segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Improvável porém palatável





Adriana Lisboa. Um beijo de Colombina. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.


A história de um professor de latim que se envolve com uma escritora tem um sabor agradável. Fala de vidas comuns, desenrolando-se em bairros populares, de gente simples e bem real. Inclui também uma mulher singular, que começa a fazer sucesso com seu trabalho literário, discreta em relação a si mesma e seus pequenos segredos. Fala do Rio de Janeiro, de carnaval, andanças por bairros conhecidos, ruas bem cariocas: Vila Isabel, a Lapa, Santa Tereza, bares e restaurantes, o centro da cidade com seus sobrados tombados quase tombando. Fala de uma casa de praia alugada em Mangaratiba, das cores daquele mar, enfim, desse estado que nos cansa pela desorganização, mas consola pelo visual gratuito e tão envolvente que nos prende por aqui. Assim como prendeu Teresa, a primeira protagonista, e seu amante, o professor que ela acolhe em sua casa, e que a partir de uma vida bem simples manifesta o desejo de "desentranhar a poesia deste mundo".

Adriana Lisboa é uma romancista criativa, que extrai originalidades dos pensamentos mais secretos, das vidas de personagens sem muitos recursos, e isso tem um lado bem atraente para o leitor. É uma escrita leve, às vezes cúmplice, sempre fácil e boa de ler. Paralelamente, explora o trabalho admirável de Manuel Bandeira, o grande inspirador de Teresa, que o professor vai redescobrindo durante os oito meses em que vivem juntos. Até a morte da escritora, tudo fazendo crer que afogada no mar de Mangaratiba.

As coisas acontecem sem dramas, sem desespero, embora essa morte tenha acarretado sofrimento para o heroi, que narra a história na primeira pessoa. O fato suscita ainda algumas suposições que não se sabe aonde irão dar. Até que um dia ressurge Marisa, um caso antigo do professor, que depois de um período meio sem rumo para ele acaba por levá-lo também para sua casa, no bairro da Lapa. Enquanto tudo isso acontece, um mistério vai tomando vulto, quando encontram na geladeira da casa de Mangaratiba um papel com o poema de Bandeira que diz Nas ondas da praia, nas ondas do mar, quero ser feliz, quero me afogar. Com naturalidade, sem peso, sem pender para o romance policial, o mistério vai se espalhando como uma nuvem que tomasse conta de uma parte do livro.

Surpresas esperam o leitor, à medida que o texto avança, sem perder o interesse e o caráter um tantinho improvável pelos rumos desse heroi, talvez um pouco casual demais, para alguém que tomou um caminho definido, mas se contenta em vagar de acordo com a maré.