sábado, 31 de março de 2012

SENHORA DO TEMPO- SONHEI QUE A NEVE FERVIA







CONVERSA COM FAZ AZEVEDO



Antes de ser uma entrevista é conversa. Sobre tempos idos e vividos. Quando Ana Paula Medeiros expressa seu espanto de que de relações virtuais possam nascer amizades reais é porque era o tempo do espanto. Fal, radiografa isto em seu livro além da dificuldade de pronunciar certas palavras, o aprendizado do singular após anos de plural,a busca de sentido no que sentido não tem. Este o livro. Mas é também nossa vida. Nosso absurdo viver de costas para que lado? O ocaso de nada saber em determinado momento enfiando agulhas nos ossos.... Alguém consegue diagnosticar onde o lado de cada coisa sem se ater na convenção estabelecida? O livro de Faz Azevedo nos afoga no insólito. É assim.

Esther-O bom é conversar à toa , né Fal? É isto que você faz quando escreve ou como os demais escritores costumam dizer, sofre, geme, sua sangue e se retorce.

Fal- Esther, quando escrevo dou voz ao que penso. E, mais importante e só possível após uns bons anos de psicanálise, ao que sinto. A conversa, a toa ou não, vem antes. Tou mais na turma que sofre e se retorce, hahaha.

Esther - Por que você começou a escrever. Quando as palavras formaram frases e se tornaram, contos, crônicas, romances?

Fal- Té, quando era guria, eu escrevia. Basicamente pra minha mãe e meu pai gostarem de mim. Redação, a única matéria na qual eu ia bem de verdade. No começo da vida adulta, fui acometida duma brutal, brutal depressão, com síndrome de pânico de brinde, num tempo em que não era moda ter síndrome de pânico. Daí, fui pra psicanálise. E depois duns anos ali, no divã, voltei a escrever, com o mesmo prazer de menina, mas com um bônus: tendo aprendido que o que eu sentia era tão lícito quanto o que eu pensava. Demorô.

Esther - Todas as histórias poderiam ter acontecido, não é mesmo. Mas sempre têm alguma coisa da gente, mesmo que seja do mal dito alter ego.

Fal- Sempre.Creio nisso profundamente. Tudo é versão, tudo é o que achamos que é, nada é isento, puro e limpinho. A realidade, Esther, não existe. Você se carrega onde quer que vá, para o bem e para o mal. E você é um cara parcial pacas.

Esther - Bem, é de praxe, então farei a pergunta: Como surgiu a ideia de "Sonhei que a Neve Fervia"? Em quanto tempo foi escrito? Quanto para ser editado. Você tem contrato de exclusividade com a Rocco?

Fal- Comecei a escrever aí na sua casa, depois que o Alexandre morreu. Basicamente, porque é isso que faço, né Té, eu escrevo. E aquele montão de folhas soltas foi virando o Sonhei bem devagar. Foi escrito em um ano, ele foi aquilo, um diário. Depois, foi reescrito em mais um ano. Anos e anos pra ser editado. E sim, tenho contrato com a Rocco.

Esther - A literatura te sustenta? Afinal já são cinco livros, não? E, segundo consta o Brasil caminha ou já está, que sei eu, no primeiro mundo, onde ler é ato corriqueiro.

Fal- Hahaha, nem vou discutir isso. Mas não, a literatura não me sustenta. A minha, quero dizer. A literatura alheia me sustenta, porque sou tradutora. E são quatro livros solo. Uma participação num projeto chamado Blog de Papel, que adoro, da editora Genese. E uma participação num livro, pasme, sobre dinâmicas de grupo. Fiz cousas que até Deus dúvida.

Esther - Se não te sustenta cê vive de quê criatura? Como escrever ser precisa correr atrás da sobrevivência quando sugerem que é preciso um mecenas para desenvolver o ócio criativo?

Fal- Traduzo, Esther. E sim, esse negócio de ganhar a vida e pagar areia dos gatos atrapalha pacas a criação. Sou cada vez mais fã do ócio criativo, um sonho distante. Devo texto pra metade da internéte brasileira, mas depois de 14 horas de trabalho, quedê que a criatura consegue escrever o que preste? (hahaha, pronto, começou o mimimi)

Esther- Por que o escritor tem esta compulsão de escrever, você me explica? De onde sai esta necessidade de verbalizar em livro mesmo tendo os canais de convivência como face e Twitter, os blogs... Para que o livro?

Fal- Esther, não sei também. Será que a gente encara livro como algo mais definitivo, real, ‘eu escrevo aqui e ali, cisco, cisco, cisco, mas ó, fiz um livro’? Sei não. Mas sim, eu escrevo. Muito, sempre, loucamente.