domingo, 21 de novembro de 2010

EIS UM 'NEGRO CANTO' DE ARREPIAR...


um pequeno causo antes de atravessar a pinguela

Por Ana Laura Diniz

Era sábado de 2001, se bem me lembro. A noite prometia porque veria o show de Zélia Duncan, no Rio de Janeiro.  Fim da apresentação. Muitos queriam falar com ela, eu também. Desejava entregar um presente: uma série de fotografias que havia feito dela em shows anteriores, em 20x25.

Fila. Sabe como é? Um fala, outro escuta mesmo sem querer. Tento puxar na memória, mas não lembro ao certo quem primeiro proseou com quem. Acho que fui eu. De quieta passei a falante de 0 a 60 minutos. Nem sei. Não vi o tempo passar. Sei que quando finalmente fui conversar com a Zélia, tinha ganhado amigos. Entre eles, o cantor Márcio Thadeu, que àquela época, nem sabia da sua profissão de fé. Fui saber assim, naturalmente, meses depois, em conversas via e-mail.

Descobrimo-nos, aliás, aos poucos. Talvez por isso a nossa amizade seja tão sólida, verdadeira, passados os quase cinco anos que não nos vemos. No passado, os encontros ocorriam com mais frequência: no Rio de Janeiro, quando eu ia. Em São Paulo, quando ele ia. Agora, em Caxambu, no Sul de Minas, não o vejo. No entanto, nada diminui nossos laços. Tenho nossa amizade como certeza de vida.

Então penso no acaso dos dias: nas gratas surpresas, nos anjos que nos enviam. Márcio Thadeu, para mim, é celestial. Penso também na Zélia, por situações que ela nem mesmo imagina. Também pelo encontro de “alma” com o Márcio, “deixa ver sua alma”. Sou realmente grata à Duncan.

E foi por causa desse encontro, que hoje, caros leitores, vocês têm a honra de conhecer um pouco do muito que é o Márcio. Um carioca fantástico, bonito, de alto astral e super de bem com a vida. Um artista fora de série, que trabalha no resgate e na valorização da cultura popular brasileira. Se há defeito nele, bem... talvez seja a modéstia – pois coloca-se sempre como aprendiz.

Com vocês, Márcio Thadeu, e seu Negro Canto. Puro deleite!
Nada melhor para a semana em que se comemora a Consciência Negra no País... (que a bem da verdade, deve ser a de todos os dias...)
  
O cantor Márcio Thadeu presta homenagens que vão de Cartola,
Geraldo Pereira, Nélson Cavaquinho a Seu Jorge e Jair de Oliveira 

Formado em Economia, como e por que você ingressou na música?
Gosto do trabalho de Consultoria em Economia, que inclusive é o que me fornece respaldo econômico-financeiro para tal empreitada artística, mas é no campo das Artes que verdadeiramente me realizo. Costumo dizer que a música me salvou (risos). Aos 33 anos, em 1995, finalmente tomei coragem e mudei de vida: fui de encontro às artes, porque sempre as admirei. Até então não tinha buscado oportunidades de expressão pessoal através delas.

E como sintetiza essa busca?
A busca pessoal por meio das Artes é profundamente subversiva!

Por que?
Porque mexe com questões pessoais, bem íntimas, profundas, e faz cada um pensar e mergulhar “em seus fantasmas”... leva a uma tomada de decisão se você, de fato, quer ser e estar feliz.

E como foi o teu preparo?
Fiz cursos livres/de extensão nas áreas de expressão corporal, de contadores de histórias, de locução, de teatro, e enveredei pelo caminho da música, buscando a complementação para o trabalho de ator – que eu pensava, naquela ocasião, ser a vocação natural. Mas ao conhecer todo o universo musical mais de perto, principalmente através das aulas de canto popular, me apaixonei pelo vasto “arsenal” de nossa MPB/Samba, e continuo até hoje, 15 anos depois, nesse aprendizado e prática, mantendo aulas particulares semanais de canto.

Com a maturidade dos 48 anos, o que mudou em relação à sua forma de encarar a arte?
A serenidade é maior, a busca de identidade própria e o desejo de encantar a mim e, por conseqüência, a plateia. Sempre levando em conta a importância e a relevância da letra e a melodia que estão sendo apresentas ao público.

