por Egídio La Pasta, Jr
Essa semana as palavras são de outras pessoas. Escolhi reproduzir uma cena do filme Antes do Pôr-do-Sol, do Richard Linklater que eu gosto muito. Da cena. Do filme. Dessa experiência avassaladora de um reencontro. Dessa desordem absoluta que existe quando duas pessoas se amam e querem, precisam estar juntas. Se você não conhece o filme, ele é a continuação de Antes do Amanhecer, também do Linklater e com os mesmos atores, dez anos mais jovens, se esbarrando pela primeira vez dentro de um trem. O roteiro de ambos os filmes foi escrito pelo diretor e pelos atores Julie Delpy e Ethan Hawke. Você encontra com facilidade os filmes em qualquer locadora da sua cidade. Você também encontra essa cena no youtube, mas preferi deixar somente o texto que sozinho já (me) diz muito.
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Celine – Achei melhor parar de romancear as coisas. Eu vivia sofrendo o tempo todo. Tenho muitos sonhos que não têm nada a ver com a minha vida afetiva. Isso não me entristece, mas as coisas são assim.
Jesse – Por isso, tem um relacionamento com quem nunca está por perto?
Celine – Obviamente, não sei lidar com o cotidiano de um relacionamento. É emocionante. Quando ele viaja, sinto saudades, mas não morro por dentro. Ter alguém por perto sempre me sufoca.
Jesse - Não, espere. Você disse que precisa amar e ser amada.
Celine – Sim, mas quando acontece, sinto enjôo. É um desastre. Só fico realmente feliz quando estou sozinha. Estar só é melhor do que sentir solidão ao lado de um amante. Para mim, não é fácil ser romântica. Você começa assim, mas depois de se dar mal algumas vezes, você esquece os seus devaneios e aceita o que a vida lhe dá. Isso nem é verdade. Eu não me dei tão mal. Mas tive muitas relações sem graça. Eles não foram cruéis. Me amaram mas não havia uma ligação nem emoção. Eu, pelo menos, não senti.
Jesse – Sinto muito. Você está tão ruim assim? Não, certo?
Celine – Não é bem isso, sabe? Eu estava bem, até ler o seu maldito livro. Mexeu muito comigo, sabe? Me lembrou de como eu era romântica, de como eu tinha esperança. Agora, não acredito no amor. Não sinto mais nada pelas pessoas. Me entreguei a esses sentimentos naquela noite e nunca mais senti nada daquilo. É como se naquela noite tivesse dado tudo a você e você partiu. Senti que fiquei fria, como se o amor não existisse para mim.
Jesse – Eu não acredito nisso. Não acredito.
Celina – Para mim, a realidade e o amor são contraditórios. É irônico, todos os meus ex-namorados estão casados. Os homens saem comigo, nós terminamos e depois eles se casam. E depois, ligam e agradecem porque eu lhes ensinei o que é o amor, os ensinei a amar e respeitar as mulheres.
Jesse – Acho que sou um desses.
Celine – Eu quero matá-los! Por que não me pediram em casamento? Eu teria recusado. Mas poderiam me pedir! Eu sei que a culpa é minha. Eu sei, nunca senti que eles poderiam ser o homem certo. Nunca. O que significa isso? O amor de uma vida? Esse conceito é absurdo. Só nos completamos com outra pessoa. Parece uma maldição, certo?
Jesse – Posso falar?
Celine – Eu sofri demais e me recuperei. Agora, não faço mais força. Sei que não vai dar em nada. Não adianta nada.
Jesse – Não dá para viver a vida evitando a dor à custa...
Celine – Falar é fácil. Preciso sair daqui. Pare o carro. Quero descer.
Jesse – Não, não desça. Fale.
Celine – Quero ficar longe de você. Não me toque. Quero pegar um táxi.
Jesse – Por favor, não faça isso.
Celine - Por favor, encoste.
Jesse – Não. Ouça, estou muito feliz por estar ao seu lado. Estou. Estou contente porque você não esqueceu de mim.
Celine – Não esqueci. E é isso o que me deixa puta.Você vem a Paris, todo romântico e casado. Certo? Então, dane-se. Não me entenda mal. Não estou tentando te conquistar ou qualquer coisa do tipo. Um homem casado é tudo o que eu não preciso. Muitas coisas aconteceram que não têm nada a ver com você. Foi um momento no tempo que se perdeu para sempre. Eu não sei...
