, uma dessas compoteiras está comigo e enfeita um armário.
Na minha infância, nos deliciávamos com uma infinidade de doces feitos em casa, às vezes com frutas do próprio quintal.
Só de mamão, havia inúmeras modalidades, cada qual exigindo sabedoria específica quanto à hora de colher a fruta, se a devíamos descascar ou apenas raspar, deixar descansar ou não, enfim, delicadas decisões de que o leigo (ou a criança) não se dava conta.
O mamão era geralmente colhido bem verde e era delicadamente raspado, apenas o suficiente para tirar aquela “nuvenzinha” sem ferir a casca. Usavam-se como lixa, além da faca, folhas ásperas de uma planta do cerrado. No mamão se faziam incisões nem muito profundas nem muito rasas, pelas quais se escoava o leite da fruta, o que garantia um produto isento de amargor.
Para o doce de mamão ralado, usava-se o lado fino ou o lado médio do ralo, conforme o que se desejava obter. Além do doce em pedaços, bem verdinho, esmeraldino, minha mãe fazia um outro, com mamões bem pequenininhos, apenas partidos ao meio ou deixados inteiros. Já o doce dito espelho se fazia com mamões “de vez”, descascados e cortados em lascas, de que resultava um doce mais amarelado, ambarino.
Curioso mesmo era o processo de feitura do doce chamado de “anel”. Partia-se ao meio um mamão “de vez” e retiravam-se de cada metade as tiras no sentido do comprido, as quais eram espalhadas por cima de um pano de prato numa peneira e ali eram deixadas de um dia para o outro, de preferência no sereno, para amolecerem. No dia seguinte, enrolava-se cada tira com cuidado para não se quebrar e passava-se por ela uma agulha com linha. E assim sucessivamente, formando uma comprida fiada de delicados rolinhos, que eram postos na calda. Ao fim, retirava-se a linha e estavam prontos os lindos anéis na sua calda, perfumados com paus de canela e dentes de cravo, ao gosto do freguês.
Parece inesgotável a versatilidade do mamoeiro como fornecedor de matéria-prima de doces. Quando um pé começava a fenecer, chamava-se alguém para cortá-lo e extrair aquela porção do caule que ficava mais próxima da terra, aquela parte mais gordinha. Lavada, retirava-se dela o miolo, que era ralado e com ele se preparava uma verdadeira “cocada”, num surpreendente branco arroxeado.
Outras frutas de quintal se prestavam a compotas. As laranjas da terra, descascadas bem rente, resultavam, após preparação, num amarelo vivo, brilhante, deleite para olhos, olfato e paladar. De limões verdes se faziam pequenas cumbucas que abrigavam o puxento doce de leite com o qual se fundiam em acre e doce mistura, na medida certa.
Mais tarde, minha mãe aprendeu novas técnicas de cristalizar frutas e descobrimos a beleza e o sabor de doces inimagináveis, como o tomate e o abacaxi cristalizados, passados na água de cal virgem, para lhes garantir impermeabilização por fora e gostosura molhada por dentro.
Uma de minhas irmãs durante algum tempo se encarregou de preparar o abacaxi, bem trabalhoso. Hoje, a guardiã do saber da transformação das frutas em doces é a Maria Francisca, que trabalhou com nossa família ainda na década de 1940, e hoje, ativa e disposta, fornece esses tesouros a uma clientela cativa.
Lendo Pedro Nava, até me envergonho do que escrevi, tal a precisão da linguagem que ele emprega para descrever o que tão pobremente tentei:.
