terça-feira, 9 de novembro de 2010

CALVINO NAS ÁRVORES

Por Dade Amorim

Calvino, Italo. O barão nas árvores. Tradução de Nilson Moulin. (2009) São Paulo: Companhia das Letras.

O que maravilha em Italo Calvino é a agilidade e a versatilidade de seus textos. Um livro como O barão nas árvores teria tudo pra se tornar uma leitura no mínimo monótona, caso fosse linear ou tivesse aproveitado o argumento para descrever coisas estáticas como paisagens, por exemplo. Mas não se corre esse risco num texto de Calvino. Ele atende a todas as perspectivas, por assim dizer. A narrativa caminha o tempo todo por aqueles galhos desiguais, entre folhas, espinhos, bichos, flores e frutos, mostrando não só o que vê e vive a figura improvável de Cosme Chuvasco de Rondó, mas também a vida dos nobres, mentalidade e costumes europeus do século 18, além de uma visão dos conflitos da época.

As histórias da Segunda Guerra, que motivaram vários autores no fim dos anos de 1940, domínio do neo-realismo italiano, trouxeram-lhe a fama como autor de A trilha dos ninhos da aranha, de 1947. Em 1956, quando Calvino escreveu Fábulas italianas, uma visão completa ou quase das histórias populares da Idade Média italiana, percebeu que, bem avaliada, a lógica dessas histórias não perdera de todo sua atualidade. Partiu então para três livros surpreendentes, em que o irreal e o fantástico ocupam o primeiro plano. Comaparado a O visconde partido ao meio e O cavaleiro inexistente, que formam com ele essa trilogia, O barão nas árvores é o menos “maravilhoso” dos três. O olhar do autor é irônico e bem-humorado, e a narrativa, isenta de qualquer preocupação de ordem moral ou pragmática, não perde de todo sua ligação com a realidade. A ideia do protagonista, de que para entender bem a vida na Terra é preciso manter alguma distância dela, é um postulado puramente racional. Pode parecer também um indício de que o barão de Rondó teria escolhido se isolar ou se vergetalizar. No entanto, isso é desmentido pelos fortes laços que ele, lá de suas copas, continua mantendo com a sociedade, a família e as mulheres. A vida sobre os galhos é na verdade uma proposta alegórica de ver as coisas de um ângulo mais amplo do que de dentro de uma casa da baixa nobreza.

Até o fim de sua história, Calvino mantém o personagem sem voltar a pisar o chão, e no entanto sempre mergulhado nos acontecimentos cá de baixo e com uma vida afetiva das mais movimentadas em todos os aspectos. Os personagens traduzem suas dores e incertezas em atos estranhos, como Batista, a irmã amargurada, preparando patê de fígado de rato, seu pai, sempre iludido quanto à importância da família na corte, ou o abade aluado, preceptor dos filhos. Mas o clima criado e mantido pelo romance afora é uma afirmação implícita do que todos nós já sabemos, cada qual a seu modo: mudança e finitude são os pressupostos da vida, aos quais cada um responde a seu modo. E ainda assim, Calvino não deixa as coisas caírem no lugar-comum.