Eustáquio Gorgone
Quando morre um poeta não é possível sementeio de palavras ou plantação de letras, mas, somente, terra arrasada. Nada pode ser dito, nenhum som deve ser emitido. A noite pesa sobre os ombros derreados do silêncio. Mesmo que os cachorros latam, que os carros buzinem, o som não nos chega : a emissão deles depende da voz do poeta em letras e do poeta em temperos.
Quando morrem dois poetas, assim de seguido, como se fosse correição de formigas, o chão fica quebradiço, o solo oco e o dentro do planeta é um profundo vazio gemendo o uivo dos lobos.Ontem, dia 26, morreu em São Paulo, onde estava hospitalizado o poeta Eustáquio Gorgone. Há algumas semanas foi cozinhar para as nuvens Toninho Godtfredsent, este poemava com o sabor , sabia evolar perfumes de seus temperos.
Sobre o queijo azul- vídeo editado por Fernando Niman
Ontem, na Praça 16 de setembro, em Caxambu, houve homenagem a Eustáquio prestada pela LESMA-Liga Ecológica Santa Matilde- e pelo MOSCA , -Grupo de Cultura Alternativa- movimentos culturais de Conselheiro Lafaeiete e de Cambuquira no Movimento Universitário Abril Poético.
Creio que Eustáquio gostaria no fundo azul, em terceiro plano, destas foto, por isto está postada
LESMA na Praça XVI de Setembro em Caxambu, ontem
Acadêmicos leram biografia de Eustáquio Gorgone e disseram seus poemas, assim como seus filhos, que estavam presentes .
Um dos últimos livros de Eustáquio," Fortaleza de Feno" foi uma sugestão do Toninho Godfredsen.
Num país com reis, elfos, e gnomos, a Dinamarca e natais repletos de luzes, assim conta Toninho a história do Queijo Azul de Minas. Com a mesma voz que nunca mais escutaremos. Recordo de chegar ao seu restaurante, o Royal Dansk - e era sempre assim- ele levantava de onde estivesse e conversávamos sobre a arte .E a comida, saborosíssima muitas vezes, era esquecida no calor da conversa e, posteriormente, saboreada com o tempero do embalo de sua voz e contares que nunca mais ouvirei.
Certa vez ele chamou por sua filha Constança que assumira como Chef do restaurante e nos apresentou.
Mas conto como surgiu o "Fortaleza de Feno" : Pedro Leal, o pintor que ilustrou alguns litros de Eustáquio, à bico de pena com irmãos do poeta iam jantar no Toninho que lhes mostrou um exemplar de um livro dinamarquês, pequenino, do tamanho de fortaleza de feno, com algumas fábulas. Esta foi a fórmula:
Quando a gente pensa que o mundo é quadrado, leva um tombo, Tropeça na pedra que Dromond colocou no caminho e cai em si. Pois é, de Toninho veio a sugestão de um livro que Gorgone e Pedro Leal concretizaram.
No hospital, Eustáquio escreveu o livro derradeiro. Aguardamos por ele.
Toninho, dele tenho guardado na alma, o sabor do última caldo que tomei no Royal Dansk. Dia de estômago em revolta e o caldo chegou à calhar.
O que me entristece e muito é saber que a cidade de Caxambu, que deve muito aos dois, Eustáquio, poeta do mundoi e Toninho que veio do mundo para Caxambu não receberam nenhuma homenagem da cidade. Foi preciso que alguém de fora lembrasse do poeta
Esta a última entrevista que fiz com ele. Conversas mantivemos muitos e muitos, após.
EUSTÁQUIO GORGONE DE OLIVEIRA, CASCATEIRO, COMO TODO POETA, OU FINGIDOR, COMO DIRIA PESSOA
Eustáquio Gorgone acredita que “o horizonte do mineiro é a angústia. Serras azuis e verdes da Mantiqueira, da Bocaina, as ladeiras, as curvas sobre curvas da estrada aproximam o horizonte, assim como a primeira remada encaminha o barco e seu barqueiro para o derradeiro ancoradouro e os quartos, as salas, se abrem para dentro das pessoas.