“A cozinha mineira, pouco abundante nos pratos de sal, que ficam nas variações em torno do porco, do toucinho, da couve, do feijão, do fubá e da farinha – é de uma riqueza extraordinária em matéria de sobrepastos. Hoje tudo mudou e minguou... Mas lembro-me bem da mesa de minha avó materna, em Juiz de Fora, onde a Inhá Luísa, da cabeceira, podia olhar a ponta dos meninos e das compoteiras, de que havia, ao jantar, umas quatro ou cinco repletas de doce. Menos, era penúria. E que doces... Os de coco e de todas as variedades, como a cocada preta e a cocada branca, a cocada ralada ou em fita, a açucarada no tacho, a seca ao sol. Baba-de-moça, quindim, pudim de coco. Compota de goiaba branca ou vermelha, como orelhas em calda. De pêssego maduro ou verde cujo caroço era como um espadarte no céu da boca. De abacaxi, cor de ouro; de figo, cor de musgo; de banana, cor de granada; de laranja, de cidra, de jaca, de ameixa, de marmelo, de manga, de cajá-mirim, jenipapo, toranja. De carambola, derramando estrelas nos pratos. De mamão maduro, de mamão verde – cortado em tiras ou passado na raspa. Tudo isto podia apresentar-se cristalizado – seco por fora, macio por dentro e tendo um núcleo de açúcar quase líquido.” (BAÚ DE OSSOS, 1972)
A bênção, Pedro Nava!
Hoje, ligeiramente diabética (?), já não posso abastecer a compoteira com essas delícias. Mas a simples lembrança delas, das pessoas que as faziam, do ambiente em que foram confeccionadas e do tempo em que tudo isso aconteceu enche de alegria todos os meus sentidos.
As pessoas de Nara são conhecidas, no Japão, como aquelas que acordam mais cedo do que todas as outras. A explicação é no mínimo curiosa: os veados daquela região são muitos, e por serem animais considerados sagrados (mensageiros dos deuses), a sua caça é proibida.
Nas palavras da guia japonesa:
Pessoa A não gosta de pessoa B.
Pessoa A põe veado morto junto da porta de pessoa B.
Se pessoa B acorda tarde, a polícia acha que foi ela quem matou veado e pessoa B vai presa.
Daí as pessoas tem que acordam cedo, para ver se tem veado morto na porta.
Caso pessoa B encontre veado morto, não vai à polícia.
Põe em frente da porta de pessoa C, né.
Parque dos cervos sagrados
Os cervos (ou veados) são considerados mensageiros dos deuses.
Neste parque, eles são muito bem tratados e são geralmente mansos, mas reparem na placa de advertência.
Posso não ler kanji, mas entendo que não se deve molestá-los ou tentar segurar um filhote.
Este senhor vende biscoitos para os turistas alimentarem os veadinhos. Uma placa adverte que não se deve comer dos biscoito dos veados, com o risco de você ser castigados pelos deuses, se tornando um deles.
Santuário Xintoísta Kasuga
Perto dali, numa área de 526 hectares que abriga a maioria dos Templos de Nara, está o santuário Kasuga.
Logo na entrada, vejo uma cena que se repetiria em outros santuários, os tambores de saquê ofertados pelos produtores locais. Retirada a parte que é consumida pelos monges, o excedente é vendido e o dinheiro reverte para a manutenção do santuário.
Notem a quantidade de 'lanternas'.
Diz-se que são 8 milhões de deuses xintoístas e que existe ali, uma lanterna para cada um.
Não contei.
A área do templo, como se pode intuir pelas fotos, é imensa. E, por ser tão cheia de árvores, é quase uma floresta. Foi lá que eu encontrei o corvo japonês, o 'karasu'. Nunca tinha visto tantos.
São um tanto assustadores pelo tamanho e pelo som que fazem, semelhante a uma gargalhada sinistra.
Depois de se entrar em uma floresta e ouvir os corvos ‘gritando’ acima das árvores, invisíveis e agourentos, pode-se acreditar facilmente em demônios .
Monteverdi : “Altri Canti d’Amor”, madrigal do oitavo livro
Claudio Monteverdi (1567-1643) - Volgendo il ciel (1/2)The Consort of Musicke
Anthony Rooley
Paul Agnew, tenore solo
Emma Kirkby, Suzie LeBlanc, soprani
Mary Nichols, contralto
Alan Ewing, basso
Se alguém descrevesse sua vida...
se alguém escrevesse sobre como você viveu...
Seria possível que fosse verdade?
Até que ponto alguém pode descrever a vida que você viveu?
