Por Ana Paula Medeiros
Ah, o Museu do Prado, na Espanha. As semanas passaram, mas chegamos finalmente ao segundo andar (para conferir a primeira parte, clique aqui). Não sei se almocei antes ou depois disso, provavelmente antes. Fiz uma pausa, fui à cafeteria do próprio museu, pra nem perder tempo, comi um sanduíche e voltei.
Fiquei apaixonada por Murillo, um cara do século XVII, portanto completamente barroco. E as pinturas dele estão impregnadas desse espírito sedutor, pedagógico, aliciante, do barroco, que captura a gente pela emoção. Na Adoração dos Pastores, o foco de luz no menino Jesus é lindo, o pano branco que o envolve brilha. Nas suas pinturas, Maria é doce, morena, humana. Na Anunciação, ela é uma menina. Não há tensão nem conflito, as crianças e cordeirinhos são fofos, as cenas são íntimas, domésticas. La Inmaculada de El Escorial é uma das ascensões mais lindas que eu já vi.
Adoração dos pastores
Anunciação
Imaculada do Escorial
No segundo piso tem mais Goyas. O Retrato da Rainha Maria Luiza a cavalo aparece no filme Sombras de Goya (aliás, eu gostei do filme, você viu?). Ele foi um retratista espetacular da corte. Mengs, por exemplo, é um cara que também pinta retratos da realeza em fns do século XVIII, mas eles são mais reverentes. Goya é mais sarcástico. Parece que, apesar da pompa e da pose, ele capta a alma distorcida dos seus retratados só no brilho do olhar. Alguns retratos parecem inacabados, há borrões laranjas no fundo, por que isso? Eu gosto mais dos retratos de Goya do que de suas representações de cenas religiosas. As majas são lindas! Achei interessante a metalinguagem explícita no retrato de uma pintora que pinta o retrato de seu marido. E tem a série feita pós-invasão de Napoleão, como a revolta e os fuzilamentos de 3 de maio de 1808. Comprei uma camiseta pros meninos com um pedaço dessa cena. A estupidez da guerra e a falta de sentido e de razão em tudo está tão bem demonstrada ali.
Eu continuo fascinada com o brilho das roupas: cetins, sedas, rendas. Sei que eu perco muita coisa e que deveria ver tudo de novo e de novo. Há quadros diante dos quais se deveria parar por horas, que valeriam, sozinhos, a ida ao museu. Algumas pessoas se espantam quando eu digo que voltaria ao Prado ainda muitas e muitas vezes, e veria tudo de novo, sem falar no que não deu tempo dessa vez.
Velázquez é um gênio. Não é à toa que a porta principal de entrada do Museu é dedicada a ele, e tem a escultura dele na frente. A coroação da virgem é delicadíssima. Ao mesmo tempo, o retrato de Felipe IV me fez ter medo do cara. A roupa negra sobre fundo negro, a luz só no rosto severo, uma coisa bárbara! Os retratos de Velázques são mais cotidianos, sem as poses ortodoxas, mostram a dinâmica da família, é quase como uma dessas fotografias que a gente chama “instantâneos”, por mostrarem um momento capturado ao acaso.
Eu fiquei cuidando pra não ver Las Meninas antes da hora. Eu não queria espiar o quadro de repente, sem estar preparada, como aconteceu com a Guernica do Picasso. Quando cheguei na sala onde o quadro ocupa lugar de destaque, prendi a respiração. Por alguns segundos, fiquei sozinha diante da tela. Nenhuma outra pessoa, só eu. A tela é grande, eu achei que fosse menor. Li com atenção o texto explicativo que há ao lado, e reli os seus próprios comentários. Achei legal que, tendo a infanta bem ao centro, de vestido branco, o título aluda às serviçais. Tive um frisson quando percebi que Velázquez, no quadro, está olhando pra mim, como se também me interpelasse. Na verdade, dá vontade de sentar no chão e ficar olhando, olhando, até o fim do dia. A luz que vem lá do fundo, das escadas, é genial também. Mas o mais legal é ver o quadro mais de longe, dá outro senso de profundidade.
Quantos bufões e freaks ele também pintou. Aliás, não só ele.
Ribera também é bacana. Mas depois de Velázquez, nada mais parece tão bom. Assim mesmo, gostei da Madalena. Diz ali na etiqueta que ela é a madalena “arrependida”. Eu achei o quadro de uma sensualidade enorme. O rosto dela não me convenceu de nenhum arrependimento. Fiquei chocada com a Mulher Barbuda. Cruz credo!
Ribera pinta bem os velhos decrépitos, principalmente os santos. São sérios, as rugas encarquilhadas, as mãos artríticas, os olhos na sombra, a luz reflete na testa, de lado, faz a virtude parecer tão assustadora.
Depois teve Rembrandt. Eu já estava ficando cansada, não tem nenhuma anotação. E no entanto, eu lembro que gostei tanto da Artemísia.
El Greco é um capítulo à parte, e todo particular. São figuras compridas, linhas verticais, caras austeras, cores vibrantes. Apesar da luz, há menos brilho, os tons são foscos, os contornos são escuros, mais duros e delineados. É diferente. Gostei de um Santo Antônio que é quase preto e branco, em seus matizes de cinzas quentes e frios. Os cavaleiros têm barbas pontudas e poses cheias de dignidade.
De Rubens eu gostei das Três Graças e do Juízo de Páris. Na verdade gostei de muito mais. Os olhos são tremendamente expressivos. Amei as celulites das moças.
Eu vou ter que voltar lá. Eu tinha um compromisso à noite, e combinei com o marido de encontrá-lo no hotel de volta às 5, pra gente se arrumar pra sair. Por sorte, o hotel era quase na frente do museu, então, saí de lá 10 minutos antes, mas a verdade é que as últimas 2 horas de visita eu já não aproveitei tanto, tava cansada, saturada de tanta informação, guardei a caderneta. O certo teria sido dividir a visita em dois dias diferentes, cada um num andar, por exemplo, e resistir à tentação de olhar de novo o que já tinha sido visto no dia anterior, pra dar tempo de aproveitar melhor. Mas não fiz isso, e agora vou ter que voltar lá - assim que possível - pra ver melhor essa segunda parte.