sexta-feira, 23 de março de 2012

ENTREVISTA COM FAL AZEVEDO, FAL DO DROPS, SOBRE O LANÇAMENTO DE SEU NOVO LIVRO: "SONHEI QUE A NEVE FERVIA"

Vou contar a história direitinho. Pedi a Claudia que após ler o Livro "Sonhei que a Neve Fervia" de Fal Azevedo fizesse considerações sobre ele, entrevistando a autora. Com esta entrevista inauguramos uma semana de Fal Azevedo.


Este livro é impossível ler sem se emocionar muito e muito e muito. Ele nos traz um pouco de Caxambu, esta cidade com 12 fontes de água mineral , cada uma mais diversa do que a outra. Deixe a Claudia  explicar a pergunta sobre as irmãs Goés, que entra na matéria: 


Por Claudia Lopes Borio



Fal Azevedo, na televisão

"A Claudia e a Fal foram para dois colégios que eram de propriedade de duas irmãs geniais, em São Paulo era o Colégio da Gávea, da Laura Góes (não sei exatamente o nome da escola), e em Curitiba era a Escola Anjo da Guarda, da Vera Miraglia. Eu não sei o que a Fal achava, mas o colégio Anjo da Guarda era e é uma escola genial, onde todos os alunos têm voz e vez, mesmo que sejam considerados "crianças problemáticas" em outras escolas, enfim, um ambiente amigável com base no ensino
construtivista. Os sobrenomes das irmãs são diferentes, pois esses são seus nomes de casadas, eu acho que o nome de solteiras delas era Lacombe. A Laura, hoje em dia, tem uma pousada em Petrópolis (Pousada da Alcobaça)  e o Anjo da Guarda é sempre mencionado  entre as melhores  escolas do Brasil, onde a Vera Miraglia, mesmo velhinha, continua  no leme ( a minha filha estudou lá também).
É isso, mais ou menos"

Claudia Borio


Oi Fal.

Eu sou a Claudia, amiga da Esther. Para você saber quem eu sou, eu também sou tradutora, sou revisora, estudei no colégio da irmã da Laura Goes aqui em Curitiba e tenho dois Moby Dick na minha estante.

Fal- Ei, que legal!! Somos ambas produtos das irmãs Góes! Você conhece a pousada da Laura em Petrópolis, a Pousada da Alcobaça? É o lugar (mesmo) mais lindo da face da Terra. Tirante Caxambu. :o)

Então gostaria de fazer as seguintes perguntas:

1. Os leitores provavelmente não sabem, e por isso pergunto. É você essa mulher terrivelmente enlutada, que descreve no seu livro a experiência dilacerante de perder o amor da sua vida? Quero dizer, é você mesma, não é um personagem de ficção?

Fal- Sou eu. Creio profundamente que, botou no papel, virou ficção. Não acredito em jornalismo-verdade, na realidade crua dos fatos, em nada disso, Clau. Acredito em interpretação, ângulo, verão – a minha e a sua. Então o que posso dizer é que sim, sou eu ali. Mas é a minha versão. A minha dor, a minha vidinha, a minha visão disso tudo, da perda, do medo, da ausência. Sou eu, não uma personagem de ficção, mas só enquanto é possível não sermos todos, personagens de ficção. Se é que me explico.

2. Você acha que a nossa sociedade tem uma atitude tipo “seja forte, a vida continua’ com relação ao luto? Ou talvez, refazendo a pergunta: será que se morássemos na Idade da Pedra na Sardenha, ou em algum lugar assim, nossos mortos seriam pranteados com mais dignidade e haveria mais rituais de despedida, dignos e graves, que poderiam trazer um pouco mais de consolo nessas horas terríveis?

Fal- Acho essa negação da fragilidade, da dor, do medo, da perda uma coisa extremamente perigosa e vou repetir até a morte: não, a vida não continua. A vida acaba. Quando a pessoa que você mais ama morre nas suas mãos, desculpe ser eu a lhe dizer, a vida acaba. E uma outra cousa começa. Feliz, infeliz, melhor ou pior, não sei, depende, mas é outra coisa. Acho sim, Clau, que noutra épocas chorávamos mais e melhor. Não sempre, o passado não é uniforme, mas nalguns bolsões do tempo, nalguns lugares, o luto foi mais respeitado. Olha. Nem meia hora depois do Alexandre ter morrido nos meus braços, eu estava numa salinha de espera de delegacia. Entende? Eu estava ali, sentadinha, esperando o delegado ter a bondade de me atender, enquanto o escrivão assistia um daqueles reality shows de construir motoca. Não por dez minutos, não, horas. Esperei horas com minha boa amiga Carina. Isso lá é jeito de prantear a morte de alguém? Antes até, isso lá é forma de lidar com o próprio susto, o próprio pavor, o cara tinha acabado de morrer, bem na minha frente. Não, não é. Luto precisa de tempo. Chorar por alguém demora. Demora muito. Tirar o cara do seu sistema e recolocar o cara no seu sistema, noutras bases, é processo muy lento e muy doloroso. E o tempo de cada um precisa ser observado e respeitado. Bom, num mundo ideal.

3. Você não perdeu o espírito crítico nem nas piores horas, achei incrível você reparando e se indignando com uma pessoa que falou que o funeral era “só isso”, e quando a menininha teve alergia com o salgadinho amarelo, você também se indignou que todo mundo ficou pondo culpa nela... pode comentar isso?

Fal- Hahahah, Clau-de-Deus, como qualquer um que me conheça poderá testemunhar, eu sou sempre este ser humano insuportável.