Giorgio Vasari fez isso, escrevendo a biografia “Vidas Artistas”... e passou à História. Marcel Schowb escreveu “Vidas Imaginárias” e também passou à História... realidade ou ficção? em qual biógrafo você depositaria o relato de sua vida?
a História
Giorgio Vasari, nasceu em Arezzo, 1511, Toscana.
Ainda garoto foi estudar em Florença com Miguelangelo, que mais tarde se tornaria seu amigo. Depois, quando seu patrão Duque Alessandro foi assassinado, Vasari passou a vagar pela Itália com seu caderno de desenhos na mão.Foi nesta época que teriapensado em escrever sobre a vida e obra dos artistas.
Aos trinta anos Vasari era, ele próprio, um pintor de sucesso embora sem patronagem... e isso, em plena era do mecenato como forma de sobrevivência artística era realmente um impasse...
Em 1550 publica a primeira versão de seu livro “Vidas de Artistas” que é recebido com entusiasmo. Dedica este livro a Cosimo I de Médici, um possível futuro mecenas... por isso retorna a Florença conseguindo afinal servir ao Duque de Médici.
Fatos e sua invenção
Miguelangelo nunca quis pintar a Capela Sistina, e fez tudo o que pôde para evitar este trabalho.
Concluiu que pintar era a forma que seus rivais encontravam para banir seu trabalho de escultor para longe das atenções... e pensava que o forte de sua arte eram as esculturas...
Por isso decidiu pintar a Capela Sistina sem que ninguém pudesse acompanhar o processo de pintura...mas outro artista, Raphael, foi esperto, bisbilhotou conseguindo ver o bastante para, imediatamente, mudar o rumo de seu próprio estilo!
Este é um exemplo de histórias sobre a arte italiana que Vasari registrou em seu livro “Vida de Artistas”, livro considerado a pedra inaugural no conceito de “rinascita”, ou seja, Renascimento.
Segundo a historiadora,Elisa Byington curadora de importante exposição sobre este “teórico“italiano que agora abre na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro“devemos a Vasari todos os conceitos que explicam o que foi o Renascimento”.
Vidas Imaginadas
Vasari escreveu sobre a realidade cotidiana e profissional de artistas...mas será possível escrever sobre a vida de alguém? Marcel Schowb disse:“...a ciência histórica nos leva à incertezas quando se trata de indivíduos. Não faz mais do que revelar alguns momentos, editados de ações gerais...”
Para Marcel Schowb, um escritor simbolista do século 19, todos os feitos individuais valem unicamente por terem modificado algum acontecimento ou uma série deles. Eis a medida da Ciência mas, como lembrou, a Arte se encontra no lado oposto das idéias gerais...nunca classifica...geralmente...desclassifica. Sendo assim Schowb em seu livro “Vidas Imaginárias descreve outro plano desta que poderia ter sido a vida de Paolo Ucello...
“Na realidade se chamava Paolo di Dono, mas os florentinos o chamavam de Ucello ou também “Paulo Pássaros” por causa da grande quantidade de pássaros e animais pintados nas paredes de sua casa”...
“era tão pobre que não podia manter animais ou mesmo conhecer os que nunca vira... o problema é que ao pintar um afresco sob encomenda em uma capela de Pádua, acabou desenhando a imagem de um camaleão que ele inventou: parecia um camelo barrigudo e boquiaberto!
“a verdade é que para Ucello pouco importava a realidade das coisas, preferindo sua multiplicidade e infinito das linhas...”
“pintou campos azuis, cidades roxas, cavaleiros com armaduras negras em cavalos de ébano que soltavam fogo pela boca...“...Paolo Ucello viveu como um alquimista...perto dele viviam Donatello, Brunelleschi, dela Robbia... cada um com mais orgulho de sua arte e zombando de Ucello que a cada nova combinação de linhas esperava ter encontrado nova maneira de criar...”
“...não era sua finalidade imitar, copiar um modelo...Ucello buscava desenvolver algo novo...
Esta teria sido a vida de Paolo Ucello?
Fato real ou imaginário?
entre o real e imaginário
Paolo Ucello existiu: viveu em Florença entre 1397 e 1475 sendo pintor e matemático. Segundo Vasari escreveu em seu livro, Ucello era tão obcecado por perspectiva que era capaz de passar noites acordado até encontrar o ponto exato de finitude de uma linha.