O mineiro quando pega no remo pela primeira vez encurta caminhos. A primeira braçada o leva para baías e lagos que se fecham sobre si mesmos e sobre o remador. Aí tudo seca e a quilha do navio ancora nos montes.
A arte é coisa morta. Feita de lembranças nossas e dos outros, das saudades; arte é a história dos que não mais estão presentes. É como a cebola: fatias que se enrolam sobre si mesmas.”
Eustáquio é poeta. Nasceu em Caxambu, Minas Gerais, em 1949. Licenciou-se em Letras e Pedagogia. O autor de mais de 10 livros de poesia tem pronto um livro com cerca de 140 poemas. “A Janela do verbo assistir”, sua última publicação foi vencedor do Prêmio Estímulo às Artes, 2006, da Fundação Clóvis Salgado e do Suplemento Literário de Minas Gerais.
1
astrônomos vieram a passa quatro
por ocasião do eclipse de 1912.
na porta da hospedaria, lia-se:
não aceitamos pessoas com moléstias
contagiosas
e que se preocupam com manchas escuras.
folheando os livros da época,
deparo-me com a relação dos sábios
e o relatório de cada um deles.
de fato, as sombras surgiram nos céus
contra a vontade do senhor da hospedaria
que expulsando os filósofos e poetas,
fez a luz voltar ao sol.
16
navegamos pelos vales
abertos à tristeza.
outrora havia o pássaro
chamado sahy de colleira
e ele justificava o eu lírico.
navega pelos vales
abertos à tristeza.
o que foi um ato amoroso
agora é apenas sestro.
a longa viagem termina
quando faróis nos levam
para dentro de suas sombras
Eustáquio Gorgone de Oliveira, olhos azuis, cabelos brancos e uma calva; assim lembra a figura de Drumond, poeta de feitio quixotesco no perfil anguloso e seco. Gorgone porta traços delicados no rosto que, se não fosse magro, seria redondo.
Mora no estrangeiro, mas no estranho que habita Caxambu.
Conversamos em frente da piscina do Hotel Gloria que segundo ele, é um hotel da cidade que nunca está, parece fora de Caxambu. “Pertence aos que por lá passam, se hospedam, os estrangeiros. E é essa transitoriedade que me fazer morar no estrangeiro, pois é o clima de outros lugares que se respira aqui.”
Poeta premiadíssimo que tem Pouso Alto como matéria de ensimesmar-se. De cima, dos cumes, o poeta preserva a si mesmo e seu entorno ao observar o seu dentro que é o fora ao avesso.
Pouso Alto é uma cidade do sul de Minas Gerais quando se recita os municípios pela janela do carro. Para o poeta, a cidade, apesar de metáfora, é concreta mesmo sendo abstrata. Diz ele que um grande poeta mineiro, publicado na Europa, Yacir Anderson Freitas, lhe confessou que gostaria de ter escrito um livro chamado Pouso Alto. “Falou comigo por telefone que gostaria de dar título a um livro que escrevera de Pouso Alto. Só que Pouso Alto não é somente um título para mim”. É o ponto de vista de Eustáquio
Mas o Gorgone, barroco, (“considero minha poesia um pouco barroca, àquelas contorções do barroco, as perspectivas, as sobreposições... o barroco era universal porque convive com a angústia, o anseio da impossibilidade do ser humano ser feliz”) pela dor de retornar sempre ao mesmo ponto, as volutas do trajeto, adona-se de Pouso Alto em seus poemas.
“A arte é uma produção morta, porque é um produto do ser humano , um produto social do artista. Ela é uma, como se diz... um anseio de uma... não é anseio... como a cebola do Herman Hesse que diz que nossa alma é como a cebola com várias camadas. Eu não era Pouso Alto quando tinha 12 anos. É uma montagem... metáfora. Mas a morte é como o símbolo de que que você , coisa morta, sem vida, extinta, sem respiração , um cadáver, é uma prova do que você vivenciou quando era vivo ou antes, uma testemunha do que você percebeu antes de se tornar inerte, a arte é isso: uma prova, uma produção do que você foi testemunha, de que alguém foi contemporâneo daquilo quando vivo. Só. A morte é apenas uma questão técnica. Chegarei a um momento em que esterei t4ecnicvamente correto , na absoluta solidão. Quem ler um texto meu no futuro verá que apenas usei a técnica do silêncio.
