Não há como fugir: os dias
são diferentes, mas iguais no que se sucede – manhãs tardes noites madrugadas
horas batendo martelo nos segundos. Os dias são como um leilão do que você quer,
mas só vai levar se perceber a música do martelo.
As cores mudam, porém,
tanto as do céu como as do coração, e os tons são inacreditáveis, de uma pessoa
para outra e até para a mesma. As diferenças na mesma pessoa são mais
claro-escuro, ton-sur-ton, porque o fundo é meio repetitivo mesmo, fazer
o quê? Cada um se faz recaindo no refazer do que mais procura evitar. E quando
o sol aparece, por causa desse estado de mesmice, pode dar a sensação de que
tudo está igual. Mas até o sol tem matizes e variações, é só prestar atenção
para ver: o sol não mostra sempre a mesma face, e às vezes está furioso e
queima com raiva, mas às vezes acaricia a pele que nem homem enamorado.
As diferenças de uma mesma
pessoa se devem a que os poros deixam entrar sempre o que lhes interessa mais.
Além disso, o nunca tem muitas frestas. Se digo “nunca”, na mesma hora meus
poros se abrem. Daí advém toda contradição do ser humano, e também suas
repetições inesgotáveis e seus melhores prazeres.
Os dias podem parecer
iguais naquilo que os outros exigem da gente.
A coisa acontece assim: a
gente se repete e recai e refaz o que já andou fazendo a vida toda. Quem vive a
nosso lado também recai e repete. Quando alguém refaz seu refazer e ressoa em
nossa alma como repetição, é a rotina. A rotina não é o que eu faço, mas o que
os outros querem que eu faça, e eu faço, repetindo – não o que eu quero e
repito por minha própria conta, porque é meu e é como eu sou, mas o que os
outros querem que eu refaça por eles. Nisso consiste o poder de uma pessoa
sobre a outra: ser capaz de ressoar sua própria repetição no outro. E quanto
maior o poder, maior o número de pessoas a refazer a repetição do poderoso. O
que obviamente não é justo nem salutar para ninguém.
Quem apenas ressoa o que o
outro repete e o refaz sem conseguir deixar de refazer é um candidato a passa
humana. Quem não se libera da gaiola da repetição do outro, é pássaro morto
dentro da gaiola sem ninguém para chorar por ele. Quem não olha em volta e
procura sintonia para ouvir melhor a música do outro, chama-se submisso e nem
merece muito que se chore por ele.