domingo, 15 de julho de 2012

SENHORA DO TEMPO: O CADERNO DE POESIAS DE MINHA MÃE

Telinha Cavalcanti

Confesso a todos que roubei. Aliás, para ser mais exata, confesso que furtei. Não pude resistir, não consegui me controlar. Ninguém viu. Talvez, até agora, ninguém tenha percebido.

Trouxe comigo, de Recife, o caderno de poesias feito pela minha mãe, quando solteira. A data da primeira página informa que ela era uma moça de 17 anos, em primeiro de julho de 1946. 66 anos atrás! Está escrito com caneta tinteiro, mostrando a letra primorosa de mamãe, com o cuidado de fazer cada título com uma letra diferente, páginas e mais páginas feitas com delicadeza e cuidado, sem um erro, sem um rabisco, sem um ooops!



Guarda poemas de Bilac, Armando Wucherer e Augusto dos Anjos; há textos de Humberto de Campos, Ondina M Costa e outros, que não têm a identificação do autor. Em várias páginas, a assinatura de minha mãe, e na última folha, um acróstico assinado por um tal Lucio Rosablanco - nom de plume do poeta Geraldo Cavalcanti, meu pai.



E quem era essa mamãe-mocinha? Uma menina sonhadora, sem dúvida, romântica a não poder mais, com um pezinho no drama, outro pezinho no céu. Sonhava com O Grande Amor, é claro, ouvia as estrelas, falava de Deus e Maria e seus Santos. Copiava os romances trágicos, o desassossego, a angústia de Augusto dos Anjos para, poucas páginas depois, suspirar com O Suave Milagre de Eça de Queiroz.



Imagino uma moça magrinha, com vestidinho comprido, cabelos longos e escuros presos numa trança; está sentada à mesa com seu caderno, sua caneta, seu tinteiro e alguns livros. Minha avó passa e fala alguma coisa, que ela não ouve, absorta. Minha tia faz crochê numa cadeira de balanço. O gato Jerrí dorme na fresta de sol, meu avô ainda não chegou do trabalho.

Ser senhora do tempo não é dominar o tempo, e sim, trazê-lo ao lado, como amigo. Como um caderno antigo, que precisa de restauro, sim, mas que ainda guarda os corações azuis que ela fez com um molde de papel e raspinhas de lápis de cor.