domingo, 23 de setembro de 2012

SENHORA DO TEMPO - ÁGUA! GELADA, POR FAVOR!

Vera Guimarães

Nestes dias de calor da savana que faz aqui no Planalto Central, o que mais se vê pela casa são copos com água pela metade (porque já ficou quente), outros com gelo derretendo, formas de gelo sendo enchidas continuamente, nossas pobres tentativas de driblar o calor e a seca.
E exatamente enquanto estamos nessa luta, vem a Fal e me pergunta como era na minha infância e adolescência: Tinha geladeira na sua casa? Como era?

Na década 1940 e até metade da década 1950, pelo menos no meu interior de Minas, só tinham geladeira os comerciantes, os industriais, fazendeiros com casa na cidade, os políticos, enfim, a classe acima da classe média.

Conferi essa minha percepção com marido, praticamente da minha idade, mas morador da Capital, e ele me confirmou que lá também era assim. A família dele só comprou a primeira geladeira quando ele tinha seus 13 anos.

Para nós, tanto para ele quanto para mim, gelo e bebida gelada só existiam nos bares, aos quais chegávamos quando conseguíamos alguns trocados. E nem nos importávamos com a paulada na testa produzida pelo súbito gelo do picolé ou sorvete no organismo.

Nas casas bebia-se água em temperatura ambiente, agradavelmente fresca quando armazenada em grandes vasilhas de cerâmica ou nos enormes FILTROS FIEL, conjunto formado por tripé de metal, uma talha de cerâmica e um recipiente provido de filtro e coberto por cilindro de alumínio, enfeitado por fora com pintura de ramo de flores.

Mas a gente queria era água gelada. A família de meu marido a conseguia com vizinhos, que colocavam vasilha com gelo no muro que separava (ou unia?) as duas casas amigas. No interior, eu e outras parceiras do vôlei, em intervalos necessários ou inventados, a obtínhamos na maravilhosa casa de uma delas, próxima à Praça de Esportes onde treinávamos. Nessa hora eu aproveitava para espiar a casa rica, de cozinha de mármore, empregadas uniformizadas, pisos reluzentes, finezas desconhecidas até então.

Recorro às minhas irmãs para saber mais. Sim, em Sete Lagoas havia uma fábrica de gelo, junto à fábrica de manteiga. Naquele ambiente úmido e gelado trabalhava-se de tamancos de madeira. Por ocasião de festas, comprava-se uma barra de gelo, que era quebrada e colocada em um latão, dispondo-se as garrafas no meio dessas pedras, cobrindo-se tudo com serragem para conservar a temperatura.

Em 1956 chegou a oportunidade da família comprar sua geladeira.

Uma de minhas irmãs era contadora na concessionária de veículos GM, que passou a comercializar também geladeiras Frigidaire, uma divisão da multinacional. Essa irmã me conta que, curiosamente, a geladeira chegou, foi retirada da embalagem, mas não foi posta para funcionar, ou, se foi, nada era colocado dentro dela. Não havia a cultura de armazenar alimentos no frio: comprava-se e se consumia tudo no mesmo dia. Havia feira perto, o leiteiro passava todas as manhãs, a carne era conservada de formas tradicionais, as sobremesas eram compotas de frutas. E lá ficou a geladeira, meio sem uso.

Até que um dia chegou amigo da família, abriu a porta da geladeira e colocou lá dentro o jornal do dia: “Pelo menos, notíca fresca a gente vai ter!”

Imagens 
Filtro: Gaveta do Ivo
Geladeira: Quebarato