terça-feira, 23 de novembro de 2010

FRÁGIL É O LEITOR


Por Dade Amorim

Gaiman, Neil. Coisas frágeis. Trad. Micheli de Aguar Vartuni. São Paulo: Conrad, 2008.

Isto não é propriamente uma resenha. Faltam rigor, isenção e distanciamento. Por isso, tenho que confessar que escrevo este comentário sobre Coisas frágeis, de Neil Gaiman, ainda intoxicada de admiração e entusiasmo.
Algumas obras fazem falta, caso as deixemos escapar. Houve momentos durante a leitura em que tive vontade de ser Gaiman. Não queria os prêmios dele, que fez tudo por merecer, e acho até que foram poucos. Não queria o renome, a juventude dele. Queria tão só ter sido capaz de escrever esse livro.
Há muito tempo não releio uma obra. E tenho lido coisas muito boas, como os poemas de Leonardo Fróes, obras de Enrique Vila-Matas, Amós Oz, Dino Buzzati, Ricardo Piglia. Também nunca fui muito chegada a fantasias, bestsellers ou não. Raramente gostei de uma história que fosse além da realidade como a conhecemos, e assim de pronto só me lembro de ter adorado A outra volta do parafuso, de Henry James (acaba de sair no Brasil Os Embaixadores, um de seus últimos livros, tido como uma das obras-primas de James), ou as histórias simbólicas de Italo Calvino. Mas tanto uma como as outras não pretendem assustar, fazer profecias ou causar espanto a ninguém. Ultrapassam a realidade conhecida com um objetivo ficcional, e acredito que seja esse o motivo principal de conquistarem o leitor com sua prosa surpreendente, mas não escapista ou alienante.
Coisas frágeis, no entanto, é bem mais que um livro que se dá ao luxo de recorrer ao sobrenatural para reforçar um enredo, como acontece com o romance de James, ou exaltar a poesia das cidades, como faz Calvino em As cidades inisíveis, inventando lugares inexistentes para reavivar sentimentos e emoções que tratamos como lugares comuns no cotidiano ou no máximo merecem poemas repetitivos. Coisas frágeis simplesmente vai além da fronteira dos sentidos quase como uma homenagem ao sensível – o que à primeira vista pode parecer paradoxal.
Acredito que toda a beleza soturna e estranha dos contos de Gaiman esteja baseada numa fabulação que não só desce às profundezas da dor humana como no conto “Lembranças e tesouros”, mas também na criatividade inacreditável de textos como “A vez de outubro”, “Os fatos no caso da partida da senhorita Finch” ou “Golias”, que ele escreveu por encomenda, para a divulgação do filme Matrix. Um livro que me faria falta.