domingo, 14 de novembro de 2010

RETRATOS DA VIDA

uma breve explicação

Em 27 de novembro de 2009, o advogado Jorge Carrano publicou em seu blog,Generalidades especializadas, um post sob o título "Antiguidades". O curioso foi que ele não se referiu a coisas, mas a pessoas. E entre elas, a vontade de saber o paradeiro da amiga Esther Lucio Bittencourt, Diretora de Redação do Jornal Primeira Fonte.

Para tanto, deixou também recado no blog 
Porcas e Parafusos
, sem a certeza de se tratar da mesma Esther. Era. E quase um ano depois, ao entrar em seu blog pelo painel, ela viu o recado que lá estava. 


Contou a notícia com surpresa e felicidade, e resolvi rastrear o blog de Carrano a fim de saber o que escrevera sobre ela. Vi. Entrei rapidamente em contato com ele, fornecendo os contatos da amiga. 
E ontem, ao ler em seu blog essa Carta aberta, li de imediato para Esther, que respondeu de prontidão em seu Porcas e Parafusos


Resolvi compartilhá-las também com vocês, leitores do 
Pêéfe, não apenas porque reencontros são valorosos, mas especialmente porque ambos pertencem a um Brasil que não existe mais. O contexto social, político, econômico e cultural agora é outro; e o olhar - para o bem e para o mal - também.


Que os encontros venham! E a vida valha!


Abraços cordiais, 
Ana Laura Diniz

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Carta aberta para Esther

Por Jorge Carrano


E não é que graças ao fantástico meio que é a internet, consegui localizar a ex-parceira Esther Lucio Bittencourt.


Muito pouco sei, entretanto, ainda, sobre suas atividades nestes últimos cinquenta anos ou mais. O pouco que consegui descobrir, foi graças ao e-mail da sua amiga e sócia Ana Laura Diniz, conforme comentário ao post do dia 4 de novembro último.


Mais que depressa visitei os blogs e a website informados - http://primeirafonte.blogspot.com e http://porcaseparafusos.blogspot.com/ , na busca de mais detalhes sobre Esther.


Permito-me algumas deduções e obviedades. Confirmando a vocação e o talento já demonstrados quando ainda estudante secundarista, tornou-se jornalista: brilhante e atuante, como é fácil constatar nas visitas aos blogs supracitados.


Poeta já era, desde sempre. Se mais não falo sobre poesia é porque me faltam sensibilidade e cultura literária.

Parece ter estado comprometida com movimentos a favor do fim do regime ditatorial militar. Casou. Reside em Caxambu.

Foi ou é amiga de amigos e colegas meus, sem que soubéssemos: Jourdan Amora, Ricardo Augusto dos Anjos, Hermes Santos ( na verdade Florihermes) e outros.


Cara Esther, enquanto aguardo suas notícias, envio-lhe esta carta aberta. Não alimento grandes expectativas, pois como os orientais já definiram sabiamente, não é possível entrar duas vezes no mesmo rio.


Também exerci atividades estudantis, tendo sido presidente, por dois mandatos, do Grêmio do Liceu Nilo Peçanha e diretor da FESN – Federação dos Estudantes Secundários de Niterói ( logo depois do Jourdan), também por dois períodos. Participei de um grupo teatral incipiente e insipiente, que se reunia na casa do oftalmologista Paulo Pimentel, sob inspiração do poeta e, então, diretor da Biblioteca Pública do Estado - Geir Campos. O grupo tinha como alvo politizar os trabalhadores, via teatro experimental.


No governo Roberto Silveira, pai, saudoso político, diversamente do inexpressivo filho Jorge Roberto, participei de alguns movimentos: campanha pelos passes estudantis, pela meia-entrada nos cinemas (fizemos muita fila boba) e em especial, pela ocupação, que resultou na encampação do Colégio Jairo Malafaya (época dos tubarões do ensino).


Não tive problemas com os militares, eis que dois anos antes do 31 de março de 64, porque conheci a mulher com quem viria me casar, abandonei todas as atividades políticas, nas quais estava mais ou menos engajado, arranjei emprego, passei a estudar mais um pouco, fiz vestibular, casei, formei-me e vieram os filhos.


Tonei-me um pacato, anônimo e conformado cidadão, com raros e improdutivos momentos de inconformismo, manifestados aqui e ali, sem maiores consequências.


Dos nossos parceiros Eugenio Lamy, Alódio Santos e Oswaldo Szertock, nada sei, senão que o primeiro – Eugenio, é médico psiquiatra e o Oswaldo formou-se em odontologia.


Nossas crônicas eram escritas, o mais das vezes, pelo Lamy. Lembro de uma em especial, sobre a morte de um negrinho (naquela época podia-se falar de negrinho sem cair na idiotice do politicamente incorreto), que era vendedor de amendoim e morreu atropelado tendo nas maõs a lata com o brazeiro.

É isso aí.

