Vera Guimarães
Nunca gostei muito de Carnaval. Sim, mas o que exatamente estou chamando de Carnaval? Acho que nunca me agradou muito a alegria obrigatória, o oba-oba. Pensando bem, havia lances que me agradavam, sim.
Por exemplo, na minha infância, interior de Minas, décadas 1950/1940, havia na cidade dois times de futebol que rivalizavam não só em campo, mas também na promoção de eventos sociais, como bailes e festas. No Carnaval, havia desfile de carros alegóricos e cada qual caprichava na montagem do cenário e das fantasias. Lembro-me especialmente de um desses carros em forma de barco, apinhado de comandantes, marinheiros, sereias e piratas. Outros carros traziam odaliscas, ciganos, Luís XV, holandesas, tiroleses, numa mistura boa de se ver. Não havia um enredo, um tema, mas cada clube guardava segredos para surpreender a cidade. A bem da verdade, alguns carros não passavam de caminhões enfeitados e cheios de foliões, mas tudo era festa e eu gostava de ver as moças e rapazes fantasiados.
Nesses dias, descíamos para as ruas principais, munidos de confete, serpentina e... lança-perfume. Sim, crianças pequenas portavam seus frascos de RODOURO. Não, esta menina não sou eu, mas poderia ser; retirei a imagem deste site. Assim, desse tamanho, saíamos com lança-perfume para brincar de espirrar o líquido geladinho nas pessoas, que, segundo a Wikipédia, era isso:
LANÇA-PERFUME - Características técnicas - O lança-perfume é uma droga manufaturada com solventes químicos a base de cloreto de etila. O produto industrializado é geralmente embalado em tubos na forma líquida mediante alta pressão. O líquido, em contato com o ar, evapora rapidamente. O lança-perfume acelera a frequência cardíaca, que pode chegar até 180 batimentos por minuto. Aparentemente inofensiva devido ao seu odor, esta droga destrói as células do cérebro e pode levar o usuário a ter desmaios ou em caso extremos até à morte através de parada cardíaca.
História - O lança-perfume apareceu no Carnaval de 1904, no Rio de Janeiro, sendo rapidamente incorporada aos festejos carnavalescos de todo o Brasil, principalmente nas batalhas de confete, corsos e, mais tarde nos bailes carnavalescos. É a droga considerada símbolo do Carnaval. Durante muito tempo o lança-perfume foi uma diversão inocente, mas, pouco a pouco, passou a ser inalado durante os bailes como uma droga.
Após alguns casos de morte de usuários por embriaguez seguida de queda de janelas, em 1961, por recomendação do jornalista Flávio Cavalcanti, seguido de um decreto do então Presidente Jânio Quadros, o lança perfume fabricado pela Rhodia na Argentina acabou sendo proibido no Brasil.
Pois é, que curioso, saíamos à rua com droga, inocentemente. Uma vez, estendi o limite da inalação até o ponto além da segurança, e de repente senti aquele zumbido fino no ouvido, tudo escureceu e, de encostada à parede, me vi deslizando até o chão. Aprendi. Já adolescentes, usávamos o lança-perfume como recurso de aproximação entre paqueras. Lançar e receber jatos de RODOURO fazia parte dos esquemas de sedução. Mais Freud, impossível!
Adulta, nunca quis ir a bailes de Carnaval nem fui ver os desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro. São maravilhosos. E nem a transmissão pela TV eu consigo ver inteira. É informação demais!
Abomino o formato do Carnaval de Salvador, aquele esquema de privatizar a rua, enchê-la de trios-elétricos monstruosos, vender abadá e só se brincar dentro da corda. Tenho horror disso!
Admiro profundamente o Carnaval de Pernambuco, variadíssimo, coloridíssimo, originalíssimo. Em nenhum outro lugar existe maracatu, frevo, frevo-canção e tantas outras manifestações que passam longe das micaretas.
Vejo com alegria que os cariocas vêm-se apropriando do Carnaval, as pessoas, os grupos, os bairros se juntando em blocos de nomes curiosíssimos, alguns impublicáveis.
Embora não tenha passado para os filhos o gosto pelo Carnaval, acho que não lhes passei o desgosto total pela festa. A mais velha, hoje mãe de adolescentes, sai com blocos espontâneos formados por amigos ou pela família do marido. Ela mesma, quando adolescente, no meio do Carnaval, foi chamada para um evento. Lojas fechadas, improvisamos uma fantasia, composta de um collant já existente e uma cartola a existir. Munidas de cartolina, cola e glitter, pusemos-nos a confeccionar o adereço. Em busca de circunferência, perímetro, raio, foi essa a primeira e única vez na vida que usei o PI, é, aquele PI das aulas de geometria, o famoso 3,1416.
Enfim, Carnaval, para mim,... de longe!
Aproveite seu Carnaval, seja ele folia, descanso, leitura, esbórnia, feriado, praia, trio-elétrico, televisão, casa, namorinho! Aproveite!