segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

‘Best sellers’, nem sempre ‘best reading’


Tela de Daniel Garber

A lista dos mais vendidos tem de tudo. Mas quase nunca a maior parcela deles é a dos livros de melhor leitura.
A primeira razão para um livro vender muito, ao que parece, diz respeito a quem o escreve. O nome do autor pesa, quando ele é popular, famoso ou polêmico. Não é tudo – nesse campo, nada é definitivo e há sempre espaço para surpresas. Mas há uma tendência clara a vender mais quando na capa se lê um nome conhecido e bem divulgado nas mídias, seja lá por que for. Isso explica a preferência dos editores em geral por tais nomes. Dependendo da linha editorial, privilegia-se a popularidade ou a competência, contanto que reconhecida. Editoras sérias escolhem nomes de status nos meios literários, embora tenham em comum com as outras o interesse de mercado – o que não é de estranhar, já que se trata de empresas comerciais que, como é óbvio, vivem do lucro.
Mas além do autor, há outros fatores que favorecem a venda. Livro não é artigo de primeira necessidade, e no Brasil talvez nem de segunda ou terceira. Num mercado meio bisonho, mesmo as características que podem tornar um livro atraente nem sempre funcionam. Sem falar dos didáticos e utilitários, dicionários e guias de uma coisa ou outra, os leitores variam. Há meninas loucas por obras tipo Gossip Girls; há gente fissurada em romances novelescos e/ou pornográficos; há rapazes ligados em esportes, preparação física e afins; há um público cada vez mais numeroso interessado em culinária, vinhos e coisas do gênero. Policiais bem falados costumam pegar, assim como as biografias de gente famosa – o interesse pela vida alheia não costuma falhar – e os chamados livros de fantasia, em que Harry Potter se mantém campeão. No universo dos livros infantis, o mercado anda meio florido, mas nem todos conseguem vender tanto quanto imaginavam.
Como todo mundo sabe, livros de autoajuda costumam bombar. Para seus autores, uma bênção dupla: depois de se firmarem entre o público específico, bem numeroso em termos relativos, eles podem arriscar obras menos típicas, já que seus nomes conseguiram alguma notoriedade e conquistaram preferências dentro dessa faixa de leitores – podendo também motivar parte de um público movido por curiosidade ou desinformação. Há quem entre numa livraria à procura de um presente e peça informações ao vendedor ou escolha o título da pilha mais em evidência. Mas o público que consome livros de autoajuda quase sempre – mesmo sem ter consciência disso – procura respostas para suas dúvidas existenciais, fórmulas que os ajudem a viver melhor ou até soluções mais focadas em uma dada situação. E como as psicoterapias ainda saem bem mais caras, por que não procurar se ajudar por esse meio? Dependendo do caso, pode até funcionar, menos ou mais precariamente, enfim.
O que menos parece mover o leitor brasileiro é o prazer de ler propriamente dito – ler pelo prazer da leitura em si. Por aí se explica a repercussão restrita da literatura de ficção ou de poesia de qualidade. A leitura pela leitura parece não ter sido ainda descoberta por grande parte dos brasileiros. Nesse particular, existem guetos que nem o poder aquisitivo nem o nível de escolaridade podem explicar. É questão de gosto, conhecimento do assunto, adquirido por contatos pessoais, formação escolar ou sensibilidade e criatividade inatas. Sem elitismo nem pretensão de situar o leitor bem formado num nível superior a quem quer que seja, é preciso frisar essa realidade. Não porque ela acrescente valor ou importância a quem aprecia e sabe escolher um bom texto, mas porque sua falta limita as possibilidades de satisfação genuína de muita gente, cuja vida certamente se beneficiaria mais da leitura de boa qualidade literária do que de livros de autoajuda e afins.
Há muito a dizer sobre literatura. Há muito a divulgar, incentivar e praticar entre nós. Faltam informação e orientação ao leitor em geral, para que ele possa perceber tudo que um livro de qualidade literária apreciável poderia lhe oferecer em termos de enriquecimento pessoal – mesmo para a vida prática – e cultural. O quanto um livro de qualidade contribui para melhorar quem o lê com olhos de ver e palavras bem aproveitadas. O quanto esse tipo de leitura significa para a autoestima e a capacidade de entender a si mesmo, fruir a vida, os sentimentos, o relacionamento entre parceiros e amigos. Quem lê mais enriquece seu interior, sua personalidade, torna-se uma pessoa mais lúcida no meio deste mundo louco. Não é pouca coisa. Viver melhor é acima de tudo uma questão de ver mais longe e entender melhor as pessoas e o que acontece a nossa volta. E para conseguir isso a boa literatura é imbatível.