segunda-feira, 27 de junho de 2011

Invenção de Jorge

Por Dade Amorim


Jorge de Lima. Invenção de Orfeu. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. 382p.

“Biografia épica, biografia total
não uma simples descrição de viagem ou
de aventuras. Biografia com sondagens;
relativo, absoluto e uno.
Mesmo o maior canto é denominado –
Biografia.”

O texto acima é uma espécie de prólogo acrescentado à mão pelo autor, assim como as notas que a edição reproduz nas margens do texto. Jorge de Lima entregou seu original ao amigo Murilo Mendes para uma leitura preliminar. Murilo, autor da nota que abre a edição, teve uma espécie de choque ante esse poema grandioso e complexo, onde tudo cabe. Na verdade, a biografia épica e total é como a própria vida, só que revisitada por uma linguagem que dá conta da multiplicidade com grande beleza e harmonia. A performance do autor é ainda mais notável quando se leva em conta que existe aqui uma narrativa histórica registrada nas cores e imagens da fantasia, paralela a uma outra, intimista, que a leitura do poema dá a perceber.

Vida e calor transpiram dos versos de Jorge de Lima até os limites de um certo escândalo. Talvez pela visão múltipla, fantástica, às vezes de imagens delirantes. Ou pelas associações desconcertantes, pelas metáforas e figuras inesperadas que se justapõem, orquestradas pela música dos poemas, que nos dão a impressão de uma avalanche poética. O barroquismo com que Jorge encadeou seus temas, as expressões fortes dos versos, a vitalidade que permeia toda a obra têm alguma coisa de súbito, embora rigorosamente equilibrados no conjunto. Pela harmonia com que cada tema se associa ao seguinte, sem perder o valor intrínseco, Jorge de Lima nos deixou uma sinfonia em palavras.

Foi também providencial, para conseguir essa vitalidade, que ele abrisse mão das formas métricas parnasianas que predominavam em suas obras anteriores. O alento de saberes, fantasia e memórias servem-se da linguagem mais livre para produzir uma série em que a realidade se alia ao sonho. A leitura de Invenção de Orfeu deixa na boca um gosto de paraíso perdido, da decadência como traço significativo da arte e da vida, estreitamente unidas no poema. É essa a vertente dominante que garante a biografia total e suas sondagens, a reunião de relativo, absoluto e uno, como propõe o subtítulo do livro ou prólogo proposto pelo autor. Nada se subtraiu desse poema, onde se abriram trilhas para a vida na integralidade de sua beleza possível, na especificidade de suas agruras e gozos. O poeta não foge, não se furta a nada e não se poupa, mas se entrega todo inteiro em sua reinvenção pela palavra.