Agora, com ilustração de Patricia Caetano.
Esta crônica foi publicada no Primeira Fonte em 13 de fevereiro de 2011.
Muito cedo as salas de cinema me encantaram. Na minha cidade no interior de Minas, cresci sabendo da existência daqueles dois cinemas. Eles já estavam lá antes de mim.
O Cine Theatro Trianon, situado num extremo da rua do footing, velho e pequeno, era composto de uma platéia e das galerias. A platéia, provida de poltronas de madeira fixadas no piso, se situava no nível térreo. As galerias eram estruturas de madeira localizadas acima e nas laterais da platéia, formando praticamente um teatro elisabetano, o que descobri muito tempo depois, ao conhecer o teatrinho de Sabará. Os pilares de madeira entalhada que sustentavam as galerias laterais saiam diretamente da platéia e criavam poltronas indesejáveis, das quais não se enxergava a tela. Quem se assentasse ali, ficava com o pescoço torto para se desviar do pilar e ver o filme. Azar de quem chegasse tarde, o que não ousávamos, já que ver e ser visto fazia parte do programa.
Na praça no outro extremo da rua do footing,ficava
o Cine Meridiano, maior e mais novo, amplo, um vão enorme (eu gostaria
de conferir esse “enorme” hoje, mas o prédio não existe mais). Neste as
poltronas já eram estofadas e a tela era grande, permitindo a projeção
de filmes em cinemas cope.
Logo que pude sair de casa sozinha, isto é, sem a companhia de meus pais ou irmãos, lá pelos 8 anos, ia com amigas para a porta do Trianon e dávamos um jeito de nos irmos esgueirando para dentro do saguão, com a desculpa de vermos mais de perto os cartazetes, e aos poucos estávamos vendo pedaços do filme pela greta da cortina. Por várias vezes o porteiro veio nos dizer que aquele filme não era para nós. No passeio e na rua procurávamos por pedacinhos de filmes, fotogramas que guardávamos como tesouro quando encontrávamos uma cena inspiradora ou o galã dos sonhos.
Lá
pelos 10, 11 anos, já familiarizada com as salas de cinema, comecei a
ir, às terças-feiras, à Sessão das Moças, cujo ingresso custava “um
dinheiro”, provavelmente Cr$1,00, valor que eu conseguia vendendo vidros
e garrafas para a farmácia, vendendo jornais velhos, entregando
marmita, ou, bênção, ganhando um trocado de algum irmão mais velho ou de
algum tio em visita à cidade. E principalmente de minha mãe.
Pouco
tempo depois, eu devia ter uns 14, 15 anos, anunciou-se a construção de
outro cinema, esse, sim, prometendo tecnologia, conforto e charme.
Ainda mais que a vizinha cidade de Curvelo, tida como rival de Sete
Lagoas, tinha acabado de inaugurar seu Cine Denise, que diziam ser uma
maravilha. Existir lá um cinema assim era um desaforo para os
setelagoanos. Perto da inauguração, já pronto o prédio de amplas
dimensões e linhas modernas, os donos lançaram um concurso para escolha
do nome do cinema. Espalharam urnas pela cidade, e as vitrines de uma
loja de tecidos exibiam alguns dos palpites. Eu me lembro de ter ficado
ansiosa pelo resultado que, quando veio, para mim foi absolutamente
decepcionante: Cine Rivello. Como? Por quê? Revelou-se, depois, que
Rivello era a cidade italiana de onde vieram os ascendentes dos donos do
cinema. Não importa, era um nome simpático e passou a fazer parte da
minha vida.
Conheci, depois, muitas salas. Na Capital, freqüentei cinemas que ainda exibiam o luxo de arquitetura art déco,
cortinas de veludo, pisos de mármore e granito, ferragens preciosas,
lustres e arandelas bem desenhados, jogos de luzes, trilha sonora para
antes e depois do filme. Frequentei também as salas mais modestas de
cineclubes, instalados em centros acadêmicos, na Imprensa Oficial, ou
mesmo em algum cinema que se dispusesse a carregar o título, para o bem e
para o mal, de “cinema de arte”. Vi, depois, os cinemas darem lugar a
igrejas e migrarem para os shoppings, onde hoje se encontra a
maioria delas. Embora o bulício e a desconcentração que reinam nas salas
de hoje não me agradem, continuo amando ir ao cinema.
Mas
foi naquelas salas da minha infância que conheci a magia do cinema. Nos
filmes que vi viajei por lugares inacessíveis e inimagináveis, aprendi
História e acompanhei histórias, chorei por amores contrariados, torci
por mocinhos, vibrei com cowboys falsos, copiei modelos de
vestidos e cabelos, ri demais com O GORDO E O MAGRO, desejei tanto saber
dançar sapateado, me afligi com o destino da mocinha em seriados que se
interrompiam em horas cruciais, me meti a falar inglês embromation...
Mas, principalmente, comecei a considerar a possibilidade de uma vida que, até ali, eu não sabia ser possível.