Ucello, usava a perspectiva para criar o sentimento de profundidade em suas pinturas.
Para Giorgio Vasari, o talento de Ucello, embora imaginativo era excêntrico, encontrando prazer em dificuldades, isto é, desvendar impasses, frequentemente abandonando um talento fértil e espontâneo em algo estéril... aonde Vasari viu desperdício, Schwob viu uma mente efervescente... quem teria a melhor descrição da vida deste artista? As descrições são complementares: a biografia escrita por Vasari possui inquestionável importância para os estudos da arte do Renascimento...
e as pequenas biografias imaginárias escritas por Marcel Schwob nos lembram que a realidade sempre anda junto com a ficção...
sugestão de leitura :
Vidas Imaginárias – Marcel Schowb (prefácio de Jorge Luis Borges).
Vidas de Artistas - Giorgio Vasari
Mostra da Fundação Biblioteca Nacional celebra os cinco séculos do pintor, arquiteto e historiador italiano Giorgio Vasari
Início hoje, sexta feira, 28 de outubro de 2011. Entrada Grátis
Gravura de Giovanni Cavalleris, de 1571: reprodução do afresco de Rafael A Batalha de Constantino contra Maxêncio, do Museu do Vaticano
Natural de Arezzo, Giorgio Vasari (1511-1574) conjugava as habilidades de arquiteto e pintor ao projetar imponentes edificações e decorar os interiores com afrescos. Seus legados mais notáveis são a Galeria Uffizi e o Palazzo Vecchio, ambos em Florença. Ganhou notoriedade também como crítico e por ser o primeiro historiador da arte de que se tem notícia. Foi ele quem lançou, em 1550, o pioneiro livro do gênero, As Vidas dos Mais Conhecidos Pintores, Escultores e Arquitetos — De Cimabue até Nossos Dias. Era um catálogo com biografias de artistas que atuaram nos séculos anteriores, como Giovanni Cimabue (1240-1303) e Giotto di Bondone (1266-1337), e também de Michelangelo (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520). Muitos atribuem a ele a conceituação desse período como “Rinascita”, o que lhe valeu o título de Pai do Renascimento. Um pouco dessa rica trajetória e produção poderá ser conhecido por meio dos 200 desenhos, gravuras e livros raros integrantes da mostra Giorgio Vasari: a Invenção do Artista Moderno.
As peças foram pinçadas do acervo da Real Biblioteca de Portugal, trazido ao Rio em 1810 a mando de dom João VI e conservado na Biblioteca Nacional. Curadora da atração, a historiadora Elisa Byington destaca entre os itens expostos um exemplar original da segunda edição do livro Le Vite de’ Più Eccellenti Pittori, Scultori e Architetti, de 1568. Haverá também um setor com gravuras de Michelangelo e de Rafael, além de obras de artistas da geração seguinte por eles influenciados. Entre eles está Giovanni Battista Cavalleris (1525-1597), autor da gravura A Batalha de Constantino contra Maxêncio, com 1,68 metro de comprimento. Datada de 1571, a peça reproduz o afresco homônimo de Rafael, que fica no Museu do Vaticano.
Giorgio Vasari: a Invenção do Artista Moderno. Fundação Biblioteca Nacional — Espaço Eliseu Visconti. Rua México, s/nº, Centro, ☎ 3095-3862. ↕ Cinelândia. Terça a sexta, 10h às 18h; sábado, domingo e feriados, 12h às 17h. Grátis. Até 4 de dezembro. A partir de sexta (21).Fundação Biblioteca Nacional/
Sergio Amadeu da Silveira: de olho no Marco Civil da Internet
O sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sergio Amadeu da Silveira, promoveu na tarde de ontem, no 35º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais(Anpocs), um relevante debate sobre Ferramentas conceituais para a análise política nas sociedades informacionais e de controle. Dentre as questões abordadas, a sociedade informacional foi apresentada como sendo de controle, defendendo o uso da metodologia genealógica para observar protocolos e códigos como instrumentos de poder entre viventes nas sociedades em rede, necessariamente cibernéticas. “A importância do papel e das implicações das tecnologias da informação no debate sobre o poder, sobre a organização estatal e suas instituições democráticas precisa ser analisado a partir de ferramentas conceituais apropriadas”, afirmou Sergio.
