Claudia Lopes Borio*
Jorge Amado (imagem Google)
Dificilmente haverá um escritor com a vida tão movimentada e aventurosa quanto Jorge Amado.
Filho de fazendeiros do interior da Bahia (seu pai era um dos "coronéis" que ele retrataria tão bem),
suas memorias de infância serão marcadas por esses acontecimentos típicos do sertão nordestino, como o fato de seu pai ser ferido por uma tocaia na própria fazenda, que passou também por uma
epidemia de varíola.
Alfabetizado em casa, seguiu estudos em colégios internos, como era de regra na época, de um dos quais fugiu com 12 anos fazendo uma viagem de meses para visitar o avo paterno, que morava em Sergipe. Um dos padres do colégio, notando seu talento literário, lhe deu livros clássicos para ler, influenciando na sua formação e aumentando seu interesse.
Ele foi de colégio em colégio, até finalmente se formar em direito no Rio de Janeiro, com notas brilhantes; no entanto, nunca iria advogar.
Rio de Janeiro, travou amizade com intelectuais e escritores da época (Vinicius de Morais, Raul Bopp, Rachel de Queiroz e muitos outros).
Seu primeiro romance, País do Carnaval, foi um sucesso rápido, e seu titulo torna-se um novo estereótipo. O Brasil passa a ser pensado e descrito como sendo, de fato, o país do carnaval.
Em seguida, publicou o romance Cacau, escrito com apenas 21 anos, uma pequena obra prima sobre a vida de um trabalhador de fazenda em condição análoga a de escravo. No entanto, nota-se que é um livro irregular, ora magnífico, ora apresentando características de um escritor ainda imaturo.
Seguindo uma linha neorealista, ia em posição contrária ao modernismo da semana de 1930. Sua profissão de fé na luta de classes e no idealismo socialista vai acompanhar praticamente toda sua obra.
Seu maniqueísmo literário pode não agradar a crítica, mas agrada ao povo, que esgota rapidamente as tiragens de seus romances. A crueldade das classes dominantes, as penas desproporcionalmente longas infligidas aos presos pobres, o analfabetismo, a miséria, a mortalidade infantil, os órfãos sem rumo,
tudo é retratado com muita verossimilhança nesta obra que se assemelhara à de Balzac pela quantidade de livros e pela qualidade das emoções que evoca nos leitores.
"O sentido de documento, de grito, é sem dúvida a coisa que surge mais clara no novo romance brasileiro. Não é negócio de escola, besteira de grupo. É pensamento natural que não podia deixar de acontecer. Os
"O sentido de documento, de grito, é sem dúvida a coisa que surge mais clara no novo romance brasileiro. Não é negócio de escola, besteira de grupo. É pensamento natural que não podia deixar de acontecer. Os
novos romancistas, brasileiros, não apenas os do Norte, não acreditaram mais em brasilidade e em verde amarelismo. Viram mais longe. Viram esse mundo ignorado que é o Brasil. E o Brasil é um grito, um pedido de socorro. Não falo aqui em frase de deputado baiano na Assembleia: "O Brasil está na beira do abismo". Isso é literatura de quem tem 6 contos por mês. Grito, sim, de populações inteiras, perdidas, esquecidas, material imenso para imensos livros. Daí essa angústia que calca as paginas dos modernos romances brasileiros, servidos todos por um clima doloroso, asfixiante. Romancistas novos do Brasil, revolucionários ou reacionários, nos seus livros vive um clamor, um grito que era desconhecido e que começa a ser ouvido." Palavras de Jorge Amado em "Uma história do romance de 30" de Luís Bueno.
Jorge Amado trabalha como criador e diretor de várias revistas, sempre escrevendo sem cessar (entre outros livros de sucesso, Capitães de Areia, obra que virou também um belíssimo filmenacional, data dos anos 50).
Em auto-exílio no regime getulista, vive na Argentina, no Uruguai, em Paris e em Praga.
Uma curiosidade desse período é que, apos ser preso por um mês pela ditadura getulista, ele passa quase dois anos escondido na cidade de Estância, em Sergipe, onde acaba se tornando um verdadeiro agitador cultural com um grupo que frequentava a papelaria da pequena cidade, inventando até um concurso de miss e elegendo a sua candidata favorita.
É dessa cidade sua primeira mulher, Matilde, com quem terá uma filha.
Em 1945, tornou-se deputado pelo Partido Comunista e participou da famosa Assembleia Constituinte de 1946, com avançadas conquistas democráticas para a época. Jorge Amado foi responsável por criar
varias leis pioneiras de incentivo a cultura. Foi também responsável pela emenda que garantiu a liberdade religiosa no Brasil, pois presenciou vários tipos de perseguição religiosa.
Adepto do Candomblé, embora se dissesse comunista e materialista, como bom baiano, essa dualidade não lhe causava problema.
Nessa época publicou Seara Vermelha e Gabriela, Cravo e Canela, entre outros. Albert Camus descreve Jubiabá como "magnifico e assombroso".
Motivado por esse livro, o fotografo e etnólogo Pierre Verger visita a Bahia, de onde não saiu mais, e tornou-se grande amigo de Jorge Amado.
