domingo, 24 de junho de 2012

SENHORA DO TEMPO - NOITES DE SÃO JOÃO

Telinha Cavalcanti

Cresci amando as festas juninas. Para mim, São João é mais bonito que Natal. A fogueira, os fogos (as estrelinhas que eu soltava quando menina, os vulcões que acendi quando maior), as bandeirinhas, o milho, a alegria: São João é uma festa feliz.

É engraçado isso de dizer "festa feliz", não é? Pois há festas tristes (conheço quem não gosta de fazer aniversário e quem prefira passar a noite de 24 de dezembro dormindo) e há festas histéricas (carnaval, claro). São João é uma festa que se origina na colheita do milho, é uma festa de famílias e crianças. E, ai, como me faz falta.

 eu, vestidinha de matuta, em 1975

Este ano, principalmente. Centenário de Luiz Gonzaga, o velho Lua, o maior sanfoneiro, um homem que cantou a sua terra, seja chorando as dores e as distâncias do sertanejo que veio pro Sudeste para trabalhar, os romances, as novidades do seu tempo ou a angústia do homem que olha para o céu e espera a chuva que não vem. Mas, principalmente, Luiz Gonzaga cantou a alegria, o amor, as festas - e vive eternamente enquanto o São João existir.



Aqui no Rio de Janeiro já vi coisas que Deus duvida. Aqui é normal - e cada vez mais comum - que se faça festa julina. Já ouvi falar em festa agostina e até setembrina, como se a gente pudesse comemorar Natal em maio porque sim, ué. E agora, ainda há pouco, houve uma comemoração, patrocinada pela Globo, em que as principais atrações do São João carioca eram shows de Ivete Sangalo e Zeca Pagodinho. Dá vontade de sentar no meio-fio e chorar de desgosto... não pelos artistas, entendam, mas pela inadequação ao tema da festa. Fosse carnaval e eu acharia pertinente. Mas São João?

São João das estrelinhas, da canjica, do milho assado na fogueira acesa às seis da tarde em ponto, com uma ave-maria rezada pedindo a bênção para aquele fogo. São João de menininhas com tranças e sardas pintadinhas no rosto, de meninos de bigodinho pintado com lápis de olho. São João que começava antes, com a compra do barbante e do papel-de-seda para as bandeirinhas. São João da minha infância, simples, com amigos visitando, com simpatias à meia-noite.


Lembro de uma festa de Santo Antônio em que eu e uma amiga corajosamente fomos ao quintal, à meia-noite enfiar uma faca virgem numa bananeira, para que a seiva mostrasse a inicial do futuro namorado.  A gente nem tinha 15 anos direito, o quintal estava escuro, foi uma grande aventura. Que deu em nada, infelizmente: choveu a madrugada inteira, no dia seguinte não havia nada escrito na faca.

É dessa atmosfera de sonho e brincadeira, de simplicidade e alegria, que eu sinto falta. As tradições se diluem ou se perdem, e Luiz Gonzaga dá lugar a quem estiver tocando na rádio, seja o sertanejo mais descartável ou o novo hit da Bahia.

O jeito é acender a fogueira em nossos corações e pedir ao santo querido da nossa infância que nossas lembranças não se apaguem jamais...



Noites Brasileiras 
Luiz Gonzaga

Ai que saudades que eu sinto
 Das noites de São João 
Das noites tão brasileiras na fogueira 
Sob o luar do sertão
 

Meninos brincando de roda 
Velhos soltando balão 
Moços em volta à fogueira
 Brincando com o coração
 Eita, São João dos meus sonhos 
Eita, saudoso sertão