domingo, 5 de fevereiro de 2012

MEDO DE CHUVA

Por Vera Guimarães



Neste começo de 2012, repetindo 2011 e 2010, e até mais pra trás, os jornais, as rádios e as TVs não falam de outro assunto que não seja a tragédia dos deslizamentos de terra, dos desabamentos de prédios, dos rompimentos de diques e açudes, das quedas de barreiras, do rolamento de pedras, disso tudo resultando lamentáveis perdas de vidas, de lares, de lavouras, de gado.
Até pode ser que o clima tenha mesmo enlouquecido, que haja concentração de chuvas em certas regiões, mas não resta a menor dúvida da incúria do Estado, incapaz de prever o óbvio e de se planejar para enfrentar o desastre. Não estou falando de fantasias, em Londres existe sistema de prevenção de inundações.

“Thames Barrier
A barreira artificial criada para proteger Londres de enchentes do rio é uma construção impressionante e se expande por 520 metros, atravessando o Tâmisa de ponta a ponta em um dos seus pontos mais largos. Os portões da barreira tem um design superfuturístico e formam uma paisagem impressionante, principalmente ao entardecer! Leia mais no Planeta Europa Segredos do rio Tâmisa, o coração de Londres | planetaeuropa.com http://planetaeuropa.com/inglaterra/segredos-do-rio-tamisa-o-coracao-de-londres/#ixzz1j46VDkY0 “

Em Seul, Coreia, a partir de alertas de inundação, túneis viários são interditados e transformados em canais de escoamento de água, que é então levada para piscinões ou algum outro lugar seguro para tanto volume de água.

Infelizmente, por aqui não se vê estratégia do poder público e, como consequência, a todo ano choramos mortes e outras perdas.

Bem, mas eu vim aqui para falar dos medos das chuvas e tempestades na minha infância.

Muito agarrada com minha mãe, acabei assimilando o pavor que ela tinha de raios e temporais. Desde cedo aprendi a identificar o tipo de tempo fechado que traria coriscos ou apenas chuva mansa. Eu adorava ver a chuva mansa chegando branquinha, vindo lá da serra que emoldurava nossa cidade.

Já as inundações do rio das Velhas em Jequitibá MG, cidade com a qual mantínhamos e mantemos até hoje estreita ligação, se tornaram lendárias e atraíam curiosos, que se deslocavam de Sete Lagoas até o alto do morro, de onde se tinha vista privilegiada dos eventos lá embaixo.

O anedotário familiar registra alguns casos de pavor de raios. Um nosso primo, já adulto e com filhos, ainda se pelava de medo das descargas elétricas e, apoiado pela ciência, se abrigava dentro do carro em horas críticas. Os filhos dele, ao se verem na iminência de algum castigo feio, olhavam pro céu e falavam: “Olha, pai, acho que vem tempestade aí...” Um primo de meu marido, menino encapetado, ignorava a recomendação de se afastar de metais e espelhos durante tempestades, abria uma tesoura sobre a cabeça e saía pela casa desafiando: “Vem, raio, vem me picar!”, para extremo sofrimento da mãe, que hesitava entre o dever de proteger o peste do filho e o medo de chegar perto dele para arrebatar a tesoura fatídica.

Lembro-me de um temporal que varreu o telhado do sítio onde morávamos. Não sei dizer se isso pertence de fato à minha memória, ou se faz parte daquela memória construída de tanto ouvir falar. Sei que nos abrigamos debaixo de mesa, alguém ficou com uma bacia na cabeça.

Mas, de todas as tempestades, esta foi a mais pavorosa: estávamos de mudança do referido sítio para a cidade. Quem nos ia transportar, de caminhão, junto com os móveis, era um senhor conhecido como Fulano Enguiço. Isso não podia dar certo! Hoje, o percurso entre o sítio e a cidade para onde íamos não dura mais do que uma hora. Partimos provavelmente por volta de meio-dia. Pelo meio da tarde, o céu escureceu, desabou o maior temporal que eu já havia visto. E ia o caminhão sacolejando pela estrada de terra. Buracos novos se juntavam aos antigos. Lamaçais se formavam. Atolamos.
Descem os homens, colocam correntes nos pneus, o motor não pega. O enguiço, lembram-se? Aí já era noite. Coriscos cortavam os céus. Trovões estralavam sobre nossas cabeças. E nunca chegávamos. Até que se constatou que andávamos em círculos. Na escuridão iluminada por um raio, viam-se paisagens, uma árvore, um cupim já vistos antes. Medo. Desânimo. Fome. Frio.

Finalmente chegamos a porto seguro, a fazenda de padrinho querido, onde fomos acolhidos com calor de fogão de lenha, roupas secas, comida quentinha, amizade e carinho. Obrigada, Padrinho Osvaldo, Madrinha Glicéria e filhos todos!

Hoje ainda tenho medo daqueles raios que estralam muito próximos. Procuro me abrigar no lavabo, que não tem janelas externas. É meu confortinho pessoal. Todos nós temos direito a pequenas ilusões de segurança, pois não? Acho que não passei esse medo para os filhos, pelo menos para a mais velha, que gostava de ir para a janela ver a tempestade.

E você, tem medo de tempestades?