Em 1961 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono era José de Alencar. Em memória dessa conquista, escreveu Farda, Fardão, Camisola de Dormir, numa alusão clara a idade vetusta dos participantes.
Nessa época, e alegando utilizar métodos semelhantes aos de Jorge Amado para escrever, Glauber Rocha realizou o filme A Idade da Terra, tudo em meio a intensa correspondência com o autor.
Na década de 1960, lançou as obras "Os Velhos Marinheiros" (que compreende duas novelas, das quais a mais famosa é "A morte e a morte de Quincas Berro d'Água"), "Os Pastores da Noite", "Dona Flor e Seus Dois Maridos" e "Tenda dos milagres".
Sua franca produção literária continua mesmo na velhice, nos anos 1970 publica ainda os grandes sucessos "Teresa Batista Cansada de Guerra" e "Tieta do Agreste”, mais tarde transformada, como muitos hão de recordar, em uma novela de grande sucesso realizada pela Rede Globo.
Além disso, foi parceiro de muitos músicos em várias canções de sucesso, notadamente com Dorival Caimmi.
Seu ultimo livro refere-se à presença dos imigrantes no Brasil, “A Descoberta da América pelos Turcos”.
Jorge Amado foi traduzido em mais de 48 línguas e em mais de 50 países. Sua segunda esposa, Zelia Gattai, também publicou vários livros.
Na extinta União Soviética, seus livros se tornaram imensamente populares, traçando um panorama realista da vida no terceiro mundo e fazendo com que muitos leitores se interessassem pelo Brasil.
Vivendo exclusivamente dos direitos autorais de seus livros, teve suas economias abaladas pela falência do Banco Econômico, banco que, no entanto, foi salvo pelo controvertido programa governamental,
o Proer.
Jorge Amado envelheceu e faleceu em sua famosa casa do Rio Vermelho na Bahia, cercado por amigos como Caribé e Mãe Menininha do Gantois, com muitas obras de arte trazidas de todos os cantos do mundo, usando sempre um chapéu ou boné, com sua família, filhos, netos, noras, irmãos sempre muito próximos, não esquecendo de seus cães da raça pug, que Dorival Caimmi dizia serem mestiços de cachorro com porco.
Apesar dos sucessos televisivos e no cinema, as adaptações de suas obras não traduzem a riqueza de suas descrições e de sua linguagem.
É de se lamentar que Jorge Amado esteja "fora de moda" e que não seja atualmente recomendado como leitura obrigatória nas escolas. Qualquer advogado que se interesse pela problemática do trabalho escravo nas fazendas do interior do Brasil, por exemplo, deveria ler Cacau, cuja descrição ainda se aplica a muitos dos fenômenos que ocorrem nos rincões mais distantes deste país.
Utilizando todos os palavrões da língua pátria, e as descrições realistas com maestria, ler Jorge Amado é sempre um choque e ao mesmo tempo um prazer indescritível, temperado com uma boa dose de bom humor e otimismo.
Jorge Amado era um grande escritor de cartas e deixou milhares de paginas, que se encontram arquivadas no museu- fundação com o seu nome, e que deverão ser abertas 50 anos após sua morte. Os seus leitores e
admiradores aguardam com muita curiosidade.
Fonte do texto citado: Jorge Amado, Apontamentos Sobre o Moderno
Romance Brasileiro, Revista Lanterna Verde, Boletim da Sociedade
Felippe d'Oliveira, maio de 1934, Rio de Janeiro, pagina 49.
Filme de Fernando Sabino com Jorge Amado:
*Claudia Lopes Borio é escritora em Curitiba, onde leu Cacau com 15 anos de idade, por influência de seu pai, grande leitor e comunista.
Como Jorge Amado, ela também tem um cão da raça pug.
Prefeitura de Estância realiza concurso literário “Estância de Jorge Amado – Doce Exílio”
Qui, 02 de Agosto de 2012 10:22
As inscrições já estão abertas desde o dia 23 de abril, até o dia 16 de julho de 2012, na Secretaria Municipal de Cultura, Juventude e Desporto, lozalizada na Rua Lavínia Lima Santos, 17, Bairro São Jorge, Estância – Sergipe.
O concurso tem o objetivo de comemorar o centenário do escritor baiano Jorge Amado que este ano completa 100 anos de nascimento. Esse concurso visa premiar matérias jornalísticas ‘escritas’ sobre a vida do autor de ‘Tieta do Agreste’ nos anos de sua morada no município.
Cada participante concorrerá apenas com uma matéria jornalística. Os trabalhos serão julgados por uma comissão julgadora composta por escritores, educadores, poetas e editores dos jornais do Estado de Sergipe, que levarão em consideração para fins de avaliação os critérios de adequação técnica; redação conforme as normas gramaticais; criatividade; e originalidade. Essa comissão vai decidir quais serão os vencedores e que receberão prêmios e terão suas matérias publicadas na imprensa local.
O vencedor receberá o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) em prêmio; o segundo colocado receberá a premiação no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais); e ao terceiro colocado será entregue o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) como premiação.
Maiores informações no edital que segue o link abaixo:Prefeitura de Estância realiza concurso literário “Estância de Jorge Amado – Doce Exílio”
http://www.estancia.se.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=650&Itemid=20