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Carta aberta para Jorge Carrano

Por Esther Lucio Bittencourt

Jorge,

Quando acabou o Estudante em Foco, nosso programa de rádio, fiquei trabalhando na rádio Federal como auxiliar de discotecária do Marques Meu Patrão da Silva, que tinha um programa sertanejo às 7 horas da manhã. Fui treinada pela Léa e Antenógenes Silva nos meandros do rádio e, por fim, tendo na técnica Ivan Borghi e Gerssy Campos, passei a apresentar programas nobres da rádio.

Daí fui para a TV Tupi, depois fui trabalhar no tablóide Praia Grande e Revista, onde cheguei a editora-chefe. Fui descoberta como cartunista pelo Jaguar, que me publicou na revista Senhor. Assim como publicava contos, poemas na revista Leitura e em suplementos literários.
Parei de publicar poesias, quando ouvi de Manuel Bandeira – na ocasião, um amigo – que eu me dedicasse aos contos, pois nunca seria poeta.

No Praia Grande, ainda cometi pequenas colaborações no extinto Correio da Manhã Diário de Notícias. Fiz parte do CPC da Une, que se reunia na casa de Martha Rique Reis, esposa de Geraldo Reis – que foi preso e torturado – e mãe do Aquiles, do MPB4; juntamente com Décio Mafra, que chegou a dirigir o setor de Niterói, e Ricardo Augusto dos Anjos. Com Décio e Hiderval Garcia, aliás, tive uma editora, a Engra. O Ricardo foi o primeiro a ser lançado por nós.

Incentivada por Lu Pacheco, junto com Emese e Ingrid, duas refugiadas de campo de concentração soviético, freqüentávamos a casa de Jaci (não sei se você lembra dele. Ele morava perto do Instituto Abel), onde víamos filmes das ações de Fidel Castro em Sierra Maestra, e havia verdadeiros altares com pedaços de fardas, cartuchos de balas disparadas, bandeiras, relembrando a proeza do homem que contra tudo e contra todos tirou Fulgêncio Batista do poder.

Casei. Fui morar no Rio Grande do Sul. Lá mantive contatos com diários de notícias de Porto Alegre, onde Sérgio Jockyman me introduziu fazendo uma entrevista comigo, e onde publiquei alguns artigos.

No Rio Grande do Sul, perdi o meu primeiro filho.

Li muito, conheci Virginia Woolf, Thomas Mann, Stendhal, Proust, Joyce, etc. Dos escritores brasileiros, desde da adolescência trazia a minha bagagem.

Veio a Revolução, em 64, e assustada, recebi uma carta de Ricardo Augusto dos Anjos, recomendando que eu ficasse bem quietinha porque a Polícia Militar estava atrás de mim.

Nessa ocasião, Sereno Chaise, que era prefeito de Porto Alegre, havia ocupado o quartel militar, expulsado o governador do Estado, Ildo Meneghetti, para além das fronteiras brasileiras, e aguardou a chegada de Jango e Brizola.

O povo estava em armas. Pretendia reagir até o último fio de cabelo ao exército que descia do Rio de Janeiro para colocar ordem no Rio Grande do Sul.

Jango e Brizola não apareceram. Sereno Chaise foi para as rádios dar a notícia à população, e o governador do Estado retornou para o seu cargo.

Nunca vi população tão derrotada.

Logo depois, Lacerda foi visitar o Rio Grande do Sul. A população inteira se reuniu e atirou nele corvos mortos.

Os homens da rua dos Homem em Pé, que sempre demonstravam orgulho e prosperidade, eram fantasmas de si próprios – acabrunhados e abatidos.

O Rio Grande do Sul, que era grande produtor de carne, não tinha nenhuma pendurada em seus açougues. Foi privado de tudo. Comíamos soja, e olhe lá.

Voltei para Niterói, passando por São Paulo, onde fiquei algum tempo.

Já em Niterói, ajudei o meu marido a montar um grande estúdio fotográfico. Fui fazer ballet com Renée Simon, e trabalhar na Universidade Federal Fluminense (UFF).

No entanto, um pouco antes disso, trabalhei na TV Globo, dando início ao que seria o Jornal da Tarde. Também trabalhei no jornal O Globo. Soube de duas vagas no Jornal do Brasil, e me candidatei a elas. Nessa época, não sei se você lembra, mulher não trabalhava na Geral do jornal, e era isso que eu pretendia.

Consegui. Fui repórter na Geral.

Fiquei no Jornal do Brasil até 1973. Em 1969, no entanto, fui presa e fiquei no DOI-CODI de São Paulo, saindo pouco tempo antes da morte do Herzog.

Fui torturada.

Barreto Neto, que era então o reitor da UFF, manteve minha permanência na universidade apesar de tudo. E o Jornal do Brasil mandou-me à Parati, onde fiquei um tempo em repouso.
Como disse, em 1973, saí do Jornal do Brasil, e já havia separado do meu primeiro marido, e vivia com o pai do meu segundo filho, que está casado, e mora em Florianópolis.