Jesse – Você diz isso, mas nem se lembrou do sexo. Então...
Celine – É claro que eu lembrei.
Jesse – Lembrou?
Celine – Sim. As mulheres fingem.
Jesse – Fingem?
Celine - Sim, o que eu poderia dizer? Que eu lembrava do vinho no parque e de olhar as estrelas sumirem enquanto o sol nascia? Nós transamos duas vezes, idiota!
Jesse – Sabe de uma coisa? Fiquei feliz por ver você. Apesar de ter se transformado numa ativista colérica e maníaco-depressiva, eu ainda gosto de você, de estar ao seu lado.
Celine – Eu sinto a mesma coisa. Perdão. Não sei o que me deu. Eu precisava desabafar.
Jesse – Sem problemas.
Celine – Meu namoro e minha vida afetiva são infelizes. Parece que não ligo, mas estou morrendo por dentro. Por estar amortecida. Não sinto dor ou excitação. Não estou nem amargurada. Estou...
Jesse – Acha que só você está morrendo por dentro? A minha vida é eternamente ruim.
Celine – Sinto muito.
Jesse – Não, não sinta. Só me sinto feliz quando passeio com o meu filho. Já fiz terapia de casais. Fiz coisas que eu nunca imaginei que teria de fazer. Acendi velas, comprei livros de auto-ajuda, lingerie.
Celine – As velas ajudaram?
Jessé – Nem um pouco. Eu não a amo do jeito que ela precisa ser amada. Não vejo sequer um futuro para nós. Mas eu olho para o nosso filho sentado à mesa perto de mim, e penso que eu passaria por qualquer tortura para estar com ele todos os minutos da vida dele. Não quero perder um momento. Mas na minha casa não há nem alegria, nem risadas, sabe? Eu não quero que ele cresça nesse ambiente.
Celine – Sem risada? Que terrível. Meus pais estão casados há 35 anos e dão risada até quando brigam.
Jesse – Não quero ser daqueles que se divorciam aos 52 anos que chorando reconhecem que nunca amaram seu companheiro e que sentem que a vida foi sugada por um aspirador de pó. Quero uma vida boa. Quero que ela tenha uma vida boa. Ela merece. Mas vivemos um casamento simulado por responsabilidade. Vivemos como as pessoas supostamente devem viver. Mas eu tenho uns sonhos...
Celine - Que sonhos?
Jesse – Eu sonho que estou de pé numa plataforma e você fica passando dentro de um tem. Você passa, e passa, e passa. E eu acordo suando muito. E ainda tenho outro sonho também... e você... está grávida, nua, ao meu lado na cama. Quero tocá-la, mas você não deixa e desvia o olhar. E eu a toco mesmo assim... a partir do seu calcanhar. Sua pele é tão macia, que acordo chorando. Minha mulher me observa e sinto que estou muito longe dela. Sei que existe alguma coisa errada. Que eu... não posso continuar a viver assim, sabe? A vida é mais do que comprometimento. Depois, penso que talvez eu tenha desistido da idéia do amor romântico. Que talvez eu tenha desistido de tudo depois do dia que você não apareceu. Acho que talvez eu tenha feito isso.
Celine – Por que está me contando tudo isso?
Jesse- Me desculpe. Eu não sei. Eu deveria... eu não deveria ter contado.
Celine - É muito estranho. A gente acha que só a gente tem problema. Quando eu li teu artigo, achei que a sua vida fosse perfeita. Tinha mulher, filho e um livro publicado. Mas a sua vida pessoal é mais encrencada que a minha. Me desculpe.
Jesse – Então você fica aliviada sabendo que minha vida está pior do que a sua?
Celine – Sim, graças a você, estou melhor.
Jessé - Ótimo. Fico feliz.
Celine – Eu realmente te desejo o melhor. Não desejo mal aos outros por não ter uma boa relação e família.
Jessé – Eu acho que você vai ser uma ótima mãe.
Celine – Certo. Certo. Chega.
(Diálogo extraído do filme Antes do Pôr-do-Sol, escrito por Julie Delpy, Ethan Hawke e Richard Linklater).