sábado, 13 de novembro de 2010

A CIDADE TORNA O CAMPO URBANO

A delimitação entre o campo e a cidade se perde no urbanismo

Por Ana Laura Diniz

Diego Marihama: "um único McDonald's altera todo o sistema de
relação entre a população e a cidade."
É o que afirmou o professor de filosofia, Diego Kenji Marihama, na apresentação de seu trabalho no último encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu, Sul de Minas Gerais.

Segundo Aristóteles, o homem é por natureza um ser político capaz de trabalhar em sua mente estratégias, habilidades, discussões, que jamais outro animal portará. “Quando Aristóteles definiu o homem como animal político é porque, na sua concepção, a própria razão é, essencialmente, política”, disse. “Mas depois de traçar uma análise do homem e de sua racionalidade, foi necessário perceber o pensamento antropológico da cidade - desde o pensamento feudal, onde o ar da cidade liberta, até a relação com Marx Weber, para haver capitalismo precisa-se de cidade”, continuou o professor de filosofia.

Desta forma, Marihama observa que cada cidade é única, podendo assim, jamais fazer relações outras se quer, pois ela está inserida em um contexto econômico, social, religioso, que a transforma em objeto complexo. “Há dessa forma, uma diferença entre a definição sociológica de cidade e de seus limites administrativos ou legais captados pelo recenseamento urbano.”

URBANISMO –
“A influência do modo de vida urbano está além dos limites da cidade, expansão que só é possível pelas intensas trocas proporcionadas pelo sistema de comunicação e pela adoção generalizada da tecnologia e das relações sociais de produção modernas”, disse o filósofo.

Para ele, é importante lembrar que os espaços rurais não estão isolados do centro urbano. “Ao contrário, a lógica urbana integra os diversos setores da sociedade, incluindo as áreas rurais, em seu universo político, econômico, cultural e social. Portanto, é impossível falar em cidade pura ou em campo puro, ambos são tipificações ideais de formas de comunidades e de relações sociais. A realidade abriga diversas gradações que se encontram entre esses tipos extremos.”

Percebendo a arbitrariedade de se definir uma comunidade como sendo urbana fundamentada apenas no tamanho da população ou em sua densidade, Marihama propõe que se faça referência a características sociais significativas na conceituação do urbano. “Quanto maior a heterogeneidade e densidade da população, mais intensamente se manifestarão as características do urbanismo. O grau de interação social também é uma variável importante: quanto maior for o número de indivíduos se relacionando na sociedade, maior será a diferenciação potencial entre eles”, disse.

O aumento do número de habitantes interagindo modifica a forma das relações sociais, que tendem a transitoriedade, superficialismo, fragmentação e anonimato. As relações sociais passam a se pautar na lógica utilitarista, devido à pressão da divisão do trabalho e da especialização dos indivíduos. “Mas é curioso perceber que o número de habitantes, isoladamente, não afeta o contexto. Em Varginha, por exemplo, o fato de ter apenas um McDonald’s faz a cidade ser completamente diferente da sua vizinha, Pouso Alegre, ambas no Sul de Minas. É impressionante como um simples objeto modifica o meio. A relação cidadão versus cidade é outra”, enfatizou o filósofo.

A forma política característica do modo de vida urbano é também um sistema representativo. Assim, o indivíduo precisa se articular em diversos grupos de interesses para se valer na arena política e social. “A densidade populacional tende a vir relacionada com a diferenciação social e os grandes contrastes urbanos, tanto de natureza econômica como social e cultural, o que pode potencializar tensões nervosas. A distribuição dos diferentes grupos na cidade não ocorre por acaso, obedece a uma lógica urbana de classificação, seleção e alocação de indivíduos, recursos públicos, instituições e serviços.

Essa lógica está relacionada a vários fatores como o mercado de consumo e de mão-de-obra. As diferentes localidades acabam por se inserir na lógica urbana de formas variadas, surgindo assim, as desigualdades regionais e dominância dos centros urbanos”, acrescentou.

De acordo com Marihama, a mobilidade seria outro traço marcante do modo de vida urbano, manifestando-se no status flutuante do sujeito no meio sócio-econômico, no elevado grau de renovação dos membros dos diferentes grupos e nas mudanças contínuas de residência e local de emprego.