Dade Amorim
Não há como fugir: os dias são diferentes,
mas iguais no que se sucede – manhãs tardes noites madrugadas horas batendo
martelo nos segundos. Os dias são como um leilão do que você quer mas só vai
levar se perceber a música do martelo.
As cores mudam, porém, tanto as do
céu como as do coração, e os tons são inacreditáveis, de uma pessoa para outra
e até para a mesma. As diferenças na mesma pessoa são mais claro-escuro, ton-sur-ton,
porque o fundo é meio repetitivo mesmo, fazer o quê? Cada um se faz
repetitivamente recaindo no refazer do que mais procura evitar. E quando o sol
aparece, por causa desse estado de mesmice aparente, pode dar a sensação de que
tudo está igual. Mas até o sol tem matizes e variações, é só prestar atenção
para ver: o sol não mostra sempre a mesma face, e às vezes está furioso e
queima com raiva, mas às vezes acaricia a pele que nem homem enamorado.
As diferenças de uma mesma pessoa se
devem a que os poros deixam entrar sempre o que lhes interessa mais. Além
disso, o nunca tem muitas frestas. Se digo “nunca”, na mesma hora meus poros se
abrem. Daí advém toda contradição do ser humano, e também suas repetições
inesgotáveis e seus melhores prazeres.
Os dias podem parecer iguais naquilo
que os outros exigem da gente.
A coisa acontece assim: a gente se
repete e recai e refaz o que já andou fazendo a vida toda. Quem vive a nosso
lado também recai e repete. Quando alguém refaz seu refazer e ressoa em nossa
alma como repetição, é a rotina. A rotina não é o que eu faço, mas o que os
outros querem que eu faça, e eu faço, repetindo – não o que eu quero e repito
por minha própria conta, porque é meu e é como eu sou, mas o que os outros
querem que eu refaça por eles. Nisso consiste o poder de uma pessoa sobre a
outra: ser capaz de ressoar sua própria repetição no outro. E quanto maior o
poder, maior o número de pessoas a refazer a repetição do poderoso. O que
obviamente não é justo nem salutar para ninguém.
Quem apenas ressoa o que o outro
repete e o refaz sem conseguir deixar de refazer é um candidato a passa humana.
Quem não se libera da gaiola da repetição do outro, é pássaro morto dentro da
gaiola sem ninguém para chorar por ele. Quem não olha em volta e procura
sintonia para ouvir melhor a música do outro, chama-se submisso e nem merece
muito que se chore por ele.
Imagem de Henri Matisse.