por Egídio La Pasta, Jr
Eu uso boa parte do meu tempo assistindo filmes. Eu tenho uma locadora de dvd’s que completou dezoito anos recentemente. Passamos do VHS para o DVD e agora aos poucos e com muita calma, abrimos espaço para o blu-ray, que melhora muito a qualidade da imagem e especialmente a do som. No meu apartamento é comum caixas de filmes pelas estantes, coleções arrumadas de acordo com algum critério que escolhi e dvd’s sempre à espera de um tempo para arrumá-los. Na verdade eu gosto dessa confusão porque sempre recorro aos filmes em algum momento por infinitos motivos.
Tudo isso para dizer que essa semana eu revi O Segredo de Brokeback Mountain em blu-ray. Eu assisti esse filme no Festival do Rio de 2005, numa única sessão disputadíssima, já que o filme foi encaixado de última hora na grade do festival e abriram apenas uma sessão de meia-noite no Cine Odeon. E lembro também de sair daquela sessão sob o impacto daquela história, sem sono algum, quase três horas da manhã, caminhando pela Cinelândia. Eu gosto de escrever à partir dos filmes que assisto. É uma brincadeira que às vezes é óbvia e outras vezes, o significado só existe para o destinatário. Na época, eu tinha um outro blog, Filmes GLS ou Quase e fiz um texto ao chegar em casa, que vou reproduzir na coluna hoje.
Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2005.
Existe algo de fascinante no filme do Ang Lee que continua em movimento mesmo após o final. Ele não só narra a história de amor entre dois cowboys, como também desperta a sensação de incapacidade – sensação essa irreversível – que todo ser humano descobre quando não consegue conciliar a sua grande paixão com a vida real. Quando o espaço entre os dois universos parece não caber, quando o ajuste não confere, quando as razões infinitas parecem definitivas. E o amor correspondido, amém, por uma série de detalhes, não pode se adaptar ao universo do um mais um. O amor entre dois homens, nos dias de hoje, ainda enfrenta olhares atenciosos. Ainda desperta a ironia. Gera violência. Machuca. Em outros tempos, com sublinhada gravidade, a vida a dois era um sonho impossível. Um delírio de quem ama e esquece as grandes grades do mundo. O filme de Ang Lee se apoia na história de dois homens que descobriram no acaso, o amor. No interior dos Estados Unidos. Vaqueiros. Década de sessenta. E de como esse amor os enalteceu com o passar do tempo. De como esse amor os jogou na vida. Fortaleceu os corações solitários, coloriu as vidas monótonas, deu sentido ao que parecia sem formato, definição.
O filme do Ang Lee fala de amor. E foge da armadilha do óbvio com muita elegância. Tem bunda, tem beijo, tem barba, tem peito cabeludo, tem bebida, tem cigarro, tem briga feia, tem lua no céu. E tem a delicadeza de um diretor que consegue filmar a fúria da descoberta do desejo. Cuidadoso e com muito respeito pela história que tem nas mãos, Ang Lee me deu uma rasteira. Porque ele não provoca lágrimas nem sobe a música para te forçar uma sensação. Ele deixa que o filme aconteça, que a história seja contada naturalmente, sem armadilhas.
E é justamente aí que você entra. E é justamente em você que eu pensei quando saí do cinema, seco por um telefonema, ansioso pelo momento de te contar do filme, de tudo o que ele me despertou, do quanto fica fácil de nos compreender e nos situar porque histórias de amor refletem também os nossos amores. O filme do Ang Lee move o querer. Ele coloca em movimento o amor. Consciente dos riscos, das feridas, da beleza, da paixão viva, da carne exposta. Um filme de silêncios e sentimentos que só entende quem ama, amou ou vai amar alguém. Eu saí de lá com o pensamento na tua direção Sem saber muito bem o que dizer, mas era você, eu sabia que era para você que eu deveria me dirigir. Porque cada um sabe as suas direções. E é para lá que a gente corre quando o coração aperta em alegria ou dor.
Eu amo você e estou sempre em busca de novas temporadas com velhos personagens, em busca de novos personagens para.novas temporadas. Em busca, enfim.
É curioso reler e é curioso também que o mesmo filme, me cause a mesma sensação anos após, numa segunda revisão.