Hoje a felicidade é muito mais fácil. “
Quem ler o livro “A flor do esquecimento”- cultura popular e processos de transformação-, na página 183, do escritor nascido em Juiz de Fora, Edmilson de Almeida Pereira e Núbia Pereira de Magalhães Gomes, no ensaio “No terço da Lola”, verá que a epígrafe usada é a do poema 25 do livro “Passagem na Orfandade”de Eustáquio, publicado em Juiz de Fora em 1999: “A meus pés persignam-se os evangelhos
Seus capítulos me aderem como pólen:
Verdade de puro linho e algodão.”
Sim, ele é poeta que já virou epígrafe. Sente que seus mortos exigem dele, os mortos em expectativa, o elogio final, o registro último, que significará enfim a morte do poeta. Só assim seus mortos o deixarão em paz.
São eles, como suas lembranças, que provocam a arte e serão eles quem conduzirão o poeta as baías que se fecham sobre si mesmas e secam para que o vivido torne-ser para sempre.
“O livro mais lido do mundo é o corpo humano. O segundo é a Bíblia. Todos folheiam o corpo, passam suas páginas desde o nascimento até a morte. Curioso é que as iluminuras, a encadernação, estas podem mudar,, mas será sempre o corpo humano assim como a Bíblia mantém suas parábolas.
Hoje as casas não têm portas trancadas, como na minha juventude. Todas podem ser abertas e desvendar seus segredos.
Salas amplas, quartos livres para a juventude amar.. Se é bom eu não sei mas penso que o desejo despe-se da ansiedade e dos mistérios, não precisa mais pular janelas. A imaginação padece de agonia. Enfim, é a morte definitiva do pensar barroco.
É difícil sintetizar o amor mesmo porque ele está sempre presente em meu trabalho poético. Para o homem é muito fácil ser feliz porque desde cedo ele convive com a pornografia. E parece que basta essa convivência.”na quitanda do Ney nos encontramos de vez em quando entre frutas e legumes, na Travessa Nossa Senhora dos Remédios. Que remédio! A família preza a despensa sortida. Seus filhos lêem os versos que ele faz assim como cheiram o pão fresco saído do forno da padaria com perfume de outrora.”
“Após a primeira remada comecei a morrer com mineiridade. Minas Gerais, afinal, é sempre o mar de todas as possibilidades.
CHICO CASCATEIRO
O poeta Eustáquio Gorgone de Oliveira reflete sobre o significado do cipó na obra do português Chico Cascateiro que, no início do séc. XX, foi responsável pela construção de uma originalíssima obra paisagística, quase artesanal, em algumas cidades do sul de Minas Gerais. Artesão naturalista, construiu coretos, bancos, cascatas e fontes, que hoje constituem um valioso patrimônio artístico de Minas Gerais.
CIPÓS DE CIMENTO
Eustáquio Gorgone de Oliveira*
Elementos por excelência da arte naturalista, a água,
as pedras e as árvores se conjugam no trabalho de Francisco da
Silva Reis. Como um indez de argamassa, sua obras nos evocam
antigos bosques e matas que, em outras épocas, circundavam a
incipiente vegetação urbana, semeada em pequenas manchas pelas
montanhas.
Dentre as plantas nativas que serviram de inspiração
a este artista português, inúmeras espécies de cipós marcam signi-
ficativa presença nos esteios, baldrames e ripas que compõem seus
quiosques e miradouros.
Trepadeiras de difluida beleza, os cipós foram registrados
por naturalistas e viajantes (Thomas Ewbanck, Ferdinand Denis, Jean
B. Debret) em gravuras de sóbrio realismo. Na vida cotidiana dos
indígenas e mestiços, seus emaranhados liames servem na elaboração
de utensílios e peças de artesanato. As redes, cestas, amarras e
enfeites confeccionados com cipó acompanham o homem do berço
à mortalha.
