quarta-feira, 17 de novembro de 2010

CONFISSÕES DE UM PROFESSOR

Por Ana Laura Diniz

O livro do filósofo francês Jacques Rancière, O Mestre Ignorante, traça rumos que averiguam a teoria pedagógica clássica - mestre de um lado, aluno de outro – firmando e exaltando, assim, uma distância inigualável entre as duas partes. Nesse conluio de situações, surgem perguntas: “Quem sabe mais e quem sabe menos? Quem manda e quem obedece? Quem tem mais ou menos poder?”

De acordo com ele, a noção segundo a qual “há seres inferiores e superiores” deveria ser extinta, uma vez que eterniza as desigualdades que beneficiam os detentores do poder.

Assis: "A figura do professor deve
estar para o aluno tal como o
maestro está para seus músicos.
Que haja a regência, mas
com espaço para a criatividade
do músico"
Para o professor Ronaldo de Assis, 36 anos, formado pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), especialista em Matemática e Estatística pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), nem sempre é assim. “Na minha opinião, deve haver hierarquia ao mesmo tempo em que a participação do aluno for maior do que é hoje. A relação entre professor e aluno deveria ser um tanto mais próxima. O aluno precisa ter um espaço maior. Mais do que isso, precisa sentir que a sua participação é imprescindível. Ele precisa ser incentivado. Penso que a figura do professor deva estar para o aluno tal como o maestro está para seus músicos. Que haja a regência, mas com espaço para a criatividade do músico”, afirmou.

A hierarquia, sob seu ponto de vista, então precisa existir...

Sim, na verdade, o que precisa ser quebrada não é a hierarquia, mas a barreira que existe entre professor e aluno. Hoje o sistema é programado: um professor lecionará Matemática, outro Português, outro História, mas não há um envolvimento pessoal entre professor e aluno porque não há espaço no programa, e, a bem da verdade, os professores não são preparados para isso, para trabalhar valores, incluindo a questão da cidadania.

Acredito que há uma barreira, mas que o sistema mesmo é que condiciona o professor a adotar essa postura.

Pode exemplificar?

Claro. A maioria do ensino hoje está sob moldes dos sistemas apostilados. Literalmente, o professor é hoje programador de conhecimento: introjeta conhecimento técnico, científico, na cabeça do aluno, mas não há espaço em nenhum desses programas para trabalhar as personalidades, os valores, que são essenciais para a vida em sociedade e, por conseguinte, para um ser humano evoluir. Por que o que a gente está fazendo? De uma maneira ou de outra, formamos pessoas que possam contribuir com a sociedade, mas a visão do Estado para o aluno é tecnológica – ele tem que aprender a tecnologia da ciência de determinada disciplina – e os valores e os princípios, importantíssimos para a mesma sociedade, pois a solidifica, repito, fica sem espaço.

E como há ausência de visão, os aspectos que seriam relevantes para uma vida próspera, por não ocorrer, fazem com que a sociedade funcione mal, o crime, etc, a falta de cidadania tem seu retorno nas ruas do País...

Exato, e sempre da pior forma. Num rápido raciocínio é como jogar o lixo no chão. Como esse tema não é trabalhado em sala-de-aula, o Estado – que deveria oferecer oportunidades amplas e irrestritas de ensino - se vê ainda onerado por não ter visão a longo prazo.

Como o Senhor define hoje a educação?

É difícil resumir, mas educar é mais que transferir e aprimorar o conhecimento; é aprender a desenvolver em sala-de-aula não só o conteúdo que se tem programado para lecionar, mas tendo oportunidade, trabalhar valores para formação da personalidade, com temas ligados à cidadania de forma a engendrar cidadãos.

Do jeito que funciona o ensino, raramente se tem abertura para isso. Há um sistema de produção seriado no qual cada professor trabalha uma parte, mas não há esse trabalho de personalidade, de valor e de cidadania, e praticamente fica a cargo de cada professor, se este se preocupar ou arranjar tempo para isso. O que é exceção deveria ser regra: trabalhar a parte de princípios humanos é fundamental para o progresso de um povo, e consequentemente, de uma nação.

Sucintamente, o que acontece atualmente?

A condição que o Estado nos coloca para trabalhar é a seguinte: somos repositores de mão-de-obra; que vai desde o lixeiro, um balconista, até um médico ou advogado. Nós apenas repomos. Porque os advogados de hoje morrerão, e amanhã tem que dar um jeito para trabalhar no futuro do advogado. Quer dizer, não há cuidado com a parte do caráter da pessoa e, em decorrência, com o da sociedade. Tudo isso ajuda para que os professores fiquem longe dos alunos.

Nessa maré, como se define um bom aluno? Os “melhores da turma” são os que tiram nota mais alta ou o quê?

O melhor é aquele que conseguiu desenvolver uma aptidão para a pesquisa, porque o que tira a melhor nota é só aquele que pegou melhor determinado conteúdo, mas o objetivo é que ele desenvolva depois aquele aprendizado. Ser detentor apenas do conteúdo não é o suficiente. Mas é lógico que se o aluno tiver o conhecimento agregado à curiosidade, excelente. Contudo, se ele tiver uma só característica, que seja a do curioso – pois certamente será o grande pesquisador e, portanto, sem sombra de dúvida, o melhor.