Por Adelaide Amorim
Georges Simenon. O gato. 4 ed. Trad. Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 156 p.
Para quem conhece o Simenon dos romances policiais, O gato é um presente e tanto.
O inspetor Maigret, criado em 1930, está bem situado no ranking dos detetives mais queridos pelos leitores do gênero, e suas histórias têm o atrativo do bom vinho – nunca perdem o sabor – apesar de quase sempre terem sido criadas e escritas em no máximo duas semanas, muitas delas por encomenda. Sem a violência de algumas obras desse tipo, o autor talvez possa ser alinhado junto com Agatha Christie no quesito inteligência, mas ganha longe dela quanto à sensibilidade e à qualidade literária: foi qualificado por André Gide como o maior romancista da França atual, e comparado a Balzac por alguns críticos. Seus livros estão traduzido para mais de cem idiomas.
Portanto não é muito de admirar que ele fosse capaz de um livro como esse – que não é o único no gênero do romance psicológico. Acima de um livro sensível, consegue expressar em seu texto um ressentimento antológico, numa história dolorosa, capaz de fazer refletir o mais entusiástico ideólogo do casamento tradicional. Entende-se que esse belga, de quem se diz ter transado com 10 mil mulheres e cuja experiência conjugal teria sido um fracasso completo, fizesse tal idéia da vida
O gato serviu de roteiro, em 1970, para o filme do mesmo nome e densidade à altura, com Simone Signoret e Jean Gabin nos papéis principais. Andei procurando por ele nos “museus” de locadoras e sebos, mas não achei. Se alguém descobrir, favor avisar, obrigada.
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CRÔNICA – BANDEIRA SABOROSO
Eduardo Coelho (org.). Manuel Bandeira.Eduardo Coelho (org.). Manuel Bandeira. São Paulo: Global, 2003. 226 p. (Coleção Melhores Crônicas.)
Falar
A prosa, especialmente assim, em forma de crônica, dá a conhecer uma dimensão que pertence à conformação subjetiva de seu autor e a um dia-a-dia diferente daquele que se depreende de um diário, mas fala de preocupações que vão além do trivial e têm muito a ver com o que motiva sua curiosidade, o que foi capaz de impressioná-lo ou suscitou uma emoção, um sentimento ou um desejo de conhecer.
Bandeira revela nessa coletânea o ecletismo de seus interesses e a competência para falar sobre eles.
Grande contador de casos, de linguagem refinada e gostosa de ler, pode também usar expressões bem pouco ortodoxas, ou uma escrita descontraída, de linguagem coloquial. Maneja tudo com distinção e louvor, e ainda com originalidades encantadoras, quando fala sobre cidades (deliciosamente sobre o Rio), episódios da história ou política. Impregna de ternura as narrativas sobre a gente do povo, tipos de rua, as crianças, as mulheres. Fala dos amigos, da doença que o afligiu, e também de arquitetura, estilos, artes, sem nunca perder a lucidez que no entanto não torna sua escrita fria, regida pela razão, mas sustenta sua liberdade e leveza, porque é uma lucidez soprada pelo coração de poeta.