Foto: Google Images |
Pichações são a autêntica voz das ruas, por menos que gostemos do que essa voz tem a nos dizer, muitas vezes. Eu particularmente detesto ver a cidade suja, mas sou ré confessa de uma paixão inconseqüente pelas pichações irreverentes. Não aquelas de gangues, que brigam pra ver que vai mais alto ou no lugar mais difícil enfear uma fachada e que se acham diferentes, mas que não inovam em nada na tipografia, uma imitando a outra naquelas letras magrinhas e complicadas de ler. Também não me agradam as pichações de mau gosto e desenhos infames. Gosto sim daquelas que me fazem rir ou que me surpreendem pela inteligência.
Tenho a mania desde pequena, do tempo da alfabetização, de ler todas e saborear as melhores, gostando a ponto de me entristecer quando pintavam os muros. Era meu passatempo e diversão favorita no caminho para a escola, repassar o caminho todo a procura de pichações novas. E quando não havia nenhuma nova, imaginá-las. Uma parte do muro do estádio de um dos times de futebol da cidade parecia conter o desenho de todas as arvorezinhas plantadas a sua volta, na luz da manhã. Eu imaginava se alguém já teria tido a idéia de estampar uma sombra...
Foto: Google Images |
Nem todos eram criativos mesmo, alguns escreviam apenas seus pseudônimos,
mas em todos os lugares. Sou do tempo do “Juneca e Pessoinha”, afinal. Pra quem não sabe ou não se lembra, a dupla era famosa por carimbar muros de Sampa e arredores nos anos 80. Fazia parte da cultura pop da cidade encontrar a assinatura nos lugares mais distantes e inusitados.
Aqui em Campinas, alguns muros fizeram história e ajudaram a perpetuar algumas lendas, como o muro de uma famosa instituição pública que tinha uma frase emblemática e que demorou mais de uma década pra desaparecer e ainda está lá sob uma camada fina de tinta. A famosa “Abaixo a ditadura”. Ficaram impressas na memória algumas inusitadas também, como a “É primavera... Pássaros sorriem... Rolam lágrimas nos olhos dos peixes”.
Recentemente tenho me divertido com um pichador anarquista que resolveu implicar sempre com o mesmo outdoor. Cada nova propaganda recebe uma nova ofensiva. Debaixo da propaganda de cosméticos onde ele pintou um bigode na cara da modelo, estava escrito: “Mercadoria = política”. Depois quando a imagem foi trocada por uma propaganda de Banco, ele correu para escrever: “Você está sendo vendido”. E a última, depois da empresa ter acabado de pintar a moldura outra vez e colocado uma propaganda de plano de saúde: “Remédio dá lucro”.
A propósito, no seio do bairro rico e supostamente intelectualizado, tem acontecido uma disputa ferrenha pela última palavra no muro. Depois de uma semana rindo muito toda vez que passava em frente à casa pintada com a frase “Deus é Gay”, fiquei surpresa ao ver a frase riscada e transformada em “Deus!” E logo adiante, onde se lia “Che Vive”, agora também se lê ao lado: “Será?”.
Não torço pela cidade emporcalhada (muito pelo contrário), mas não deixo de me alegrar e sentir um soprinho de esperança ao ver idéias além da sujeira.