Trabalhei na revista Inéditos, consegui com o então Ministro da Justiça,Armando Falcão, a liberação de alguns exemplares cassados, usando o meu nome Lúcio Bitttencourt, que pertencera ao senador Lúcio Bittencourt, meu tio, que apesar de morto mantinha seu círculo de amizades.

Em 1975, lancei o meu primeiro livro pela editora José Olympio, No país das palavras onde moram os homens mudos, e criei a Feira do Autor, de onde surgiram os escritores Júlio César Monteiro Martins, Jefferson de Andrade, um poeta que infelizmente me falta à memória, e onde Vander Pirole conseguiu se projetar com a ajuda do autor de Malagueta, Perus e Bacanaços, João Antônio.

Enquanto isso, continuava escrevendo para suplementos literários, mantendo amizade com Maria Amélia Mello, Lúcia Minner, Nélida Piñon, Eliane Zagury, Clarice Lispector, Maria Alice Barreto, Carmen da Silva e Oswaldo França Júnior, para citar alguns que influenciaram – para o bem ou para o mal – a minha vida de escritora.

Aposentei-me aos 50 anos. Fui criar gado em Pendotiba, Niterói. E enfim, mudei-me para o Sul de Minas – especificamente para São Lourenço, onde morei dois anos e meio. Em seguida, mudei-me para Caxambu, onde estou até hoje.

Convivi com Renato Archer, quando era Ministro do governo Sarney, e Marco Maciel. E por ter facilidade desta convivência, pude recusar ao então presidente Sarney, manter uma fala na rádio que eu havia criado para a UFF. Daí então, nasceu a conversa com o presidente, programa que até hoje cumpre a liturgia do cargo.

Em 1974 ou 1975, quando houve a fusão do Estado do Rio com o Estado da Guanabara, foi extinta a Agência Fluminense de Informação (AFI) e que você deve ter conhecido, já que conviveu com o governador Roberto Silveira.

A AFI fornecia informações para os jornais do Estado do Rio de modo a mantê-los operantes, com capacidade de informar a população local, visto que os jornais de grande circulação ainda não tinham penetração que atendesse a essas necessidades. Então para que esses jornais não morressem, criamos – eu e o Jourdan Amora – uma agência de informação que mantivesse a vida desses noticiários, que funcionava na rua São José, no Rio de Janeiro. Lá conseguimos reunir grandes nomes da imprensa nacional, então desempregados por conta do excesso de estudantes que as universidades jogavam no mercado de trabalho, sem condição de serem absorvidos. Contamos em nossa equipe com Raul Pragana, que sempre cumpriu a Presidência da República desde a época de Getúlio Vargas; com Jader Barbalho, Meire, que acabou trabalhando na Folha de S.Paulo; Luiz Carlos Sarmento e um grande amigo, especializado em Economia, que nos atualizava com informações corretas, além de Renato Thomaz da Silva.

E aí segue um breve resumo dos últimos 50 anos. Falta mais...

Tenho 68 anos, já tive duas isquemias, e luto para não ter a terceira.

Esqueci de te dizer que lancei um outro livro, este romance, chamado Vicenza Taborda, e um de poemas – desobedecendo ao Manuel Bandeira, O Imaginário Eixo. E estou para lançar, Varal de Possíveis, também de poesia.

Em 2008 e 2009, fiz a roteirização para audio-livros de uma série de obras para a Ediouro, sob o selo Plug-me, culminando com Grande Sertão e Veredas. E pasme, roteirizei também O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, à semelhança da peça que apresentamos em nosso programa estudantil.

Escrevo para o Mídia Independente, faço tradução gratuita de textos em inglês e espanhol para o jornal português, Info, e alguns jornais sindicais da Espanha. Além disso, mantenho meu blog, Porcas & Parafusos (http://porcaeparafuso.blogspot.com), que está parado a um tempão – e que você me motivou a reativá-lo com essa carta aberta; o Imaginário Eixo (http://imaginarioeixo.blogdrive.com), e o jornal Primeira Fonte (http://primeirafonte.blogspot.com).

Por fim, crio cavalos Mangalarga Marchador juntamente com a jornalista
, escritora e professora, Ana Laura Diniz. Temos o Haras Primeira Fonte.

Brevemente, iremos estrear o Caxambu Conection, junto com a escritora Fal Azevedo, e, quem sabe, você poderá participar dele.

No ano passado, participei do livro Entre ouvidos, que fala sobre rádio, organizado pela Lílian Zaremba. Foi publicado com auxílio do Mercosul.
Vivi sete casamentos. Vinícius de Moraes que se cuide.

P.S.: Não sabia que o Alódio gostava de mim. Nada sei dos que você menciona, a não ser com Ricardo, com quem mantenho contato estreito.
É um prazer reencontrá-lo, e saiba: vocês nunca me saíram da lembrança.

Um beijo, Esther