Fale sobre o seu primeiro trabalho, lançado em 2007, o CD “Negro Canto”.
Com direção musical e arranjos do violonista Willians Pereira (prematuramente falecido um mês depois da conclusão do trabalho), o CD contém somente composições de autores afro-brasileiros, a exemplo de Seu Jorge, Jair Oliveira, Dorival Caymmi, Nélson Cavaquinho, Paulinho da Viola, dentre outras “feras”. Venho, desde então, realizando inúmeros shows de lançamento e mostras desse trabalho.

Onde?
Em casas da Lapinha, Cais Cultural, Espaço Telezoom, Bar do Tom, Centro Municipal de Referência da Música Carioca, Estudantina Grill, Bar Severyna, Teatro SESC Madureira, Teatros SESI Caxias e Jacarepaguá, dentre outros locais.

Apresentação no Teatro Solar de Botafogo, Rio de Janeiro/RJ
E como tem sido o retorno do público? O álbum pode ser encontrado em que lugares?
A receptividade tem sido muito grande. Foram impressas inicialmente mil cópias, e tenho bem poucas atualmente à venda.

Como você chegou ao nome do álbum: Negro Canto? Partiu de qual pressuposto?
Minha própria cor, história e necessidade de auto-conhecimento, além do desejo de homenagear a esses bambas brasileiros de mesma origem que a minha.

E por que o samba? O que ele influi em sua identidade, em sua vida?
Gosto do prazer e da alegria que o samba irradia ao ser apresentado.

Em termos de mercado, como está classificado o samba?
O samba (carioca) recebeu em 2007, o título de “Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil”. Por aí, vemos a sua importância e a marca de identidade local e nacional.

Artisticamente, qual o seu maior sonho?
Estar em contínua atividade artística. “E no entanto é preciso cantar!”  

Atrelado à música, recentemente o teatro voltou em sua vida...
Há seis meses, recomecei no teatro fazendo parte de um grupo numa Oficina de Atores. Já tive a primeira montagem com público pagante, chamada “Casos Veríssimos”, baseada em textos de Luís Fernando Veríssimo. As apresentações foram no Teatro Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro, por três sábados seguidos, em horário alternativo e casa cheia.

Como foi a experiência?
Muito marcante, e atualmente permaneço na Oficina e também participo do curso de Teatro com Camilla Amado, renomada atriz de teatro, cinema e TV.

Qual a sua busca particular com o teatro?
O enriquecimento para o meu trabalho de cantor no palco, sobretudo com a interpretação do meu texto, que é a letra das canções. Quero expressar-me cada vez melhor como um todo: voz, corpo, gestos, enfim, busco maior presença em cena. Desejo ser um ótimo intérprete!

Mas você o é. Não se considera muito severo em sua autocrítica? Ou encara o aprendizado como uma forma eterna e, por que não divertida, de estar no mundo?
Grato pelo carinho e elogio! Tenho que relaxar mais, eu sei, mas para mim é tão vital estar cantando... sinto-me como na canção de Eduardo Gudin: um eterno “aprendiz de tanto suor” (Verde).

Quais suas influências musicais?
Ouço muita música em CD e nas rádios. Desde a minha infância, gosto de ouvir rádio, e acho que isso me marcou para o canto. Adoro os compositores citados anteriormente e mais Chico Buarque, Jorge Vercilo, Djavan, Maria Bethânia, Gal Costa, Marisa Monte, Tereza Cristina, Zélia Duncan, Cazuza, Elis Regina, Paulo Vanzolini, e muitos outros mais... Temos uma riqueza e diversidade fantásticas em nossa MPB. Somos musicalmente “milionários”.

No Centro Cultural Carioca, cantor promove a alegria da plateia
Projetos em vista?
Agora em novembro, estou em fase de gravação do meu segundo CD, chamado Negro Canto 2. Continuo no mote da homenagem e do resgate dos compositores afro-brasileiros, mas gravo, especificamente neste álbum, dois grandes autores: Cartola e Geraldo Pereira.

Por que a escolha deles?
Porque são mestres, bambas, da escola da vida. A primeira canção que amei – na primeira aula de canto popular – foi “Acontece”, de Cartola. Daí em diante... Geraldo Pereira nasceu em Juiz de Fora e foi criado no Morro da Mangueira/RJ. Foi aluno de violão de Cartola. Achei o “link” incrível e estava feita a conexão.