Militante do Software Livre e autor de várias publicações, entre elas Exclusão Digital: a miséria na era da informação, ele afirmou que a internet permaneceu – ao longo de dez anos – como o maior exemplo de tecnologia aberta e livre porque ela não tem dono, não tem centro, não é apropriada por ninguém. E enfatiza: “Por enquanto!”
Sergio: "A internet é o maior exemplo de
tecnologia aberta e livre porque não tem dono"
É verdade. “Você pode criar um novo conteúdo, um novo site, um novo blog sem pedir autorização pra ninguém. Mas você também pode criar uma nova plataforma e uma nova tecnologia desde que se comunique com o que existe. Então ela continua aberta. E a liberdade e a abertura é a base da intensa criatividade que nós temos junto a ela”, disse. “Nesses dez anos essa criatividade ampliou, só que hoje ela está em risco porque os grandes grupos econômicos que são intermediários, que faziam da intermediação seus grandes lucros na sociedade industrial, eles adquiriram um posicionamento hoje que os permite a tentar contra essa liberdade na internet. Então no mundo inteiro nós estamos assistindo tentativas de mudança do jeito que a rede funciona sob diversas alegações: terrorismo num lugar, combate à pedofilia, e por aí vai, mas no fundo o que eles querem é transformar a internet numa grande rede de tv a cabo”, acrescentou.
Sergio disse que a internet continua um celeiro de comunicação importantíssimo pra todos, de liberdade, representando um ícone da chamada sociedade da informação. “As empresas que querem bloquear a rede são as operadoras de telefonia mundiais, todas elas quase em uníssono, e as industrias do copyright”.
Mas se tudo continuar da forma como está, a estimativa traçada pelo sociólogo é que daqui cinco, dez anos, esteja definitivamente aprovada o Marco Civil da Internet, projeto de lei que define regras sobre direitos, deveres e princípios para uso da internet no Brasil. “Esse projeto foi feito colaborativamente a fim de garantir a liberdade que hoje existe e também firmar a neutralidade na rede para que consigamos – cada vez mais - continuar fazendo toda essa inventividade florescer mais ainda”, disse.
De acordo com Sergio, essa visão positiva se dá pelo fato de que os brasileiros agora é que estão entrando na rede, especialmente aqueles pertencentes às camadas mais populares. “As comunidades, acredito eu, daqui a cinco ou dez anos transformará a rede, e para melhor, porque a cultura brasileira é muito efervescente, e se essas comunidades se apropriarem dessas tecnologias para praticarem a sua cultura, vamos ter uma internet cada vez mais rica e com uma diversidade cultural muito além dessas práticas californianas de facebook, e redes sociais que são legais mas que são de um período de relacionamento. Com uma cultura diversa tal qual como ela, certamente essa parcela da população terá muito a contribuir na internet, e se a gente continuar assim, acho que vamos ter uma internet muito diferente, mas dentro da liberdade”, enfatizou.
Em mesa de debate, Sergio afirma: "tudo na
internet vira aquilo que os usuários querem."
E vale lembrar que por mais que boa parte das pessoas usem a internet por conta das redes de relacionamento, a pesquisa dentro dela deve ser ainda muito desenvolvida. “Os usos, na verdade, vão se mudando a cada tempo. No início, quantas pessoas diziam que internet era usada praticamente para pornografia e e-mail? E a internet é fantástica porque tem duas características da cultura digital que reforçam essa rede: uma está atrelada às práticas recombinantes - o tempo todo - e a outra, é a reconfiguração pelos usuários”. Para melhor explicar, “quando o orkut foi criado, ele passou a ser uma rede de networking, troca de cartões, de empresa, de currículo; mas caiu no Brasil e virou aquela coisa de o cara entrar lá de peito de fora para ganhar a gatinha; e a gatinha para arrumar um namorado... virou aquilo que os usuários querem. Logo, essas práticas recombinantes e a reconfiguração que caracteriza a cultura digital vai, quer queiram quer não, modelar a rede para os próximos anos”, finalizou Sergio.