Sinuoso e resistente, este vegetal pode ser visto, na obra de
Chico Cascateiro, cintado aos troncos e pedras. Vem incrustado na
argamassa que lhe serve de suporte ou exibe seu lenho cortado na
extremidade (cipó-cruz). De maneira natural, sem o artifício maneiroso,
o cipó contorna as terças e vigas. Não revela falsos nós ou cordomes
impróprios. Percorre, sim, com naturalidade, os orifícios e frestras,
deixando que aligadura entre os bambus e esteios se faça pelo encaixe
ou por cravos dispostos nos gomos da madeira. Acompanhando o
movimento dos cipós, lagartas e centopéias procuram refúgio no topo
das coberturas.
O cipoal sugere a lactação das pedras e troncos e não apenas
adorno. Grutas, escadas e pilastras são nutridas por estes veios com
novos arranjos, criando os limites dos parques públicos e ambientes
particulares.
Entre as oportunidades que os homens tiveram de criar parques
e praças nas cidades do Sul de Minas, o conjunto arquitetônico legado
por Chico Cascateiro revela-se como a expressão mais adequada de
entendimento com a natureza. Neste contexto, os relegados cipós ainda
nos abraçam com a mesma força que a sociedade moderna, através das
demolições, procurou arrancá-la de nós. “
OPINIÕES
Sobre o livro “Manuscritos de Pouso Alto”
“A poética de Eustáquio Gorgone de Oliveira apresenta, com evidência, aspectos marcados pela tradição do barroco mineiro. Nesse sentido, a referência ao mundo distorcido remete às figuras do Alejadinho e às tensões manifestas pela estética barroca. O sentimento que perpessa o livro, intermitência de prazer e dor, luz e sombra, provoca no leitor encantamento e espanto e se abre para um interessante leitura fenomenológica para a qual este prefácio serve apenas como porta de entrada. Se passarmos por essa porta, descobriremos que a obscuridade luminosa desses versos ("a vista não alcança/ a luz interior", poema 24) nos conduz à experiência dos místicos, na qual as visões do outro mundo se dão junto com o sangramento do corpo, como lemos no poema 11: "alguém tece o destino/ nos corpos que desfiam / sangue após o corte."
Resenha sobre o livro "Ossos Naives", de Eustáquio Gorgone de Oliveira.
Numa caixa, guardamos todos os ossos. E ali eles se misturam e, ao mesmo tempo, mantêm sua individualidade. Como numa natureza morta, os ossos saltam para a tela e formam o retrato de um instante, de vários instantes. Assim é como sinto “Ossos naives”, de Eustáquio Gorgone de Oliveira (Rio de Janeiro, 7 Letras; Juiz de Fora, Funalfa, 2004), onde os versos são esticados sobre o papel como a formar um esqueleto fragmentado de uma história que envolve o eu lírico, a cidade antiga, os costumes do interior das Minas Gerais.
A poesia de Eustáquio neste novo livro, que recebeu o Prêmio Cidade de Juiz de Fora em 2004, envolve uma cronologia bastante peculiar, que se reflete inclusive no uso de palavras com grafia de português antigo. E este “cronos” é um dos temas recorrentes na obra, levando a uma reflexão nítida sobre a fugacidade de tudo, e sobre a solidão que ele mesmo provoca. Tempo e solidão andam de mãos dadas.”
“O que é um poema?/ cavalo preso/ em nossas baias (...)// lastreados estamos/ nos enganos da arte,/ por enquanto.” (p. 88) E sutilmente o poeta declama “lua, ensina-me o luar./ passei noites lendo as sombras.” (p. 90)
Camilo Mota é escritor e poeta, fundador e editor do Poiésis, reside em Saquarema-RJ
PASSAGEM NA ORFANDADE – 2
Quando o amor circula nas bocas,
ele se move de vermelho a vermelho.
Qual cidade é assim por dentro ?
A primavera viaja sobre carris
e aonde vamos ela também leva
no toucado suas flores.
Cornos forrados de abelhas
trazem o mel das liturgias.
Fossem todos os dias luminosos
a quem distribuir as sombras ?