sexta-feira, 12 de julho de 2013

SENHORA DO TEMPO: LEQUES, ABANOS E VENTAROLAS



Patricia Caetano, ilustra mais uma crônica de Vera Guimarães, publicada em 16 de dezembro de 2012, e republicada hoje. As cores de Patrícia, seu traço, remetem-me à exuberância de Frida Kalo, ao calor, à vida. Esta menina precisa ser entrevistada.
elb



 Ilustração de Patrícia Caetano


Vera Guimarães

Amiga me conta que em recente confraternização de fim de ano foi assediada como nunca, e atribui o fato à circunstância de estar usando um leque. Bobagem! Linda e na exuberância de seus 40 anos, nada mais natural que os moços quisessem se aproximar dela.


Ah, o leque! É mesmo! Na minha adolescência, década 1950, ele era acessório natural e obrigatório nas sessões de cinema e em outras ocasiões. As salas não eram climatizadas e sempre queríamos acrescentar um charme à produção. O meu leque era branco, pequeno, varetas de madrepérola, e, nelas, vazados formando arabescos. Perdeu-se no desgaste das fitas que uniam as varetas, nas mudanças de casa, no desuso.

Depois dele, em passeio num parque aquático dos EUA, precisei espantar o calor e comprei numa das lojinhas de souvenir um abano feito de palha trançada, com a etiqueta Made in Philippines. Esse está comigo até hoje e compõe um painel de outros objetos de fibra, a maioria chapéus.
Há cerca de dois anos ganhei um leque. Na ocasião fiquei agradavelmente surpreendida com a escolha do presente, nem cogitava que eles ainda existissem assim corriqueiramente. Apesar de apreciá-lo, nunca o usei. Vou corrigir isso.

A importância desse objeto utilitário, estético e testemunho de épocas fica patente no complexo de Greenwich, onde existe um museu dedicado exclusivamente ao leque. E a prova de que ele continua despertando interesse até mesmo econômico está nessa sofisticada loja. Ali você pode encomendar leque personalizado para o seu casamento, leque com estampa moderna ou clássica, há linha exclusiva para homens, para publicidade, para comemorações.


Recursos para refrescar o indivíduo ou o grupo existem desde sempre. Na caverna quente, alguém pegou uma folha grande ou talvez as asas de um pássaro e as agitou na frente do rosto, produzindo um ventinho gostoso. À medida que se descobriam novos materiais e que se desenvolviam novas habilidades, com certeza esses objetos foram aperfeiçoados. O que nunca faltou foi inspiração na natureza.

Leques foram e são largamente utilizados no Oriente. Há registros antigos deles na Assíria, China, Japão, Índia e Oceania. Eram confeccionados em madeira, bambu, papiro, seda, madrepérola, cascos de tartaruga, fibras vegetais, plumas. Eram entalhados, pintados, bordados, esculpidos, pirogravados.
Foram trazidos para o mundo ocidental por ocasião das Cruzadas. Muito tempo depois, se sofisticaram e passaram a compor o vestuário e os rituais sociais das cortes dos séculos XVII, XVIII e XIX. Vejam aqui mais detalhes curiosos.

Cria-se, no contexto mundano e frívolo de certas cortes, a linguagem do leque, um complicado sistema de comunicação baseado no posicionamento do adereço em diferentes partes do corpo, no grau de abertura das varetas, no ritmo da abanação etc., através do qual se mandavam recados. Alguns desses códigos:

• Colocar o leque junto ao coração: Conquistaste meu amor.
• Tocar com a mão no leque ao abaná-lo: O meu desejo era estar sempre junto de ti.
• Acariciar o leque fechado: Não sejas tão imprudente.
• Tocar com o leque meio aberto nos lábios: Podes me beijar.
• Tocar o leque na face direita: Sim.
• Tocar o leque na face esquerda: Não.
• Fechar e abrir o leque várias vezes: És cruel.
• Abanar o leque muito depressa: Estou comprometida.
• Segurar o leque na mão direita e em frente à face: Segue-me.
• Colocar o leque junto da orelha esquerda: Quero ver-me livre de ti.
Passar o leque pela testa: Tu mudaste.

Aqui tem mais códigos.


Algo me ocorre! Embora eu sustente veementemente que minha amiga foi assediada em função de seus dotes físicos e de sua sensualidade, fico pensando: como será que ela teria usado o leque?! Passou com ele alguma mensagem de que nem ela mesma se deu conta? Não! Não pode! Por mais explícito que pudesse ter sido o recado, duvido que algum cavalheiro de hoje fosse capaz da sutileza de decifrá-lo.

Fig. 1 - http://belissime.blogspot.com.br/2010/08/leque-glamour.html
Fig. 2 - http://petarnews.blogspot.com.br/2010/11/fauna-e-flora-do-petar.html
Fig. 3 - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c8/Pontes_Collection%27s_fans.jpg