4. Como é que você tomou a decisão de enfrentar esse desnudamento total da alma e transformar tudo isso em literatura?

Fal- A coisa toda foi meio orgânica. Eu escrevo. Sempre, todo o tempo, sobre tudo. Sou daquelas criaturas alucinadas que têm blog e diário de papel e quatro ou cinco grupos de e-mail e sete, talvez dez, correspondentes fixos e diários. Eu escrevo. Gosto de esmiuçar o pensado e o sentido, o vivido e o visto, o sonhado e o planejado no papel.Portanto, quando Alexandre morreu, eu escrevi. Quando as amigas dele, Esther e Ana Laura, foram me buscar pra ficar com elas, eu escrevi. Enquanto o ano passava, eu escrevia. Quando minha então editora na Rocco, a Anninha Buarque, perguntou ‘muié-que-que-cê-tá-fazendo?”, respondi: escrevendo. E foi isso. A Rocco botou contrato e estamos aqui.

5. É incrível de ver (ou ler) no seu livro como você tem amigos e amigas geniais e queridos que ficaram ao teu lado, escrevendo, abraçando, te recebendo, escrevendo mais etc., o que me fez pensar muito: será que eu teria amigos assim também? O que você faz para ter tantos amigos? Conta o segredo aí.

Fal- Não faço absolutamente nada e não sei de onde essa gente saiu. A Esther e a Nalaura, vá lá, herdei do Alexandre. E minha mãe, bão, ela tem obrigação de me aturar e tal. O resto, Deus é testemunha, não sei. Não sei donde eles brotam e certamente não sei por que alguns ficam. É um mistério.

6. Existe um homem misterioso que passa a noite do 31 de dezembro com você, quase ao final do livro, e fala que te “esperou muito tempo”, mas você não conta mais nada sobre ele. Eu fiquei morrendo de curiosidade, será que ele será tema de um próximo livro?

Fal -Ele foi meu amigo, meu amigo querido, quando o mundo desabava e eu não tinha pronde correr. No meu coração pro resto da vida. Tive muita sorte.

7. Eu adorei as citações literárias que você faz ao longo do texto, especialmente quando você fala do Darwin. O que é que o Darwin é para você? Você se imagina andando pelo jardim do Mendel, aquele das ervilhas, de braço dado com o Darwin e conversando?

Fal- Darwin foi um grande cara. Não apenas porque ele foi genial e viu o que ninguém mais viu. Mas porque ele passou por cima de toda a vida e a criação dele pra falar o que ele falou. Ele escolheu pagar o preço. A evolução como mecanismo evolutivo, esse conceitinhotão tãotão importante, mudou a vida dele e a nossa. E, para além da teoria da evolução, o cara foi um pensador. Da época em que vivia, da classe social em que havia nascido, sobre as cousas que o cercavam. Um observador, primeiro, e depois um pensador. Gosto demais disso.

8. E quando você terminou de escrever, revisar, imprimir, encadernar e tudo o mais esse seu manuscrito, você sentiu alguma coisa como “dever cumprido, etapa superada” sei lá, algum sentimento de encerramento de uma fase na sua vida? Você acredita nisso, que há fases que passam e capítulos que se fecham na vida, como nos livros?

Fal- Não, pra ser sincera. Não. Só sou capaz de enxergar o fim dum ciclo anos e anos depois, ali, no meio da confa e no calor dos acontecimentos, fica tudo misturado, na minha cabeça e no meu coração.

9. Você contou que foi morar na sua mãe e aí começou a pensar em batom e em pincel de maquiagem. Será que quando a mulher recupera a vaidade ela está melhorando, pelo menos um pouquinho, colando os caquinhos do coração partido?

Fal-Hahaha. Nunca tinha prestado atenção aos pincéis. Acho que um mundo de cousas pequenas, bobinhas, cotidianas, tolas, vai se tornando mais e mais visível, conforme se altera o nível do luto, da dor. A vida vai se infiltrando devagar, ocupando espaços vazios. Pincéis de blush, cartas, filminho do Hannibal, uma nova gatinha-bebê, a gente vai mudando, o mundo em volta da gentevai mudando,uma nova vida começa. No meu caso, espantosamente devagar. 

10. Para terminar, vou perguntar só esta vez sobre seu marido, esse homem doce e apaixonante que morreu, vamos falar claramente, por favor me perdoe mas tenho que perguntar. Esse homem não tinha defeito algum? Ele lavava mesmo o seu cabelo? Você tem idéia de que 99 % das mulheres nunca tiveram nem terão coisa parecida nas suas vidas? (nem os homens, aliás). Que feliz conjunção de fatores fez com que ele fosse tão legal?

Fal-Hahaha, ele lavava meu cabelo toda santa noite. E sim, ele tinha defeitos. Defeitos que, pra mim, não significavam. Por isso era tão bom viver com ele. Assim como meus defeitos (que, cara, são abissais e numa quantidade que, vamos combinar, é sobre-humana), para ele, eram fáceis de driblar. Por isso ele era feliz comigo. No fundo não é isso. Achar alguém para quem seus defeitos não são um fardo, e cujos defeitos sejam possíveis? Eu não ia casar, não fui criada para casar. Então, quando casei, casei porque o Alexandre era o Alexandre. Eu casei com ele. Porque ele era ele. Só casei por isso. Não foi um casamento. Foi um casamento com o Alexandre.

11. Última (prometo). Eu adoro o jeito que você descreve as coisas, por isso vou perguntar: fora responder este questionário gauche de quem não tem prática em entrevistar escritores, o que é que você fez de bom hoje? (risos)

Fal- Ô linda. Trabalho. Escrevo, muito menos do que deveria. Leio. Xô ver. Só. Ah, troco a areia dos gatos.