quinta-feira, 10 de março de 2011

JOÃO DOS VASOS E MARIA POABA

Por Esther Lucio Bittencourt

Foto: Google Images
Quando era criança todo final de semana passava em frente à minha casa um homem idoso vestindo terno, gravata e chapéu. Nas costas carregava um saco que parecia ser pesado. No final da tarde, ele voltava pelo mesmo caminho. Às vezes, com o saco vazio, em outras, com ele cheio. Era João dos Vasos.

Nos mesmos dias do fim de semana passava também pelo mesmo caminho uma mulher baixinha, enrugada, vestida de chita estampada com duas rodelas de ruge nas bochechas, batom desenhando uma boquinha de melindrosa e sobrancelhas raspadas refeitas com lápis, bem fininhas e lá no alto da testa. Era Maria Poaba. Carregava um guarda chuva fizesse sol ou chuva, e caso alguém se atravesse a cumprimentá-la, saía dando guarda-chuvadas em quem alcançasse.

De João dos Vasos diziam que no saco carregava crianças que vendia para quem fazia sabão com elas. E de Maria Poaba que ia encontrar no cemitério com um noivo morto havia muito tempo. Levava com ela um ossinho dele que guardava como relíquia. No entanto, a diversão dos dois era assustar as crianças da rua. Minha mãe dizia: não tema, filha, a vida os desorientou. Mas as empregadas mais sábias informavam que os dois gostavam mesmo de roubar crianças para fazer sabão.

Vagavam nos fins de semana pelas ruas do meu bairro. Desorientados, como dizia minha mãe. Para roubar crianças, como informavam as empregadas. Um dia João dos Vasos abriu o portão lá de casa. Estava na varanda e congelei. Nem grito saía da minha boca. Minha mãe chegou talvez pressentindo a agonia da cria e mandou-o embora.

Hoje, sem mais do que nunca, o Oriente Médio vive sob o signo da desorientação de João dos Vasos e de Maria Poaba. É assim que vejo o poder por lá. Cada vez que Muammar Kadafi aparece na televisão
, o seu olhar e o seu rosto talhado na maldade, me congela. Falo de Kadafi porque é a bola da vez. Mas é como se tivéssemos revivendo os momentos da Guerra Fria: a qualquer momento uma bomba pode explodir.
Foto: Google Images

A mídia fala da oscilação da Bolsa de Valores por conta do preço do barril de petróleo. Mas ninguém comenta sobre o estado mental, emocional de todos aqueles que veem e sabem que populações estão sendo dizimadas para garantir alguém no poder.

O mundo é muito assustador.

Enquanto alguns aterrorizam a população por desorientação pura com ameaças de desrespeitar a propriedade alheia, como o fez João dos Vasos quando entrou no jardim de nossa casa; muitos agora estão como fiquei naquela época da infância: congelados de medo, espanto, pavor e incapacitados de reação.

João dos Vasos e Maria Poaba, na verdade, servem de metáfora para o mundo – tanto oriental quanto ocidental - um casal de desorientados que talvez visitasse o túmulo dos sonhos perdidos ou vendesse vasos de porta em porta para que com plantas se enfeitasse as varandas a despistar o terror ou, quem sabe, apenas roubassem crianças e fizesse delas sabão que se transforma em bolhas de espuma que desaparecem no ar.

Nossos sonhos foram soterrados e nossas esperanças de que houvesse um mundo sem ameaças e sem pessoas ameaçadoras morrem quando se atrevem a nascer. É assim a nossa sina no mundo. Olhar da varanda de nossas casas o medo que nos congela provocado por um casal simples e enlouquecido que no dizer de minha mãe andava desnorteado: João dos Vasos e Maria Poaba.

Ah humanos, quando faremos o mundo melhor?