domingo, 4 de março de 2012

SENHORA DO TEMPO. O GIRA-GIRA LÁ DE CASA

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Por Ana Laura Diniz

“Vai, roda mais rápido! Mais rápido!!!”. Das recordações que tenho dos meus parcos dois anos de idade, uma delas era a alegria de rodar no gira-gira e impulsionar no balanço que ficava no quintal lá de casa. Lembro até hoje a sensação do vento na barriga... quanto maior era a velocidade nos brinquedos, mais eu amava.

Nessa época eu morava na rua Linda Ferreira da Rosa, no bairro de Perdizes, em São Paulo. Assim como a casa, nasci em um lugar que faz tempo não mais existe: Hospital Matarazzo, mais propriamente na Maternidade Condessa Filomena Matarazzo. E até vivenciar a minha primeira mudança de casa e cidade, aos seis anos, lembro do universo criado naquele quintal... que naturalmente se estendia ao quintal do vizinho... e do terreno baldio que também tinha ao lado da casa, onde com irmãos e amigos passei tardes inesquecíveis.

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Brincávamos de tudo: pique-pega, esconde-esconde, ciranda, ou simplesmente corríamos de um lado pro outro sonhando ser heróis ou atores de algum filme de faroeste. E como aprontávamos!

De quando em quando, ligávamos para o trabalho do meu pai para dizer que um dos tios havia chegado de surpresa de Belo Horizonte. Ele saía mais cedo do trabalho e cadê o irmão dele?!  “Surpresaaaa!!!!”...  não tinha ninguém além da gente mesmo: ele sempre trabalhou muito mais do que o expediente exigia (trabalha até hoje), e sempre arquitetávamos planos de trazê-lo pra casa mais cedo.

Minha mãe, claro, nem sempre sabia o que a gente aprontava. E raramente estressava. Quando calhava de os cinco filhos brigarem, coisa rara – era um “pega pra capá” – e ela simplesmente abria a porta de um quarto e dizia: “meninos, todos pra cá”. Nós obedecíamos, e ela completava calmamente: “É o seguinte, vou fechar a porta e vocês continuem brigando. O que sobreviver, vai lá na sala e me chama”, e saía tranquilamente.

Nem preciso dizer que a discussão acabava imediatamente. E como não queríamos ficar confinados olhando um pra cara do outro, rapidamente saía um para dizer que tínhamos feito as pazes. Ela ouvia e falava: “ah, é? Que bom!”. E ao chegar no quarto, completava: “Que bom que fizeram as pazes, vocês são muitos e precisam ser amigos uns dos outros. Está mesmo tudo bem?”. Nem sempre estava, mas mentíamos: “Sim, mãe, está”. E ela então arrematava: “Ótimo, então abracem uns aos outros”... e abraçávamos...

Já experimentou abraçar alguém que você tem ou está com raiva? Quando criança, afirmo de carteirinha, é mágico: se há alguma raiva ou mágoa restante, ela vai embora no momento em que se abraça, puft! E já saíamos brincando novamente. O meu pai fazia o mesmo.

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E era uma festa. Com duas empregadas pelo menos, pra dar conta da casa e da gente, mamãe fazia “vista grossa” pra muita coisa. Tinha uma empregada, por exemplo, que varria a sujeira pra debaixo do tapete pra acabar mais rápido a limpeza e ficar brincando com a gente. Tudo muito inesquecível. Principalmente porque era um gesto tão puro, tão sem maldade, que realmente mamãe não incomodava – e, claro, pedia para a outra empregada limpar. Ninguém era de fato prejudicado, e a vida corria solta. E aos giros. Ao menos, aos olhos... e no quintal daquela casa, que mesmo tendo sido transformada em prédio, existe perfeitamente na memória da gente.