Em que fase encontra-se o trabalho?
Cumprimos já a primeira etapa da gravação, feita num estúdio em Araras/Petrópolis/RJ, onde ficamos – produtor, cinco músicos e eu - “imersos” por três dias seguidos. Estimo que possa lançá-lo no primeiro trimestre de 2011, aqui no Rio de Janeiro.

Sob qual perspectiva?
A melhor possível. Estou vibrando com esse novo desafio e a realização de um sonho.

O sonho vem por etapas?
Sempre, degrau por degrau. A subida é longa, mas é no caminho, durante o percurso, que se fazem as escolhas e se tem resultados. “A felicidade não está no destino, e sim na caminhada.”

O que costuma fazer em momentos de folga?
Gosto demais de ir ao teatro, ao cinema, aos espetáculos de dança. Agradeço a Deus por estar no Rio de Janeiro e ter esse leque, essa diversidade e oportunidades tão ricas de crescer e aprender vendo, ouvindo e acompanhando tantos artistas. Gosto de ler, mas sou indisciplinado na continuidade da leitura. Sou adepto das artes visuais, cênicas, e isso me satisfaz demais.

Tendo a base como música, o que mais te admira no Brasil?
O fato dele ser tão rico e multifacetado nas artes em geral. É contagiante, e há pleno envolvimento entre seus “operários” e públicos, inclusive com influência internacional: ontem mesmo eu vi um show em que Norah Jones tocou Luiz Gonzaga ao término de uma de suas canções. É demais!!!

Você homenageia em seus discos e nos shows os afro-brasileiros. Aproveitando a semana da Consciência Negra, o que pensa sobre o assunto? Acha necessária a existência desse dia? Como julga a questão do negro hoje no País?
Acho que temos ainda muitas barreiras e preconceitos camuflados. É importante a criação do dia/semana/mês para nos fazer parar nesse corre-corre louco em que vivemos, e refletir sobre pilares constituintes de nossa nação: branco, índio e negro. Pensar e repensar, eis a questão!

E a questão do conceito do “politicamente correto” ao adotar nomenclaturas como afro-descendentes? Acha que mora aí uma hipocrisia ou um preconceito velado por parte da sociedade ou que finalmente adquiriu-se respeito em todos os seus âmbitos?
Acho que há de tudo um pouco: hipocrisia, disfarce, eufemismo... Mas acima de tudo, uma nova forma de se encarar e discutir velhas questões sob uma ótica contemporânea. Não creio no estabelecimento do pleno respeito, ainda, mas estamos caminhando para lá.

E a disseminação de camisas com dizeres “100% BLACK”? Alguns julgam que existe um preconceito ao avesso, porque se alguém aparecer com uma camisa “100% WHITE” será inevitavelmente taxado de preconceituoso. O que pensa sobre o assunto?
Ai, a diversidade humana!
Tem espaço para tudo... Mas o principal penso que é: com que intenção se veiculam essas mensagens: homenagem, afronta, ou seja, o que está por trás dessas mensagens e de quem as usa e veicula? Antes de usá-las, sejam em que ‘tonalidade’ for, pensar no que se está expondo e/ou propondo.

É lindo ser negro!!! Acha que esse orgulho toma conta do Brasil? O brasileiro deve ter consciência de quê?
É lindo ser Brasileiro!!! Ter consciência disso, valorizar isso, acreditar nisso! Os estrangeiros já sabem disso há tempos... Porque não assumimos – de vez – nossa beleza e valor?

Se pudesse hoje, neste instante, oferecer uma música a alguém, qual e para quem seria?
Para todos que compartilham desse momento; e as canções são “O Escurinho” e “Escurinha”, ambas de Geraldo Pereira, e que fazem uma bela homenagem aos nossos negros brasileiros nesta semana de Consciência Negra.

Como o Brasil é um grande caldeirão de cores, um mosaico, somos todos, por consequência, também homenageados através deles!

Contato para shows?

Algo mais a acrescentar?
Muito obrigado pela oportunidade e pelo prazer em estar e compartilhar Arte com todos vocês. Abraços e até breve!       

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