A antropóloga Alba Zaluar, coordenadora e fundadora do Núcleo de Pesquisas da Violência (Nupevi) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, convidada pela diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) a participar da Conversa com o Autor de ontem à noite no Hotel Gloria, em Caxambu afirmou que, para diminuir o tráfico de drogas os traficantes deveriam ser perdoados, mesmo os que já tenham cometido assassinatos, à semelhança de ex-prisioneiros políticos da ditadura militar do Brasil que foram anistiados. Alba Zaluar estuda há mais de 30 anos a violência urbana na cidade do Rio de Janeiro. Sua pesquisa com o escritor Paulo Lins, no final da década de 1980 deu origem ao filme Cidade de Deus (2002).
Comentou que em Medelin, na Colômbia, que adotou esta medida, os para-militares e traficantes foram perdoados e postos em outras atividades para recuperá-los, o número de mortes causadas pela violência do tráfico , em cerca de sete anos caiu de 300 por cento para 20%.
A antropóloga que hoje pesquisa nas favelas a atuação das UPPs, - Unidade de Política Pacificadora - disse que "a função da polícia militar é a de se aproximar das favelas respeitando a população local, ouvindo-a para estabelecer prioridades de segurança. Eles não precisam tocar violão com a população, ou ensinar futebol para as crianças, por, que vão ensinar futebol como ensinam os soldados a se comportarem, com muita disciplina, uma coisa muito mais rígida de que os moradores não gostam.
A situação do Morro do Alemão, apesar da Presença das UPPs não está sob controle, e eu acho que deveriam encontrar formas de pensar maneiras de fazer com que estes que ainda estão no tráfico desistissem e tudo seria mais fácil com o perdão. Porque não se anistia , por exemplo aqueles que têm condições de recuperação? Mesmo os que cometeram assassinatos.
Vou contar a condição do Ailton Batata" - ele inspirou a construção do personagem Cenoura no Filme “Cidade de Deus” – “ele me procurou cobrando porque se a história dele está no filme ninguém me procurou perguntado se podia ou não . Eu disse para ele, olha Ailton, eu fiquei muito chateada porque não fazem nenhum agradecimento a mim e vou fazer o possível para ajudá-lo através de meu advogado. Primeiro ele trabalhou num projeto chamado Agentes da Liberdade, da Prefeitura do Rio, que procurava prisioneiros e famílias destes para fazer socialização, profissionalização, evitando que estes prisioneiros voltassem para o tráfico. Hoje ele trabalha com o Choque de Ordem . Ele é homicida, está em liberdade condicional e trabalhando!”
A permanência da Força de Pacificação nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio, será prorrogada até junho de 2012, conforme foi anunciado dia 24 deste mês através da assinatura de novo acordo entre o Governo do Estado do Rio, o Ministério da Defesa e o Exército. Segunda a Antropóloga isto se faz necessário porque o Morro do Alemão é muito extenso, cheio de viradas, e se a polícia se retirar , certamente o crime voltará. Os traficantes ainda estão lá, muitos fugiram, mas no alto do morro é o reduto deles.
Hoje, Nathan Wachtel da Cátedra do Collège de France fará conferência às 9 horas, na sala 4 do Hotel Glória sobre “Memoires Marranes”, cuja obra do mesmo nome busca por trações judaicos pelas terras áridas do nordeste.
O 35º Encontro Anual da ANPOCS, que termina 28 deste mês em Caxambu, cidade do sul de Minas Gerais terá também a mesa redonda sobre Imagem e Memória, na sala 5 do Hotel Glória, às 9 horas com a presença de Gary Kildea, cineasta e antropólogo da Ethnographic Film Unit, Antropology Departament, Australian National University (Camberra), diretor do filme “Trobriand Cricket”.
Um documentário de 52 minutos. Termina hoje o Simpósio Celso Furtado, às 9 horas, na sala 7 do Hotel Gloria e outro simpósio será iniciado amanhã: 20 Anos do Mercosul, no mesmo horário, na sala 6.