sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

DON JUAN NO TERCEIRO MILÊNIO

                                                                  Giacomo Casanova


da CAPA ESPADA ao LIVRO

Por Lilian Zaremba

Sedução é tormento antigo, encanto devastador.
Da maçã bíblica, fruto proibido, ao conversível importado numa vitrine, preço nas esferas, distante do bolso do seu olhar, sedução ganhou muitos contornos nas curvas do Tempo.
Hoje então, o que é verdadeiramente sedutor ?
O anúncio na TV, a brisa na praia ao entardecer, a eloqüênciade um discurso ou a voz aveludada que sussurra em nosso ouvido ?
Quando o assunto é sedução amorosa, costuma-se obter ao menos dois pontos de vista a respeito : o primeiro é cômico. Observar o incrível esforço que demanda a batalha de um sedutor é, visto a distância, bem divertido.
O segundo ângulo de observação é, infelizmente, trágico.
Isso acontece quando a sedução acaba por deixar alguém na mão ... nesse caso, em geral, o problema é o stress moral ...
De qualquer forma, como nem sempre é possível resistir e não se envolver, a saída para uma cilada sedutora poderá ser o raciocínio, mesmo que este ocorra posteriormente ! Raciocínio e sedução, quase como água e óleo, são uma dessas coisas que ninguém deve se meter a explicar ... Just one of those things...

se EXISTE uma ORIGEM...

Don Juan, o maior sedutor de todos os tempos, nasceu em Sevilha, Espanha, em 1630, encarnado como aristocrata cínico.
Personagem saído da imaginação de um padre, o Frei Gabriel Tellez, que utilizava o codinome Tirso de Molina, para assinar suas peças de teatro.
Abusado, maldito, aventureiro, este o Don Juan desenhado pela pena do padre-dramaturgo que inaugurou, provavelmente sem saber, o mito do homem irresistível.
Don Juan escapou das fábulas do Frei Gabriel migrando como pólen, solto para sempre no ar que atravessa os séculos. Conseguiu fugir das chamas da moral capa e espada do século 17, onde sempre no fim, era obrigado a acertar suas contas com Deus.
Hoje este sedutor incorrigível anda solto por aí, embora sempre exista quem lhe ameace com as chamas do inferno. Pensando de forma objetiva, queimar pode até ser num inferninho, desde que muito bem acompanhado, é claro.
Aristóteles acreditava que o sono liberta a mente da responsabilidade moral. Se assim for, Don Juan pode ser aquele indivíduo sonâmbulo a espreita. Dormindo acordado, sonhando com a sedução de um mundo mais feliz.

um OUTRO DON JUAN

Espetáculo e filosofia, homem e Deus, valete ridículo e mestre maldito, liberdade escolhida e punição divina, à partir deste conjunto de idéias antagônicas Molière desenhou seu Don Juan. Durante algum tempo Molière se viu censurado, impedido de encenar seu Tartuffo, nome de seu Don Juan, porque vez por outra alguém se percebia retratado ... quando esse alguém era o Rei, então ...
Molière foi acusado: ateu e libertino, embora o problema não fosse seu : suas peças eram ótimas e até hoje muito divertidas. Riso ou sorriso certo.
Embora a figura de Don Juan tenha nascido masculina, não é de hoje que salpicam as saias nas rédeas da sedução. Mas é preciso definir territórios : não se deve misturar por exemplo, sereias e Don Juanitas, digamos assim.
As sereias possuem outro encanto sedutor, diferente mas talvez até complementar nessa altura do campeonato.
No famoso romance Ligações Perigosas, escrito pelo francês Choderlos de Laclos em 1782, Don Juan, ou melhor o Don Juanismo, está concentrado numa figura feminina, a Marquesa de Merteuil. Assim, Don Juan no século 18, quem diria, mudou de sexo...
Um Don Juan feminino, mais moderno e nada cruel, como Valentina engraçadamente sedutora, Funny Valentine, ampliada em seus encantos.

a LENDA da FIDELIDADE

Seguindo a tradição histórica que cunhou as características do personagem, Don Juan, essencialmente um sedutor, não cultiva a alma mas os sentidos, numa expressão do amor sensual absolutamente infiel : ele não ama apenas uma pessoa mas, todas.
Gregorio Marañon, em seu livro Don Juan e o Don Juanismo lançado em 1958, acredita que o destino desse personagem, e de resto, de todos que a ele se alinham nas atitudes, está rodeado pelo aro da lenda.
A lenda construída no sonho de um desejo eterno pelo amor perfeito. Este, sempre tão distante do real. Triste sina ou fantástico estímulo, tudo vai depender desta equação fantasia versus realidade, ou fantasia e realidade...
Extensa é a lista dos escritores, autores, artistas e pensadores que se debruçaram sobre o mito de Don Juan. Julia Kristeva,Sören Kierkegaard, Lord Byron, Mozart, Bernard Shaw, Balzac, Baudelaire, Richard Strauss, Tolstoi, Bertold Brecht, e Georges Bataille são apenas alguns ... Bataille é um dos melhores representantes da atitude crítica diante da obsessão Don Juanística. Para ele, Don Juan não é um réles sedutor de bar, mas um prosaico colecionador de conquistas, um herói da orgia e da transgressão.
O pensamento de Bataille, como não poderia deixar de ser, é um ataque ao puritanismo...

DON JUAN no TERCEIRO MILÊNIO

O Don Juan inventado no século 17, foi seguramente reinventado nesta distância que nos coloca no belvedere do século 20 / 21.
Do personagem original, frio sedutor, calculista e no fundo, em guerra contra a morte moral e física, às diversas formas derivadas que acabaram por moldar sua mitologia, Don Juan virou sinônimo de sedução e sedução sinônimo de muitas outras formas e personagens, numa diluição assustadora.
Em nosso mundo contemporâneo, longe dos palcos de Molière e da sedução quase ingênua dos pequenos crimes da carne, os Don Juans sobreviventes levam adiante sua batalha.
Num esforço agora heróico, seduzem a si próprios tentando fazer com que sonhos impossíveis ainda possam ser sonhados.

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sugestão: passeio virtual pela exposição "Casanova- A Paixão pela Liberdade". Evento que mostra os textos manuscritos originais do sedutor em seu livro de memórias, que não por acaso está na Biblioteca Nacional da França.




Casanova – filme de Fellini



Don Juan – de Strauss